Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 20

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Porque, emfim, nada basta
Contra o terrivel fim da noite eterna;
Nem póde a deosa casta
Tornar á luz superna
Hippolyto da escura sombra averna.
Nem Thesêo esforçado,
Ou com manha, ou com fôrça valerosa,
Livrar póde o ousado
Perithoo da espantosa
Prisão Lethêa escura e tenebrosa.

ODE X.
Aquelle moço fero
Nas Pelethronias covas doctrinado
Do Centauro severo;
Cujo peito esforçado
Com tutanos de tigres foi criado.
N'ágoa fatal menino
O lava a mãe, presaga do futuro,
Para que ferro fino
Não passe o peito duro
Que de si mesmo a si se t[~e]e por muro.
A carne lh'endurece,
Porque não seja d'armas offendida.
Cega! pois não conhece
Que póde haver ferida
N'alma, e que menos doe perder a vida.
Que donde o braço irado
Dos Troianos passava arnez e escudo,
Alli se vio passado
Daquelle ferro agudo
Do menino qu'em todos póde tudo.
Alli se vio captivo
Da captiva gentil que serve e adora;
Alli se vio que vivo
Em vivo fogo mora,
Porque de seu senhor a vê senhora.
Ja toma a branda lyra
Na mão que a dura Pelias meneára;
Alli canta e suspira,
Não como lh'ensinára
O velho, mas o moço que o cegára.
Pois, logo, quem culpado
Será, se de pequeno offerecido
Foi todo a seu cuidado;
No berço instituido
A não poder deixar de ser ferido?
Quem logo fraco infante
D'outro mais poderoso foi sujeito,
E para cego amante
Desd'o princípio feito,
Com lagrimas banhando o tenro peito?
Se agora foi ferido
Da penetrante ponta e fôrça d'herva;
E se Amor he servido
Que sirva á linda serva,
Para quem minha estrella me reserva?
O gesto bem talhado;
O airoso meneio e a postura;
O rosto delicado,
Que na vista figura
Que s'ensina por arte a formosura,
Como póde deixar
De render a quem tenha entendimento?
Que quem não penetrar
Hum doce gesto, attento,
Não lhe he nenhum louvor viver isento.
Aquelles, cujos peitos
Ornou d'altas sciencias o destino.
Se vírão mais sujeitos
Ao cego e vão menino,
Arrebatados do furor divino.
O Rei famoso Hebreio,
Que mais que todos soube, mais amou;
Tanto, que a deos alheio
Falso sacrificou.
Se muito soube e teve, muito errou.
E o grão Sabio qu'ensina,
Passeando, os segredos da Sophia,
Á baixa concubina
Do vil Eunuco Hermia
Aras ergueo, que aos deoses só devia.
Aras ergue a quem ama
O Philosopho insigne namorado.
Doe-se a perpétua fama,
E grita qu'he culpado:
Da lesa divindade he accusado.
Ja foge donde habita;
Ja paga a culpa enorme com destêrro.
Mas, oh grande desdita!
Bem mostra tamanho êrro
Que doctos corações não são de ferro.
Antes na altiva mente,
No subtil sangue e engenho mais perfeito
Ha mais conveniente
E conforme sogeito,
Onde s'imprima o brando e doce affeito.

ODE XI.
Naquelle tempo brando
Em que se vê do mundo a formosura,
Que Thetis descansando
De seu trabalho está, formosa e pura,
Cansava Amor o peito
Do mancebo Peleo d'hum duro affeito.
Com impeto forçoso
Lhe havia ja fugido a bella Nympha,
Quando no tempo aquoso
Noto irado revolve a clara lympha,
Serras no mar erguendo,
Que os cumes das da terra vão lambendo.
Esperava o mancebo,
Com a profunda dor que n'alma sente,
Hum dia em que ja Phebo
Começava a mostrar-se ao mundo ardente,
Soltando as tranças d'ouro,
Em que Clicie d'amor faz seu thesouro.
Era no mez que Apolo
Entre os irmãos celestes passa o tempo:
O vento enfreia Eolo,
Para que o deleitoso passatempo
Seja quieto e mudo;
Que a tudo Amor obriga, e vence tudo.
O luminoso dia
Os amorosos corpos despertava
Á cega idolatria,
Que ao peito mais contenta e mais aggrava;
Onde o cego menino
Faz que os humanos crêão que he divino:
Quando a formosa Nympha,
Com todo o ajuntamento venerando,
Na crystallina lympha
O corpo crystallino está lavando;
O qual nas ágoas vendo,
Nelle, alegre de o ver, s'está revendo:
O peito diamantino,
Em cuja branca teta Amor se cria;
O gesto peregrino,
Cuja presença torna a noite em dia;
A graciosa boca
Que a Amor com seus amores mais provoca;
Os rubins graciosos;
As pérolas qu'escondem vivas rosas
Dos jardins deleitosos,
Que o ceo plantou em faces tão formosas;
O transparente collo,
Que ciumes a Daphne faz d'Apollo;
O subtil mantimento
Dos olhos, cuja vista a Amor cegou;
A Amor que, com tormento
Glorioso, nunca delles se apartou,
Pois elles de contino
Nas meninas o trazem por menino;
Os fios derramados
Daquelle ouro que o peito mais cobiça,
Donde Amor enredados
Os corações humanos traz e atiça,
E donde com desejo
Mais ardente começa a ser sobejo.
O mancebo Peleo,
Que de Neptuno estava aconselhado,
Vendo na terra o ceo
Em tão bella figura trasladado,
Mudo hum pouco ficou,
Porque Amor logo a falla lhe tirou.
Emfim, querendo ver
Quem tanto mal de longe lhe fazia,
A vista foi perder,
Porque de puro amor, Amor não via:
Vio-se assi cego e mudo
Por a fôrça d'Amor que póde tudo.
Agora s'apparelha
Para a batalha; agora remettendo;
Agora s'aconselha;
Agora vai; agora está tremendo;
Quando ja de Cupido
Com nova setta o peito vio ferido.
Remette o moço logo
Para ond'estava a chamma sem socêgo;
E co'o sobejo fogo
Quanto mais perto estava, então mais cego:
E cego, e co'hum suspiro,
Na formosa donzella emprega o tiro.
Vingado assi Peleo,
Nasceo deste amoroso ajuntamento
O forte Larisseo,
Destruição do Phrygio pensamento;
Que, por não ser ferido,
Foi nas ágoas Estygias submergido.

ODE XII.
Ja a calma nos deixou
Sem flores as ribeiras deleitosas;
Ja de todo seccou
Candidos lirios, rubicundas rosas:
Fogem do grave ardor os passarinhos
Para o sombrio amparo de seus ninhos.
Meneia os altos freixos
A branda viração de quando em quando;
E d'entre vários seixos
O liquido crystal sahe murmurando:
As gottas, que das alvas pedras sáltão,
O prado, como pérolas, esmaltão.
Da caça ja cansada
Busca a casta Titanica a espessura,
Onde á sombra inclinada
Logre o doce repouso da verdura,
E sôbre o seu cabello ondado e louro
Deixe cahir o bosque o seu thesouro.
O ceo desimpedido
Mostrava o lume eterno das estrellas;
E de flores vestido
O campo, brancas, roxas e amarellas,
Alegre o bosque tinha, alegre o monte,
O prado, o arvoredo, o rio, a fonte.
Porém como o menino,
Que a Jupiter por a aguia foi levado,
No cêrco crystallino
For do amante de Clicie visitado;
O bosque chorará, chorará a fonte,
O rio, o arvoredo, o prado, o monte.
O mar, que agora brando
He das Nereidas candidas cortado,
Logo se irá mostrando
Todo em crespas escumas empolado:
O soberbo furor de negro vento
Fara por toda parte movimento.
Lei he da natureza
Mudar-se desta sorte o tempo leve:
Succeder á belleza
Da Primavera o fructo; a elle a neve;
E tornar outra vez por certo fio
Outono, Inverno, Primavera, Estio.
Tudo, emfim, faz mudança
Quanto o claro sol vê, quanto allumia;
Não se acha segurança
Em tudo quanto alegra o bello dia:
Mudão-se as condições, muda-se a idade,
A bonança, os estados e a vontade.
Somente a minha imiga
A dura condição nunca mudou;
Para que o mundo diga
Que nella lei tão certa se quebrou:
Em não ver-me ella só sempre está firme,
Ou por fugir d'Amor, ou por fugir-me.
Mas ja soffrivel fôra
Qu'em matar-me ella só mostre firmeza,
Se não achára agora
Tambem em mi mudada a natureza;
Pois sempre o coração tenho turbado,
Sempre d'escuras nuvens rodeado.
Sempre exprimento os fios
Qu'em contino receio Amor me manda;
Sempre os dous caudaes rios,
Qu'em meus olhos abrio quem nos seus anda,
Correm, sem chegar nunca o Verão brando,
Que tamanha aspereza vá mudando.
O sol sereno e puro,
Que no formoso rosto resplandece,
Envolto em manto escuro
Do triste esquecimento, não parece;
Deixando em triste noite a triste vida
Que nunca de luz nova he soccorrida.
Porém seja o que for:
Mude-se por meu damno a natureza;
Perca a inconstancia Amor;
A Fortuna inconstante ache firmeza;
Tudo mudável seja contra mi,
Mas eu firme estarei no qu'emprendi.


NOTAS.


NOTAS.

Pag. 4. V. 4. _Que rompesse os Mahometicos arnezes_] Faria e Sousa.
_Rompessem os Mahometicos arnezes_] 3.ª ed. A primeira lição he viciosa,
a segunda correcta; e por isso e por ser mais antiga a adoptámos.

P. 14. V. 24. _Ha de acabar o mal destes amores_.] Todas as ed. Mas
o vício he manifesto, porque a tenção, desacompanhada da obra,
nada póde acabar. Corrigimos:
Mas se vossa tenção com minha morte
He de acabar o mal destes amores etc.

P. 29. V. 13. _Mas em vão não vereis, porque vereis_] Faria e
Sousa. _Mas em vão não vireis, porque achareis_] 3.ª ed. Adoptámos esta
lição, que he a do poeta.

P. 30. V. 10. _O pensamento da aspereza vossa_] Faria e Sousa.
_O pensamento e a aspereza vossa_] 3.ª ed. Porque rejeitaria Faria e
Sousa esta lição? ou que entenderia elle por _pensamento da aspereza_?
Seguimos a lição antiga, que he a verdadeira.

P. 34. V. 7. _Pois a parte maior do entendimento_] Faria e
Sousa. _Pois a parte melhor do entendimento_] 3.ª ed. Adoptámos a lição
antiga, porque por _parte maior_, se entende a maior porção.

P. 34. V. 9. _Se em teu valor contemplo a melhor parte_]
Faria, e 3.ª ed. Mas he vício, porque o poeta acaba dizer que a melhor
parte do entendimento se vê perdida no menos que ha na sua amada, e
não he possivel que não quizesse continuar no mesmo encarecimento.
Corrigimos:
Se em teu valor contemplo a menor parte.

P. 34. V. 25. _Em feras mora, em aves, pedras ágoas_] Faria e
Sousa. _Em feras, plantas, aves, pedras, ágoas_] 3.ª ed. Só quem for
destituido de gosto poderá preferir aquella a esta lição.

P. 40. V. 19. _A mão tenho mettida no teu seio_] Faria e
Sousa, e 3.ª ed. He êrro: corrigimos:
A mão tenho mettida no meu seio.

P. 69. V. 5. _Nunca do vento e ira, que arrancando_] Faria e
Sousa. He êrro; corrigimos:
Nunca do vento a ira, que arrancando.

P. 70. V. 24.
_Com que a morte forçada e gloriosa,
Faz o vencido etc._] Faria e Sousa. He êrro: corrigimos:
Com que a morte forçada gloriosa
Faz o vencido etc.

P. 86. V. 24.
_Pois se a fortuna o fez por descontar-me
Esse desgosto etc._] Faria e Sousa. He lição viciosa, porque o
poeta acaba de dizer que a sorte lhe cortou em flor a sua alegria, que
era tal, que era de razão, tivesse este desconto, porque se não dissesse
que no mundo podia haver bem perfeito; e seria disparate chamar agora
desgosto ao que pouco antes chamou summa alegria. Corrigimos:
Mas se a fortuna o fez por descontar-me
Aquelle gosto etc.

P. 108. V. 15. _Ayúdame, Señora, á ser vingança_] Faria e
Sousa. He êrro. Corrigimos:
Ayúdame, Señora, á hacer vinganza.

P. 111. V. 7. _Nem todos para um gôsto são iguaes_] Faria e
Sousa. He êrro, porque o poeta diz: Vós, ó annos, estes que passais tão
ligeiros, nem todos sois iguaes: e se dissesse _são_, era absurdo.
Corrigimos:
Nem todos para um gôsto sois iguaes.

P. 113. V. 25. _Aunque en esta se llega al natural_] Faria e
Sousa. He êrro. Corrigimos:
Aunque en esto se llega al natural.
Porque o sentido do poeta he que só n'uma cousa se aproxima ao natural o
retrato da sua amada; e vem a ser, que assim ouve, e assim responde o
seu pranto como se fôra o proprio original.

P. 114. V. 11. _En tanto bien no quieras olvidarte_] Faria e
Sousa. Foi descuido, porque a mesma Rima exige que seja _olvidarme_.

P. 114. V. 21. _Cesse vosso louvor, Nymphas formosas_] Faria
e Sousa. He vicio, porque o poeta não diz ás Nymphas que deixem o seu
proprio louvor; mas, sim, o seu lavor; isto he, as telas que estavão
lavrando. Corrigimos:
Cesse vosso lavor etc.

P. 115. V. 22. _Fizeres que se mova a piedade_] Faria e
Sousa. _Fazeres que se mova a piedade_] 3.ª ed. Seguimos esta lição, que
he a verdadeira.

P. 120. V. 15. _Em Babylonia sôbre os rios_] Faria e Sousa.
Mas parece que tambem aqui, como nos outros lugares, se deve ler:
De Babylonia sobre os rios etc.

P. 128. V. 13. _Ah! que falta mais vezes a ventura_] Faria e
Sousa; mas a lição do poeta he esta:
Ah! que falte mais vezes a ventura.

P. 133. V. 28.
_Que não póde nenhum impedimento
Fugir do que lhe ordena sua Estrella._]
Lição vulgar. Mas o fugir está aqui por evitar: corrigimos:
Fugir o que lhe ordena etc.

P. 134. V. 7. _Tão potente será vossa mudança_.] Lição
vulgar. He viciosa: corrigimos:
Tão patente será etc.

P. 136. V. 28. _Não o quizera tanto á vossa custa_.] Lição
vulgar. He vicio, porque se entende a vingança. Corrigimos:
Não a quizera tanto á vossa custa.

P. 138. V. 11. _Eu quanto mais te vejo, mais te escondes_.]
Lição vulgar. He absurda: corrigimos:
Eu quanto mais te busco, mais te escondes.

P. 139. V. 20. _Que mágoas para ouvir! e que figura_.] Lição
vulgar. He viciosa: corrigimos:
Que mágoas para ouvir! Que tal figura.

P. 144. V. 11.
_Mas eu acostumado ao veneno,
E uso de soffrer meu mal presente_.] Lição vulgar. He viciosa:
corrigimos:
Assim de acostumado co'o veneno,
O uso de soffrer etc.

P. 159. V. 3. _Ni dejarán, por mas que el tiempo huya_.]
Todas as ed. Mas he vicio, porque se entende a memoria. Corrigimos:
Ni dejará, por mas que el tiempo huya.

P. 165. V. 12. _Seus cabellos_] Tod. as ed. Mas quem espalha
os cabellos, não são as Nymphas; he a manhãa. Nem as Nymphas podião ter
tantos e tão longos cabellos, que os espalhassem pelos montes.
Corrigimos: _Teus cabellos_.

P. 167. V. 9. _Gaitas, que bem se ouvião_] Faria e Sousa. _As
gaitas que trazião_] 3.ª ed. Adoptamos esta lição, que he a do poeta.

P. 175. V. 5.
_Com palavras mimosas e forjadas
Da solta liberdade e livre peito._] Todas as ed. Mas he vicio,
porque o sentido he este: Com palavras mimosas e forjadas eu, de solta
liberdade e livre peito, as trazia (a ellas Nymphas) contentes e
enganadas. Corrigimos:
Com palavras mimosas e forjadas,
De solta liberdade e livre peito etc.

P. 184. V. 20. _Assim me está tornando o peito frio._] Todas
as ed. Mas o temor he que produz todos estes effeitos: impedir a voz,
tornar a lingua negligente e o peito frio; e desta lição parece
entender-se que o peito frio he quem torna a lingua negligente, ou que a
lingua negligente torna o peito frio. Esta amphibologia argue vicio de
texto. Corrigimos:
Assim me está tornando, e o peito frio.
Este lugar nos fornece mais uma prova incontestavel de que a emenda que
fizemos na Estancia 29, Canto IV dos Lusiadas, he a verdadeira e genuina
lição do poeta. E não só neste, mas em todos os mais lugares onde o
poeta falla do medo, sempre lhe attribue o effeito de esfriar e gelar:
como no mesmo ja citado Canto, Estancia 21:
Desta arte a gente força e esforça Nuno,
Que com lh'ouvir as ultimas razões,
Removem o temor frio, importuno
Que gelados lhe tinha os corações.
e no Canto I, Estancia 89:
O temor grande, o sangue lhe resfria.
Sempre disse que fazia parar a circulação do sangue, e que seus effeitos
se fazião primeiro sentir no coração, como no Canto V, Estancia 38:
Que poz no coração um grande medo.
O mesmo fazem todos os grandes poetas, e com especialidade Virgilio,
como se ve nos seguintes exemplos:
_Extemplo Aeneae solvuntur frigore membra._
Eneida L. I, V. 96.
_Solvite corde metum, Teucri._
ibi V. 566.
_Diffugimus visu exangues._
ibi L. 2, V. 212.
_At sociis subitâ gelidus formidine sanguis
Diriguit: cecidêre animi._
ibi L. III, V. 259.
_Gelidus Teucris per dura cucurrit
Ossa tremor._
ibi L. VI, V. 54.
E além destes muitos e muitos outros puderamos citar.
Pois se o temor esfria e gela, e primeiro se faz sentir no coração, como
diz o nosso Camões e disserão antes, e tem dito depois todos os grandes
poetas; com a autoridade do mesmo Camões se prova que, se no campo de
Aljubarrota, quando a trombeta Castelhana deo o sinal da batalha, o
sangue acudio ao coração dos Portuguezes, e por consequencia se lhes
concentrou alli o calor, não foi porque o temor fosse maior, mas, sim,
porque era muito menor, que o perigo. E portanto he viciosa a lição
vulgar, e a nossa verdadeira.

P. 187. V. 30. _E vós, pastores deste rudo outeiro_] Faria e
Sousa. _E vós, pastores rudos deste outeiro_] 3.ª ed. A lição do poeta
he esta.

P. 188. V. 30. _No tronco de alguma árvore sombria_] Faria e
Sousa. _E no tronco d'uma arvore sombria_] 3.ª ed. Esta he a lição
verdadeira.

P. 190 V. 3. _Em vós deixou Minerva o que valia_] Faria e
Sousa. _Em vós deixou Minerva sua valia_] 3.ª ed. Porque desprezaria
Faria esta lição?

P. 198. V. 15. _Porque saibas o que he ser amada_] Faria e
Sousa. _Porque saibas que cousa he ser amada_] 3.ª ed. Quem hesitará em
seguir a lição antiga?

P. 199. V. 23. _Se humano parecer não se defende_] Faria e
Sousa. _Que ao humano parecer não se defende_] 3.ª ed. Ambas estas
lições são viciosas. A que nos parece verdadeira ou pelo menos correcta,
he esta:
Se ao humano parecer não se defende.

P. 200. V. 13. _Porque segues em vão esse cuidado?_] Faria e
Sousa. _Não vés que teu fugir he escusado?_] 3.ª ed. A lição antiga he a
do poeta.

P. 200. V. 14. _Pois nunca estás sem mim algum momento_]
Faria e Sousa. _Que sem mim não estás um so momento_] 3.ª ed. Este verso
he incomparavelmente melhor que o de Faria, e tem o cunho do poeta.

P. 201. V. 21. _A vós se dão, a quem junto se ha dado_] Faria
e Sousa. _A vós se dem, a quem junto se ha dado_] 3.ª ed. A lição
verdadeira he esta.

P. 202. V. 23. _E o mais do roxo dia era passado_] Faria e
Sousa. _E o mais do dia ja era passado_] 3.ª ed. O epiteto de _roxo_
aqui desnecessario parece introduzido por mão estranha.

P. 203. V. 14. _Que farão mais que mais endurecer-te?_] Faria
e Sousa. _Que fazem senão mais endurecer-te?_] 3.ª ed. Este verso he
muito mais natural e melhor que o outro.

P. 203. V. 23. _Um bronze ja abrandára que não sente_] Faria.
_Ja um peito abrandára que não sente_] 3.ª ed. Esta segunda lição he sem
duvida alguma a do poeta, por que, alem de que he ocioso dizer do bronze
que he insensivel, esta expressão de _peito que não sente_, he nelle tão
frequente que não podemos deixar de a ter por sua.

P. 205. V. 6. _Em lugar de alegrar-se, se entristecem_]
Faria. _Em vez de se alegrarem, se entristecem_] 3.ª ed. Este verso em
harmonia he mui superior ao primeiro, e tem mais a seu favor ser das
primeiras edições. Pelo que lhe damos a preferencia.

P. 211. V. 2. _Com rosto baixo, e alto pensamento_] Faria e
Sousa. _Co'o rosto baixo, e alto o pensamento_] 3.ª ed. Andando este
verso assim nas primeiras ed., tão impossivel parece que Faria o não
tivesse visto, como que, depois de o ver, lhe preferisse o primeiro.

P. 213. V. 1. _E vós, cujo valor em tanto excede_] Faria e
Sousa. _E vós, cujo valor tão alto excede_] 3.ª ed. Preferimos a lição
antiga, que he correcta, á emenda de Faria, que he viciosa.

P. 213. V. 17. _Contra o indomito Pãe de toda Hespanha._
Todas as ed. Mas he vicio manifesto. Faria e Sousa explica assim este
lugar do texto: "Esto es, que los campos estaban sustentados de toda
España, contra Don Alonso, padre del Principe, que venciendo, los
sustentó contra la fortuna e Hados." Mas a isto temos duas razões que
oppor, a primeira he, que não era possivel que um poeta como Camões,
para exprimir cousa tão simples fizesse tal geringonça; a segunda he
appresentar o texto como o poeta o escreveo:
_Se não sabem as frautas pastoris
Pintar de Toro os campos semeados
D'armas e corpos fortes e gentis,
Por um moço animoso sustentados
Contra o indomito Rei de toda Hespanha,
Contra a Fortuna vãa, e injustos Fados._
Faria devia saber, e por certo não ignorava que ElRei Dom Fernando de
Castella foi feliz nas armas, razão por que o poeta lhe dá o epiteto de
indomito; e que reunio em si varias corôas, que d'antes erão separadas e
independentes, razão por que o poeta lhe chama rei de toda Hespanha. E
se em tudo isto reflectisse, em lugar da palavra _pae_, aqui
visivelmente introduzida por mão estranha, teria restabelecido no texto
a palavra _Rei_, que o poeta ahi tinha posto; e com isso nos poupára o
trabalho de o fazer agora.

P. 214. V. 13. _De si ja, não ja só do pobre fato_] Faria e
Sousa. _De si, e do seu gado e pobre fato_] 3.ª ed. Assim andava este
verso nas primeiras edições; e a verdade he mais antiga, que a mentira.
Restituimos a lição antiga. Porque por gado se entende bois etc., e por
fato, cabras.

P. 217. V. 11. _Do som que no Parnaso se deseja_] Faria e
Sousa. _Do som, que pelo mundo se deseja_] 3.ª ed. A lição de Faria nos
he suspeita, porque no Parnaso residem Apollo e as Musas; e he de lá que
os poetas pretendem haver esse desejado som; e como tal a desprezamos,
restituindo o verso como se lia nas primeiras edições; que he como o
poeta o escreveo.

P. 220. V. 1. _D'altas nuvens vestido_.] Todas as ed. Mas he
êrro das copias: deve ler-se:
D'átras nuvens vestido etc.

P. 224. V. 31. _Quiz descansar á sombra da espessura_] Faria.
He êrro, porque espessura não rima com _manifesta_ e _sesta_.
Restituimos o verso, como andava nas primeiras edições:
Quiz descansar á sombra da floresta.

P. 226. V. 1.
_Sirene e Nyse que das mãos fugirão
De Tegeo Pan_]
Todas as ed. Mas he vicio das copias, porque não consta que Sirene
fugisse nunca das mãos de Pan. Restituimos:
Syrinx e Nyse.

P. 234. V. 21. _Ja no indignado monte se lançava_] Faria e
Sousa. _Ja no indigno monte se lançava_] 3.ª ed. Uma e outra lição he
viciosa; a do poeta he:
Ja indignado no monte se lançava.

P. 236. V. 3. _Ainda agora em herva as folhas viras_] Todas
as ed. Mas he êrro, porque o gira-sol, que he a flor em que foi
convertida Clycie, não víra as folhas contra o sol, nem tal disse o
poeta: o que elle disse he que esta nympha inda, depois de transformada
em planta, segue com os olhos o seu amante; mas a ignorancia ou
descuido dos copiadores a _olhos_ substituio _folhas_. Restituimos:
Ainda agora em herva os olhos viras.

P. 284. P. 4. _Com as mãos que maçãas colhendo andava._]
Todas as ed. Eis-aqui mais um exemplo dos infinitos estragos que nas
obras do poeta tem feito a ignorancia dos copiadores. Este verso como
elle o escreveo he:
Com a mãe que maçãas colhendo andava.

P. 289. V. 15. _Como o mesmo que então meu mal crescia._]
Faria e Sousa. He êrro: corrigimos:
Com o mesmo etc.

P. 302. V. 28. _Sabe, Canção, que só porque não vejo._] Todas
as ed. Mas o verso como o poeta o escreveo he seguramente assim:
Sabe, Canção, que só porque o não vejo.

P. 304. V. 26. _Ma figurou nos braços, e assim a tive_] Todas
as ed. Mas aquelle _a_ está aqui de mais para o sentido e para o verso.
Porque o poeta o que diz he, que teve dormindo o que desejou ter
acordado. Corrigimos:
Ma figurou nos braços, e assi tive.

P. 307. V. 3. _Dos montes descobrindo._] Todas as ed. Mas he
vicio de cópia; porque descobrir dos montes a escuridão he avistá-la de
lá; e o poeta o que diz he que vinha apparecendo a manhãa, e a escuridão
ia descobrindo os montes. Corrigimos:
Os montes descobrindo.

P. 308. V. 27. _Se mo não impedir o meu desejo._] Todas as
ed. Mas he êrro. O poeta está gozando a doce visão da sua amada, e
deseja morrer antes que se lhe desvaneça; mas ao mesmo tempo teme, que
esta gloria que está gozando, lhe impida a de morrer, que era o seu
desejo, tornando-lhe a vida. E nesta perplexidade e enleio exclama:
Oh ditosa partida! (a morte) oh gloria soberana alta e subida! (a da
visão que está gozando) se esta lhe não impedir aquella. E a lição neste
lugar he:
Se me não impedir o meu desejo.

P. 314. V. 25. _Á pena vem pequenos._] Todas as ed. O P.
Thomaz d'Aquino corrigio _penna_. Mal, porque estava bem o texto; e se
deve lêr _pena_.

P. 321. V. 24. _Pelo que em si se esconde._] Assim se lê este
verso nas primeiras ed. Faria e Sousa corrigio _em ti_. Mal, porque o
vicio inda ficou. A verdadeira emenda he:
Pelo que a si se esconde.

P. 325. V. 21. Este verso diz Faria e Sousa se lia no
manuscripto:
_Pelo que em si lhe esconde._
Mas foi êrro de quem o copiou: deve ler-se
Pelo que se lhe esconde.

P. 329. V. 19. _Não tendo, não, somente por contrarios_]
Faria e Sousa. _Não tendo tãosomente por contrarios_] 3.ª ed. A lição
antiga he a verdadeira.

P. 331. V. 26. _Com que a fronte tornada mais serena Torna
os tormentos graves._] Todas as ed. Mas he vicio das copias; porque a
fronte, por mais serena que esteja não pode serenar as agitações do
animo. Corrigimos:
Com que, a fronta tornada mais serena,
Tórno os tormentos graves &c.

P. 336. V. 1. _Pouco a pouco invenciveis me sahião._] Todas
as ed. Mas he êrro grosseiro dos copiadores.
Corrigimos:
Pouco a pouco invisiveis me sahião.

P. 339. V. 19. _Os olhos na que corre, e não alcança._] Todas
as ed. Mas he êrro palpavel das cópias. Sobre este lugar diz Faria:
_Mirese lo que me viene á embarazar sobre irme desembarazando de tantas
difficuldades destes poemas. Dice aqui: quando pone los ojos en la que
corre. Qué es la que corre? Arriba queda providencia, y luego
consolacion, y despues flaqueza humana; y no hallo que ninguna destas
corre, si no es la flaqueza humana á la muerte; y ni asi lo entiendo
bien_. Mas não tem muito que entender: este lugar está corrompido, como
tantos outros que temos visto: a lição do poeta era _No que corre_: quem
copiou poz _Na que corre_. E o sentido he: Mas a fraqueza humana, quando
lança os olhos no que corre; isto he, no muito que corre com os olhos
d'alma, e não alcança, senão &c.

P. 360. Ode I.ª A primeira cousa que temos a observar nesta
Ode he: que a Estancia, que principia: _Para ti guarda o sitio fresco
d'Ilio_, e a outra logo seguinte que principia: _De qual panthera ou
tigre ou leopardo_, se achão em todas as edições depois da que começa:
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