Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 08

Total number of words is 4228
Total number of unique words is 1708
28.9 of words are in the 2000 most common words
41.8 of words are in the 5000 most common words
48.0 of words are in the 8000 most common words
Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
Para os montes fugia do marido;
E não sei se de astuta, ou vergonhosa.
Porque elle, em fim, soffrendo a dor ciosa,
Da cegueira obrigado de Cupido,
Apos ella se vai como perdido,
Ja perdoando a culpa criminosa.
Deita-se aos pés da Nympha endurecida,
Que do cioso engano está aggravada;
Ja lhe pede perdão, ja pede a vida.
Oh fôrça d'affeição desatinada!
Que da culpa contr'elle commettida,
Perdão pedia á parte que he culpada!

CLXXXV.
Seguia aquelle fogo, que o guiava,
Leandro, contra o mar e contra o vento;
Quebravão-lhe ondas o animoso alento,
Por mais e mais que Amor lho renovava.
Com sentir ja que quasi lhe faltava,
Sem nada esmorecer, no pensamento
(Não podendo fallar) de seu intento
O fim ao surdo mar encommendava.
Ó mar, (dizia o moço só comsigo)
Ja te não peço a vida; só queria
Que a d'Hero me salvasses: não me veja:
Este defunto corpo lá o desvia
D'aquella tôrre: sê-me nisto amigo,
Pois no meu maior bem me houveste inveja.

CLXXXVI.
Os olhos onde o casto Amor ardia,
Ledo de se ver nelles abrazado;
O rosto onde com lustre desusado
Purpurea rosa sôbre neve ardia;
O cabello, que inveja ao sol fazia,
Porque fazia o seu menos dourado;
A branca mão, o corpo bem talhado,
Tudo aqui se reduz a terra fria.
Perfeita formosura em tenra idade,
Qual flor, que antecipada foi colhida,
Murchada está da mão da morte dura.
Como não morre Amor de piedade?
Não della, que se foi á clara vida;
Mas de si, que ficou em noute escura.

CLXXXVII.
Ditosa penna, como a mão que a guia
Com tantas perfeições da subtil arte,
Que quando com razão venho a louvar-te,
Em teus louvores perco a phantasia.
Porém Amor, que effeitos varios cria,
De ti cantar me manda em toda parte,
Não em plectro belligero de Marte,
Mas em suave e branda melodia.
Teu nome, Emmanuel, de hum n'outro pólo,
Voando se levanta e te pregoa,
Agora que ninguem te levantava.
E porque immortal sejas, eis Apolo
Te offerece de flores a coroa,
Que ja de longo tempo te guardava.

CLXXXVIII.
Espanta crescer tanto o crocodilo
Só por seu limitado nascimento;
Que, se maior nascêra, mais isento
Estivera de espanto o patrio Nilo.
Em vão levantará meu baixo estilo
Vosso Pontifical, novo ornamento;
Pois no ventre o immortal merecimento
Vo-lo talhou, para despois vesti-lo.
Tardou, mas veio; que a quem mais merece
Vir o premio mais tarde he sempre certo,
Inda que vez alguma venha cedo.
Os ceos, que do primeiro estão mais perto,
Mais devagar se movem. Quem conhece,
Sôbre aquelle segredo, este segredo!

CLXXXIX.
Ornou sublime esfôrço ao grande Atlante,
Com qu'a celeste máchina sustenta;
Honrou a Homero o engenho, com que intenta
Grecia do quarto ceo passá-lo avante;
Coroou claro Amor de amor constante
A Orpheo, na paz firme e na tormenta;
Inspirou a Fortuna, em tudo isenta,
A Cesar, de quem foi hum tempo amante;
Exaltaste tu, Fama, a gloria alta
De Alcides lá no monte em que resides;
Mas Castro, em quem o Ceo seus dões derrama,
Mais orna, honra, coroa, inspira, exalta,
Que Atlante, Homero, Orpheo, Cesar e Alcides,
Esfôrço, engenho, Amor, Fortuna e Fama.

CXC.
Despois que vio Cibele o corpo humano
Do formoso Atys seu verde pinheiro,
Em piedade o vão furor primeiro
Convertido, chorava o grave dano.
E, á sua dor fazendo illustre engano,
A Jupiter pedio, que o verdadeiro
Preço da nobre palma e do loureiro
Ao seu pinheiro désse, soberano.
Mais lhe concede o filho poderoso
Que, crescendo, as estrellas tocar possa,
Vendo os segredos lá do ceo superno.
Oh ditoso pinheiro! oh mais ditoso
Quem se vir coroar da rama vossa,
Cantando á vossa sombra verso eterno!

CXCI.
Pois torna por seu Rei e juntamente
Por Christo a governar aquella parte
Onde se t[~e]e mostrado hum Numa, hum Marte
O famoso Luis, justo e valente;
O Tejo espere ver de todo o Oriente,
Onde tão raros dões o Ceo reparte,
Render a tanto esfôrço, aviso e arte,
Mil palmas, mil tributos novamente.
Os que bebem no Gange, os que no Indo,
A quem pouco valêrão lança e escudo,
O render-se terão por bom partido.
O Euphrates temerá, seu nome ouvindo;
Que para delle ver vencido tudo,
Ja vio do braço seu tudo vencido.

CXCII.
Agora toma a espada, agora a pena,
Estacio nosso, em ambas celebrado,
Sendo, ou no salso mar de Marte amado,
Ou n'água doce amante da Camena.
Cysne sonoro por ribeira amena
De mi para cantar-te he cobiçado;
Porque não podes tu ser bem cantado
De ruda frauta, nem de agreste avena.
Se eu, que a penna tomei, tomei a espada,
Para poder jogar licença tenho
Desta alta influïção de dous Planetas;
Com huma e outra luz delles lograda,
Tu com pujante braço, ardente engenho,
Serás pharo a Soldados e a Poetas.

CXCIII.
Erros meus, ma Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjurárão:
Os erros e a Fortuna sobejárão;
Que para mi bastava Amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas, que passárão,
Que ja as frequencias suas me ensinárão
A desejos deixar de ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De Amor não vi senão breves enganos.
Oh quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Genio de vinganças!

CXCIV.
Cá nesta Babylonia donde mana
Materia a quanto mal o mundo cria;
Cá donde o puro Amor não t[~e]e valia;
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;
Cá donde o mal se affina, o bem se dana,
E póde mais que a honra a tyrannia;
Cá donde a errada e cega Monarchia
Cuida que hum nome vão a Deos engana;
Cá neste labyrintho onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Ás portas da Cobiça e da Vileza;
Cá neste escuro caos de confusão
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!

CXCV.
Correm turbas as águas deste rio,
Que as rapidas enchentes enturbárão;
Os florecidos campos se seccárão;
Intratavel se fez o valle e frio.
Passou, como o verão, o ardente estio;
Humas cousas por outras se trocárão:
Os fementidos fados ja deixárão
Do mundo o regimento, ou desvario.
Ja o tempo a ordem sua t[~e]e sabida;
O mundo não; mas anda tão confuso,
Que parece que delle Deos se esquece.
Casos, opiniões, natura, e uso,
Fazem que nos pareça desta vida
Que não ha nella mais do que parece.

CXCVI.
Vós outros, que buscais repouso certo
Na vida, com diversos exercicios;
A quem, vendo do mundo os beneficios,
O regimento seu fica encoberto;
Dedicae, se quereis, ao Desconcêrto
Novas honras e cegos sacrificios;
Que, por castigo igual de antiguos vicios,
Quer Deos que andem as cousas por acêrto.
Não cahio neste modo de castigo
Quem poz culpa á Fortuna, quem somente
Crê que acontecimentos ha no mundo.
A grande experiencia he grão perigo:
Mas o que a Deos he justo e evidente
Parece injusto aos homens e profundo.

CXCVII.
Para se namorar do que criou,
Te fez Deos, sacra Phenix, Virgem pura.
Vêde que tal seria esta feitura
Que para si o seu Feitor guardou!
No seu alto conceito te formou
Primeiro que a primeira criatura,
Para que unica fosse a compostura
Que de tão longo tempo se estudou.
Não sei se digo em tudo quanto baste
Para exprimir as raras qualidades
Que quiz criar em ti quem tu criaste.
Es Filha, Mãe, e Esposa: e se alcançaste
Huma só, tres tão altas dignidades,
Foi porqu'a Tres de Hum só tanto agradaste.

CXCVIII.
Desce do ceo immenso Deos benino
Para encarnar na Virgem soberana.
Porque desce o divino a cousa humana?
Para subir o humano a ser divino.
Pois como vem tão pobre e tão menino,
Rendendo-se ao poder da mão tyrana?
Porque vem receber morte inhumana
Para pagar de Adão o desatino.
He possivel que os dous o fructo comem
Que de quem lhes deo tanto foi vedado?
Si; porque o proprio ser de deoses tomem.
E por esta razão foi humanado?
Si; porque foi com causa decretado,
Se quiz o homem ser Deos, que Deos fosse homem.

CXCIX.
Dos ceos á terra desce a mor Belleza,
Une-se á nossa carne, e a faz nobre;
E, sendo a humanidade d'antes pobre,
Hoje subida fica á mor riqueza.
Busca o Senhor mais rico a mor pobreza;
Que, como ao mundo o seu amor descobre,
De palhas vis o corpo tenro cobre,
E por ellas o mesmo ceo despreza.
Como? Deos em pobreza á terra dece?
O qu'he mais pobre tanto lhe contenta,
Qu'este somente rico lhe parece.
Pobreza este Presepio representa;
Mas tanto por ser pobre ja merece,
Que quanto mais o he, mais lhe contenta.

CC.
Porque a tamanhas penas se offerece
Por o peccado alheio, e êrro insano,
O Trino Deos? Porque o sogeito humano
Não póde co'o castigo que merece.
Quem padecerá as penas que padece?
Quem soffrerá deshonra, morte e dano?
Quem será, se não for o Soberano
Que reina, e servos manda, e obedece?
Foi a fôrça do homem tão pequena,
Que não pôde soster tanta aspereza,
Pois não sosteve a Lei que Deos ordena.
Mas soffre-a aquella immensa Fortaleza
Por amor puro; que a mortal fraqueza
Foi para o êrro, e não ja para a pena.

CCI.
Despois de haver chorado os meus tormentos,
Quer Amor que lhe cante as suas glorias.
Canto de huma belleza os vencimentos,
De hum longo padecer chóro as memorias.
Porém, se as minhas penas são victorias,
Por a causa, a meus altos pensamentos;
Dilatem-se em larguissimas historias
Estes meus gloriosos rendimentos.
Mova-se em todo o mundo unico espanto
De qu'he, por a belleza qu'eu adoro,
Do que cantado tenho premio o pranto.
Contente offreço a amor tão triste foro:
Que se chôro não ha como o meu canto,
Não sei canto melhor qu'este meu chôro.

CCII.
Onde mereci eu tal pensamento
Nunca de ser humano merecido?
Onde mereci eu ficar vencido
De quem tanto me honrou co'o vencimento?
Em gloria se converte o meu tormento,
Quando vendo-me estou tão bem perdido;
Pois não foi tanto mal ser atrevido,
Como foi gloria o mesmo atrevimento.
Vivo, Senhora, só de contemplar-vos;
E pois esta alma tenho tão rendida,
Em lagrimas desfeito acabarei.
Porque não me farão deixar de amar-vos
Receios de perder por vós a vida;
Que por vós vezes mil a perderei.

CCIII.
De frescas belvederes rodeadas
Estão as puras águas desta fonte;
Formosas Nymphas lhes estão defronte,
A vencer e a matar acostumadas.
Andão contra Cupido levantadas
As suas graças, que não ha quem conte:
D'outro valle esquecidas, d'outro monte,
A vida passão neste socegadas.
O seu poder juntou, sua valia
Amor, ja não soffrendo este desprêzo,
Somente por se ver dellas vingado;
Mas, vendo-as, entendeo que não podia
De ser morto livrar-se, ou de ser prêzo,
E ficou-se com ellas desarmado.

CCIV.
Nos braços de hum Sylvano adormecendo
Se estava aquella Nympha qu'eu adoro,
Pagando com a boca o doce foro,
Com que os meus olhos foi escurecendo.
Oh bella Venus! porqu'estás soffrendo
Que a maior formosura do teu côro
Em hum poder tão vil perca o decoro
Que o merito maior lhe está devendo?
Eu levarei daqui por presupposto
Desta nova estranheza que fizeste,
Que em ti não póde haver cousa segura.
Que, pois o claro lume, o bello rosto
Áquelle monstro tão disforme déste,
Não creio qu'haja Amor, senão Ventura.

CCV.
Quem diz que Amor he falso, ou enganoso,
Ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel, ou rigoroso,
Amor he brando, he doce, e he piedoso:
Quem o contrário diz não seja crido;
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens, e inda aos deoses odioso.
Se males faz Amor, em mi se vem;
Em mi mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quiz mostrar quanto podia.
Mas todas suas iras são d'Amor;
Todos estes seus males são hum bem,
Qu'eu por todo outro bem não trocaria.

CCVI.
Formosa Beatriz, tendes taes geitos
N'hum brando revolver dos olhos bellos,
Que só no contemplá-los, se não ve-los,
Se inflammão corações e humanos peitos.
Em toda perfeição são tão perfeitos,
Que o desengano dão de merecê-los:
Não póde haver quem possa conhecê-los,
Sem nelle Amor fazer grandes effeitos.
Sentirão, por meu mal, tão graves danos
Os meus, que com os ver cegos e tristes
Ficarão sem prazer, co'a luz perdida.
Mas ja que vós com elles me feristes,
Tornai-me a ver com elles mais humanos,
E deixareis curada esta ferida.

CCVII.
Alegres campos, verdes, deleitosos,
Suaves me serão vossas boninas,
Em quanto forem vistas das meninas
Dos olhos de Ignez bella tão formosos.
Dos meus, que vos serão sempre invejosos
Por não verem estrellas tão divinas,
Sereis regados d'águas peregrinas,
Soprados de suspiros amorosos.
E vós, douradas flores, por ventura
Se Ignez quizer fazer de meus amores
Exp'riencias na folha derradeira,
Mostrai-lhe, para ver minha fé pura,
O bem que sempre quiz, formosas flores;
Qu'então não sentirei que mal me queira.

CCVIII.
Ondados fios de ouro, onde enlaçado.
Continuamente tenho o pensamento;
Que quanto mais vos sólta o fresco vento,
Mais preso fico então de meu cuidado;
Amor, d'huns bellos olhos sempre armado,
Me combate co'as fôrças do tormento,
Provando da minha alma o soffrimento
Que á justa lei da paz trago obrigado.
Assi que em vosso gesto mais que humano
Amo a paz juntamente e o perigo;
E em amar hum e outro não me engano.
Muitas vezes dizendo estou comigo
Que, pois he tal a causa de meu dano,
He justa a guerra, he justa a paz que sigo.

CCIX.
Amor, que em sonhos vãos do pensamento
Paga o zêlo maior de seu cuidado,
Em toda condição, em todo estado,
Tributario me fez de seu tormento.
Eu sirvo, eu canso; e o grão merecimento
De quanto tenho a Amor sacrificado,
Nas mãos da ingratidão despedaçado
Por prêza vai do eterno esquecimento.
Mas quando muito, em fim, cresça o perigo,
A que perpetuamente me condena
Amor, que amor não he, mas inimigo;
Tenho hum grande descanso em minha pena,
Que a gloria do querer, que tanto sigo,
Não póde ser co'os males mais pequena.

CCX.
Nem o tremendo estrépito da guerra
Com armas, com incendios espantosos
Que despachão pelouros perigosos,
Bastantes a abalar huma alta serra,
Podem pôr medo a quem nenhum encerra,
Despois que vio os olhos tão formosos,
Por quem o horror nos casos pavorosos
De mi todo se aparta e se desterra,
A vida posso ao fogo e ferro dar,
E perdê-la em qualquer duro perigo,
E nelle, como phenix, renovar.
Não póde mal haver para comigo,
De qu'eu ja me não possa bem livrar,
Senão do que me ordena Amor imigo.

CCXI.
Fiou-se o coração, de muito isento,
De si, cuidando mal que tomaria
Tão illicito amor, tal ousadia,
Tal modo nunca visto de tormento.
Mas os olhos pintárão tão a tento
Outros que vistos t[~e]e na phantasia,
Que a razão, temerosa do que via,
Fugio, deixando o campo ao pensamento.
Ó Hippolyto casto, que de geito
De Phedra tua madrasta foste amado,
Que não sabia ter nenhum respeito;
Em mi vingou Amor teu casto peito:
Mas está deste aggravo tão vingado,
Que se arrepende ja do que t[~e]e feito.

CCXII.
Quem quizer ver d'amor huma excellencia
Onde sua fineza mais se apura,
Attente onde me põe minha ventura,
Porque de minha fé faça exp'riencia.
Onde lembranças mata a larga ausencia,
Em temeroso mar, em guerra dura,
A saudade alli'stá mais segura,
Quando risco maior corre a paciencia.
Mas ponha-me a Fortuna e o duro Fado,
Em morte, ou nojo, ou damno, ou perdição,
Ou em sublime e próspera ventura;
Ponha-me, em fim, em baixo ou alto estado;
Que até na dura morte me acharão
Na lingua o nome, e n'alma a vista pura.

CCXIII.
Los ojos que con blando movimiento
Al pasar enternecen la alma mia,
Si detener pudiera solo un dia,
Pudiera bien libraria de tormento.
Deste tan amoroso sentimiento
El importuno mal se acabaria;
Ó tambien su accidente creceria
Para acabar la vida en un momento.
Oh! si ya tu esquivez me permitiese
Que al ver, o Ninfa, tu semblante hermoso,
A manos de tus ojos yo muriese!
Oh si los detuvieras! cuan dichoso
Seria aquel momento en que me viese
Vida en ellos cobrar, cobrar reposo!

CCXIV.
No bastaba que amor puro y ardiente
Por términos la vida me quitase;
Mas que la muerte así se apresurase
Con un deshumanisimo accidente?
No pretendió mi alma, aunque lo siente,
Que el riguroso curso se atajase,
Porque nunca morir se exprimentase
Desamado el que amó tan dulcemente.
Mas vuestra voluntad tan poderosa
Con esas gracias vuestras ordenaron
Crueldad asi imposible, ó nunca oída.
Aquel frio desden, y la amorosa
Furia, de un golpe solo, me quitaron
Con dós contrarias muertes una vida.

CCXV.
Ayudame, Señora, á hacer venganza
De tal selvatiquez, de tal rudeza,
Pues de mi poquedad, de mi bajeza
Osado á ti elevaba la esperanza.
Á esa tu perfeccion, que no se alcanza,
Á esas sublimes cumbres de belleza,
Donde una vez llegó naturaleza,
Mas de volver perdió la confianza.
Aquello que en ti miro contemplando,
(Que apenas contemplarlo me consiente)
Contemplándolo mas, menos lo espero.
Si gloria de mi pena en ti se siente,
Derrama en mí tus iras, desamando;
Que al ofenderme mas yo mas te quiero.

CCXVI.
O claras águas deste blando rio,
Que en vos al natural estais pintando
El frondífero adorno con que alzando
Se vá á los cielos este bosque umbrio;
Así las lluvias, así el Austro frio
Jamás puedan veniros enturbiando,
Que os vais del seco estio preservando
Con socorreros deste llanto mio.
Y cuando en vos Marfisa se mirare,
Mi figura, cual veis desfallecida,
Ante sus claros ojos puesta sea.
Y si por mí de vos los apartare,
De verme alli mostrándose ofendida,
En pena de no verme no se vea.

CCXVII.
Mil veces entre sueños tu figura,
O bella Ninfa, claramente veo;
Y cuando mas la miro, mas deseo
Gozar libre de sueños su hermosura.
En tanto que este dulce engaño dura,
Vivo en la vana gloria que poseo:
Mas cuanto allí se eleva mi deseo,
Viene a caer despierto en sombra escura.
Duéleme el despertar por contemplarte;
Que si bien sé te huelgas de no verme,
Huélgome de ser ciego por mirarte.
Mas si quiero de engaños mantenerme,
Y tú quieres me pierda por amarte,
Sin gran ganancia no podré perderme.

CCXVIII.
Mi gusto y tu beldad se desposaron,
Terceros por mi mal mis ojos fueron:
Su logro ha sido tal, que, alfin, hicieron
Un hijo hermoso á quien amor llamaron.
Tan fuera de compás le regalaron,
Que cuando mas alegres estuvieron,
Sin entender el mal que produjeron,
Perdidos por amores se miraron.
La beldad desposada deste duelo,
Vino á parir un monstro con dós alas;
La madre es la soberbia, el niño el zelo.
Oh madre que á tu hijo en todo igualas!
Quien mortal hace al inmortal abuelo,
Y al padre mortal da inmortales zalas?

CCXIX.
Si el fuego que me enciende, consumido
De algun mas suelto Aquario ser pudiese;
Si el alto suspirar me convertiese
En aire por el aire desparcido;
Si un horrible rumor siendo sentido,
La alma á dejar el cuerpo redujese;
Ó por estos mis ojos al mar fuese
Este mi cuerpo en llanto convertido;
Nunca podria la fortuna airada,
Com todos sus horrores, sus espantos,
Derrocar la alma mia de su gloria.
Porque en vuestra beldad ya transformada,
Ni del Estigio lago eternos llantos
Os podrian quitar de mi memoria.

CCXX.
Que me quereis perpétuas saudades?
Com qu'esperanças inda me enganais?
O tempo, que se vai, não torna mais,
E se torna, não tornão as idades.
Razão he ja, ó annos, que vos vades,
Porque estes tão ligeiros que passais,
Nem todos para hum gôsto sois iguais,
Nem sempre são conformes as vontades.
Aquillo a que ja quiz he tão mudado,
Que quasi he outra cousa; porque os dias
T[~e]e o primeiro gôsto ja damnado.
Esperanças de novas alegrias,
Não m'as deixa a Fortuna e o tempo irado,
Que do contentamento são espias.

CCXXI.
Oh rigorosa ausencia desejada
De mi sempre, mas nunca conhecida!
Saudade, n'outro tempo tão temida,
Como em meu damno agora exprimentada!
Ja rigorosamente começada
Tendes vossa esperança em minha vida;
Mas tanto, que ja temo que opprimida
Sejais com ella cedo, ou acabada.
Os dias mais alegres me entristecem;
As noites, com cuidados as desconto,
Em que sem vós sem conto me parecem.
Eu desejando espero, e os annos conto;
Mas com a vida, em fim, elles fallecem:
Nem basta á carne enfêrma esprito pronto.

CCXXII.
Ay! quien dará á mis ojos una fuente
De lágrimas que manen noche y dia?
Respirara si quiera la alma mia,
Llorando lo pasado, y lo presente.
Quien me diera apartado de la gente,
De mi dolor siguiendo la porfia
Con la triste memoria y fantasia
Del bien por quien mal tanto así se siente!
Quien me dará palabras con que iguale
El duro agravio que el amor me ha hecho,
Donde tan poco el sufrimiento vale?
Quien me abrirá profundamente el pecho,
Dó está escrito el secreto que no sale,
Con tanto dolor mio, á mi despecho?

CCXXIII.
Con razon os vais, aguas, fatigando
Por llegar dó sereis bien recebidas;
Y en aquel mar inmenso convertidas,
Que ya de tantos dias vais buscando.
Triste de aquel que siempre anda llorando
Las vanas esperanzas ya perdidas,
Y con dolor las lágrimas vertidas
Nunca al fin pretendido van llegando!
Vosotras sin traer derecha via,
Al término llegais tan deseado,
Por mas que os embarace el gran rodeo;
Mas yo siempre afligido noche y dia,
Por un camino, que no llevo errado,
Jamás puedo llegar donde deseo.

CCXXIV.
Oh cese ya, Señor, tu dura mano!
No llegues tanto al cabo con mi vida;
Baste el estar por ti tan consumida,
Que ya no se halla en ella lugar sano.
Ay estraña hermosura! ay deshumano
Hado, á que nunca puedo hallar salida!
Si tú de tu piedad no eres movida,
Roto el hilo vital verás temprano.
Un blando desamor, un amor blando,
Bien basta para un hombre tan perdido,
Que de su mal ningun remedio espera.
Y si estimas en poco el ver cual ando,
Aqui me tienes ante ti rendido:
Viva tu gusto, mi esperanza muera.

CCXXV.
Dulces engaños de mis ojos tristes,
Cuan vivo despertais mi pensamiento!
Aquello que pudiera dar contento,
En sombra de pintura lo volvistes.
De blando sobresalto enternecistes
Con vista arrebatada el sentimiento;
Mas no le asegurastes un momento
Aqueste vano bien que le ofrecistes.
Veo que la figura era fingida,
Y no aquella que en sí mi alma esconde,
Aunque en esto se llega al natural:
Así escucha mi llanto, así responde,
Así se condolece de mi vida,
Como si fuera el propio original.

CCXXVI.
Cuanto tiempo ha que lloro un dia triste,
Como si alguno alegre yo esperara?
Como, o Tajo, al pasar esa tu clara
Agua, no la alteraste, y no me hundiste?
El paso me cerraste, el pecho abriste,
O mi ventura, de mi bien avara!
Á Dios, montañas de hermosura rara;
Á Dios, mi corazon, que no partiste.
Si adonde quedas en dichosa suerte
No bebieres las aguas del olvido,
En tanto bien no quieras olvidarme.
Cantando mi dolor llora mi muerte;
Porque hasta el hueco monte sin sentido
Suelta su ronca voz por consolarme.

CCXXVII.
Levantai, minhas Tagides, a frente,
Deixando o Tejo ás sombras nemorosas;
Dourai o valle umbroso, as frescas rosas,
E o monte com as árvores frondente.
Fique de vós hum pouco o rio ausente,
Cessem agora as lyras numerosas,
Cesse vosso lavor, Nymphas formosas,
Cesse da fonte vossa a grã corrente.
Vinde a ver a Theodosio grande e claro,
A quem 'stá offrecendo maior canto
Na cithara dourada o louro Apolo.
Minerva do saber dá-lhe o dom raro,
Pallas lhe dá o valor de mais espanto,
E a Fama o leva ja de pólo a pólo.

CCXXVIII.
Vós, Nymphas da Gangetica espessura,
Cantae suavemente, em voz sonora,
Hum grande Capitão que a roxa Aurora
Dos filhos defendeo da noite escura.
Ajuntou-se a caterva negra e dura,
Que na Aurea Chersoneso affouta mora,
Para lançar do charo ninho fóra
Aquelles que mais podem que a ventura.
Mas hum forte leão, com pouca gente,
A multidão tão fera como necia,
Destruindo castiga e torna fraca.
Ó Nymphas, cantai, pois; que claramente
Mais do que Leonidas fez em Grecia,
O nobre Leoniz fez em Malaca.

CCXXIX.
Alma gentil, que á firme eternidade
Subiste clara e valerosamente,
Cá durará de ti perpetuamente
A fama, a gloria, o nome e a saudade.
Não sei se he mor espanto em tal idade
Deixar de teu valor inveja á gente,
Se hum peito de diamante, ou de serpente,
Fazeres que se mova a piedade.
Invejosa da tua acho mil sortes,
E a minha mais que todas invejosa,
Pois ao teu mal o meu tanto igualaste.
Oh ditoso morrer! sorte ditosa!
Pois o que não se alcança com mil mortes,
Tu com huma só morte o alcançaste.

CCXXX.
Debaixo desta pedra sepultada
Jaz do mundo a mais nobre formosura,
A quem a morte, só de inveja pura,
You have read 1 text from Portuguese literature.
Next - Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 09
  • Parts
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 01
    Total number of words is 4573
    Total number of unique words is 1775
    32.4 of words are in the 2000 most common words
    47.3 of words are in the 5000 most common words
    54.4 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 02
    Total number of words is 4832
    Total number of unique words is 1535
    37.3 of words are in the 2000 most common words
    52.8 of words are in the 5000 most common words
    60.8 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 03
    Total number of words is 4680
    Total number of unique words is 1767
    35.0 of words are in the 2000 most common words
    47.5 of words are in the 5000 most common words
    53.7 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 04
    Total number of words is 4158
    Total number of unique words is 1492
    36.1 of words are in the 2000 most common words
    51.2 of words are in the 5000 most common words
    57.9 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 05
    Total number of words is 4246
    Total number of unique words is 1501
    33.8 of words are in the 2000 most common words
    48.3 of words are in the 5000 most common words
    55.8 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 06
    Total number of words is 4275
    Total number of unique words is 1462
    34.0 of words are in the 2000 most common words
    48.9 of words are in the 5000 most common words
    56.2 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 07
    Total number of words is 4189
    Total number of unique words is 1553
    32.0 of words are in the 2000 most common words
    46.0 of words are in the 5000 most common words
    51.8 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 08
    Total number of words is 4228
    Total number of unique words is 1708
    28.9 of words are in the 2000 most common words
    41.8 of words are in the 5000 most common words
    48.0 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 09
    Total number of words is 4126
    Total number of unique words is 1561
    32.3 of words are in the 2000 most common words
    45.4 of words are in the 5000 most common words
    52.7 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 10
    Total number of words is 4186
    Total number of unique words is 1539
    32.5 of words are in the 2000 most common words
    46.6 of words are in the 5000 most common words
    53.0 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 11
    Total number of words is 4159
    Total number of unique words is 1488
    32.3 of words are in the 2000 most common words
    47.4 of words are in the 5000 most common words
    54.0 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 12
    Total number of words is 4199
    Total number of unique words is 1389
    33.1 of words are in the 2000 most common words
    46.0 of words are in the 5000 most common words
    53.7 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 13
    Total number of words is 4209
    Total number of unique words is 1662
    29.9 of words are in the 2000 most common words
    43.6 of words are in the 5000 most common words
    51.4 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 14
    Total number of words is 4310
    Total number of unique words is 1587
    31.7 of words are in the 2000 most common words
    47.4 of words are in the 5000 most common words
    54.8 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 15
    Total number of words is 4247
    Total number of unique words is 1482
    36.5 of words are in the 2000 most common words
    51.9 of words are in the 5000 most common words
    59.6 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 16
    Total number of words is 4204
    Total number of unique words is 1402
    34.2 of words are in the 2000 most common words
    49.6 of words are in the 5000 most common words
    56.8 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 17
    Total number of words is 4140
    Total number of unique words is 1399
    34.7 of words are in the 2000 most common words
    49.7 of words are in the 5000 most common words
    56.7 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 18
    Total number of words is 4138
    Total number of unique words is 1592
    32.5 of words are in the 2000 most common words
    48.1 of words are in the 5000 most common words
    55.8 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 19
    Total number of words is 4093
    Total number of unique words is 1586
    31.7 of words are in the 2000 most common words
    47.1 of words are in the 5000 most common words
    55.3 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 20
    Total number of words is 4410
    Total number of unique words is 1335
    37.3 of words are in the 2000 most common words
    52.0 of words are in the 5000 most common words
    58.3 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo II - 21
    Total number of words is 505
    Total number of unique words is 236
    55.8 of words are in the 2000 most common words
    67.5 of words are in the 5000 most common words
    73.3 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.