Electra: Drama em cinco actos - 5

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_Electra_
Façamos de conta que se acabaram todos os tios com quem fazes tenção de
falar. E depois?
_Maximo_
Depois, tendo-te provisoriamente abrigado no mais inviolavel sacrario,
procederei minuciosamente ao exame e á sellecção dos noivos. E sobre este
assumpto temos que conversar...
_Electra_
Vaes ralhar-me?
_Maximo_
Não: já me disseste que te enfastia esse brinquedo de bonecos vivos.
_Electra_
Cuidei que me distrahiriam, e cada vez me entristeciam mais!
_Maximo_
Nenhum d’elles te inspirou um sentimento especial, distincto do dos
outros?
_Electra_
Nenhum!
_Maximo_
Declararam-se todos por escripto?
_Electra_
Uns por escripto; outros por meio de olhares espantosos, que nunca
cheguei a comprehender bem o que quizessem exprimir, e por isso não metto
estes em conta...
_Maximo_
Perdão: teem de entrar todos no rol: epistolares e olheiros. E aqui
chegamos ao ponto sobre que devo dar-te, desde já, a minha sincera
opinião: casa-te, Electra; casa-te quanto antes!
_Electra_
(_envergonhada, baixando os olhos_) Assim... tão breve!...
_Maximo_
O mais breve possivel. Precisas de ter a teu lado um homem, um marido.
Tens a alma, a tempera, os instinctos e as virtudes da casa conjugal. É
portanto forçoso que da grande lista dos teus pretendentes se escolha
um, o melhor, o mais digno de te amar e de ser amado por ti, porque, sem
amor, considera bem que não ha familia.
_Electra_
Estou certa.
_Maximo_
E tu nasceste destinada para a vida exemplar e fecunda de um lar feliz...
(_Teem acabado de comer o arroz_)
_Electra_
Queres mais?
_Maximo_
Não: estou satisfeito.
_Electra_
De sobremesa tens fructa, que é do que mais gostas. (_Põe na mesa o
fructeiro_)
_Maximo_
(_pegando n’uma bella maçã_) Gósto, porque esta (_mostrando-lhe a maçã_)
é a verdade em toda a sua pureza. Aqui não interveio a mão do homem senão
para a colher.
_Electra_
É a obra divina, bella, simples, admiravel.
_Maximo_
Faz Deus esta prodigiosa maravilha para a dar ao homem; e nem sempre lh’a
agradece aquelle que foi eleito para em certo dia e a certa hora passar
por baixo da macieira em fructo!
_Electra_
Quantas vezes basta, para colher a felicidade, esquecer-se a gente por um
momento da terra, e levantar os olhos para cima!
_Maximo_
(_contemplando-a_) Pois é o que eu faço, Electra.

SCENA VII
ELECTRA, MAXIMO E RICARDO, pela esquerda
_Ricardo_
Mestre...
_Maximo_
Quê?
_Ricardo_
Chegamos ao rubro.
_Electra_
A fusão!
_Maximo_
Avisa-me ao branco incipiente.
_Ricardo_
Virei dizer.
_Maximo_
Olha. Que preparem na officina a bateria Bunsen. E previne de que hei de
precisar para logo do dinamo grande.

SCENA VIII
ELECTRA E MAXIMO, depois o OPERARIO
_Electra_
(_com tristeza_) D’aqui a um instante vaes tratar da fusão, e eu...
_Maximo_
Tu—está claro—irás para casa.
_Electra_
Nem é bom pensar no que vae ser quando eu chegue!
_Maximo_
Tu ouves, calas-te, e esperas.
_Electra_
Esperar... esperar sempre! (_Acabam de almoçar_) Ai que, se tu me não
vales, não sei o que será de mim, com a tia e com o snr. de Pantoja...
Elles a teimarem que eu vá para anjo, e Deus a desageitar-me cada vez
mais para a carreira angelical!
_Maximo_
(_que se tem levantado e parece disposto a continuar o trabalho_) Não
tenhas cuidado. Confia em mim. Eu te irei requerer como teu protector e
teu mestre...
_Electra_
(_approximando-se supplicante_) Não te demores então, Maximo. Por amor
dos teus filhos, não te demores. Se tu me tomasses tambem como filha,
para estar com os meninos, para viver com elles!
_Operario_
(_pelo fundo_) O snr. marquez de Ronda.
_Electra_
(_assustada_) Vou-me embora?
_Maximo_
Por vir o Marquez? (_Ao creado_) Que entre. (_O operario sae_)
Offerecia-se-lhe café, se houvesse.
_Electra_
Vou buscal-o. (_Sae com pressa_)

SCENA IX
MAXIMO, MARQUEZ E ELECTRA. No fim da scena, RICARDO
_Maximo_
Entre, Marquez.
_Marquez_
Maximo... (_Olhando em redor, desconsolado_) E Electra?
_Maximo_
Na cosinha. Foi buscar-nos café.
_Marquez_
Na cosinha! Continua-se vivendo então n’esta casa como na ilha de
Robinson? Ahi está o que não comprehendo: como tendo você lá em cima
todos os confôrtos d’um palacio...
_Maximo_
É muito simples... O trabalho e o habito do estudo enclausuram-me
aqui. Puz os pequenos ao lado da officina para os ter ao pé de mim; e,
reduzindo o mais que me foi possivel a minha orbita d’acção, para aqui
me fiquei, recluso no dever que me impuz, como um asceta na estreiteza da
sua gruta.
_Marquez_
Sem nem sequer se lembrar de que é rico...
_Maximo_
A minha riqueza é a singeleza, o meu luxo é a sobriedade, o meu repouso é
o trabalho, e assim viverei emquanto viver só...
_Marquez_
Não tardará então muito em mudar de vida... Precisamente lhe venho
contar... (_Entra Electra com a bandeja contendo o serviço e a maquina de
café_) Oh! a deusa do lar!
_Electra_
(_adeanta-se cautelosa de que não caia alguma peça_) Por Deus, Marquez,
não me ralhe.
_Marquez_
Eu ralhar?
_Electra_
Nem me faça rir... para não haver um desastre. Sentido! (_O marquez pega
na bandeja_)
_Marquez_
Aqui me tem para companheiro de infortunios... Ainda então lhe parece que
eu seja dos que ralham? Eu sou dos que explicam. Mas não pertencem a esta
seita os senhores ali do outro lado do jardim...
_Electra_
Os tios.
_Marquez_
A noticia do lindo idyllio, que se está passando aqui como na
inverosimilhança de uma tapeçaria ou de um panno de leque, lá chegou já
á distribuição dos premios em Santa Clara, onde a estas horas estará
deliberando o conclave. As suas resoluções serão terriveis.
_Electra_
A Virgem Maria me valha!
_Marquez_
Socegue...
_Maximo_
Isso tem de ser agora commigo.
_Marquez_
Será comnosco. O seu café, minha menina, está digno de Jupiter, pae dos
deuses: é do que elles tomam no olympo, aos domingos.
_Maximo_
Segue-se, Electra, que em vez de regressar sósinha, teremos de ir ambos
levar-te aos snrs. de Yuste.
_Ricardo_
(_assumando á porta da esquerda_) Snr. D. Maximo, o branco incipiente!
_Electra_
(_com inconsciente alegria infantil_) A fusão!
_Maximo_
(_a Ricardo_) Não posso agora. Chama-me quando chegar o branco
resplandecente. (_Ricardo sae_)
_Marquez_
Peço licença... (_Tendo-se servido de vinho_) Eu brindo o hymeneu dos
metaes, saudando os cadinhos do magico prodigioso.

SCENA X
MAXIMO, ELECTRA, MARQUEZ E PANTOJA
_Electra_
(_aterrada_) D. Salvador! Deus me acuda!
_Maximo_
Queira entrar, snr. de Pantoja. (_Pantoja adeanta-se lentamente_) A que
devo a honra...?
_Pantoja_
Antecipando-me aos meus bons amigos, tios d’esta menina, que d’aqui a um
momento terão voltado a casa, aqui me acho resolvido a cumprir o dever
d’elles e o meu.
_Maximo_
A familia toda consubstanciada no snr. de Pantoja...
_Marquez_
Para metter medo á gente.
_Maximo_
Considera-nos reus d’algum tremendo crime...
_Pantoja_
Não considero senão unicamente que esta menina não pode estar aqui. Venho
buscal-a. Ha de sahir commigo. (_Pega na mão de Electra, insensivel,
immobilisada pelo medo_) Vem.
_Maximo_
Queira perdoar (_Sereno e grave, approxima-se de Pantoja_) Com todo o
respeito que lhe devo, rogo-lhe, snr. de Pantoja, que solte a mão d’esta
senhora. Antes de lhe tocar, teria sido mais opportuno que falasse
commigo, que sou o dono d’esta casa, e o responsavel de tudo o que n’ella
se passa, de tudo o que vê... e de tudo o que não queira vêr.
_Pantoja_
(_depois de uma breve hesitação larga a mão de Electra_) Seja assim.
Deixarei de dirigir-me a esta pobre creatura, desvairada ou trazida aqui
ao engano, e falarei comtigo, a quem quizera dizer apenas muito breves
palavras:—Venho buscar Electra. Dá-me o que não te pertence, o que não te
pertencerá nunca.
_Maximo_
Electra é inteiramente livre. Nem eu a trouxe aqui contra sua vontade,
nem contra sua vontade a levará d’aqui quem quer que seja.
_Marquez_
Se se pudesse, pelo menos, conhecer os fundamentos da auctoridade do snr.
de Pantoja...
_Pantoja_
Eu não preciso de lhes dizer, aos senhores, qual é a proveniencia da
auctoridade de que disponho, e que esta menina me reconhece, prestando-me
a obediencia que lhe peço. Não é verdade, Electra, que basta uma palavra
minha para immediatamente te separar d’estes homens, e levar-te para quem
depositou em ti o seu mais puro amor, e nem vive nem quer viver na terra
senão para ti? (_Electra, immobilisada, olhando para o chão, cala-se_)
_Maximo_
Não, bem vê que não basta essa unica palavra sua.
_Marquez_
Não offerece dúvida que é uma palavra bôa, mas insufficiente.
_Maximo_
Quer permittir que a interrogue eu? Electra, minha querida amiga,
assegura-te o coração e a consciencia que entre todos os homens que
conheces, entre os que vês aqui e os que não estão presentes, é sómente e
exclusivamente ao muito dedicado e ao muito respeitavel snr. de Pantoja
que tu deves submissão e amor?
_Marquez_
Fale abertamente e destemidamente, menina! Diga-nos o que o seu coração e
a sua consciencia lhe dictarem.
_Maximo_
E se este senhor, a quem indubitavelmente deves toda a consideração e
todo o respeito, te ordenar que o sigas, e nós outros te dissermos que
fiques, de tua livre e plena vontade, que determinas?
_Electra_
(_depois de penosa lucta_) Ficar.
_Marquez_
Já vê...
_Pantoja_
Não está em si... Fascinaram-a.
_Maximo_
Parece-me inutil a insistencia...
_Marquez_
Para acabar vencido...
_Pantoja_
(_com fria tenacidade_) Eu não sou dos que os homens vencem. A razão é
vencedora sempre, e eu seria indigno da que Deus me deu, e que defenderei
até o meu derradeiro alento, se a não puzesse continuamente acima de todo
o erro e de todo o extravio. Maximo, os metaes que ardem nos teus fornos
são menos duros do que eu. As tuas mais poderosas maquinas são brinquedos
de vidro comparadas com a minha vontade. Electra pertence-me: basta que
eu o diga.
_Electra_
Que terror, meu Deus!
_Maximo_
Se quer assegurar-se do que póde a sua vontade opponha-a á minha.
_Pantoja_
Dispenso demonstrações comtigo ou com quem quer que seja. Basta-me saber
o que devo fazer, e fazer o que devo.
_Maximo_
Pois toda a minha força é essa: o dever.
_Pantoja_
O teu dever é uma hypothese terrena e accidental. O meu gira em torno de
uma consciencia tão rija e tão forte como o eixo do universo; e os meus
fins são tão altos que nem tu os alcanças nem poderás alcançal-os nunca.
_Maximo_
Por mais incommensuravel que seja a elevação dos seus fins, pelo amor de
Electra eu irei a toda essa altura, para a defender.
_Marquez_
Esta senhora voltará comnosco á sua casa.
_Maximo_
Commigo. E isso bastará para justificação de todos os seus actos, e para
que os tios lhe perdoem, se teem que perdoar-lhe.
_Pantoja_
Os senhores de Yuste não renegarão n’esta conjunctura os sentimentos e
as convicções de toda a sua vida. (_Exaltando-se_) Eu estou no mundo
unicamente para que Electra se não perca. E não se ha de perder. Assim o
quer a vontade divina, de que a minha é um reflexo, e que vós confundis
com um capricho da brutalidade humana, porque não sabeis nada do que são
nas puras regiões espirituaes as emprezas de uma alma... Pobres cegos!
pobres loucos!...
_Electra_
(_consternada_) D. Salvador, não se desgoste—por Nossa Senhora lh’o peço!
Eu não sou má, Maximo é bom... Sabem-o todos... Sabem-o os tios... e o
snr. de Pantoja bem o sabe! Não deveria sublevar-me até o ponto de vir
para aqui sósinha, como determinei vir... Foi um acto de grave rebeldia,
concordo. Voltarei para casa... Maximo e o snr. de Ronda irão commigo, e
os tios hão de perdoar-me... (_A Maximo e ao Marquez_) Não é verdade que
me perdoarão? (_A Pantoja_) Porque é esta má vontade a Maximo, que nunca
lhe fez mal nenhum?... Confessa—pois não é assim?—que elle nunca lhe fez
nem lhe quiz mal? Em que se funda essa aversão?
_Maximo_
Não é aversão: é odio recondito, inextinguivel.
_Pantoja_
Odiar-te, não. As minhas crenças prohibem-me o odio. De certo que ha
entre nós ambos uma incompatibilidade proveniente da nossa differença de
principios... Teu pae, Lazaro Yuste, e eu, tivemos desavenças profundas,
que é melhor esquecer... Mas a ti, Maximo, nunca te quiz mal... Antes
te quero bem. (_Mudando de tom para mais suave e conciliador_) Perdôa a
severidade com que te falei, e permitte que, fazendo um grande esforço
sobre mim, eu te implore que deixes Electra partir commigo.
_Maximo_
(_inflexivel_) Não posso annuir.
_Pantoja_
(_violentando-se mais_) Por segunda vez, Maximo, esquecendo todos os
resentimentos, profundamente humilhado, eu te supplico... Deixa-a.
_Maximo_
Não.
_Pantoja_
(_devorando o vexame_) Bem... Pela segunda vez m’o negaste... Para
offerecer ás tuas bofetadas não tenho mais de duas faces, por isso te não
peço por terceira vez a mesma coisa. (_Com gravidade e rigidez_) Adeus,
Electra... Maximo, Marquez, adeus.
_Electra_
(_baixo a Maximo_) Por quem és, Maximo, transige um pouco...
_Maximo_
(_redondamente_) Não.
_Electra_
Não disseste que me levarieis, tu e o Marquez? Vamos todos. (_Esta phrase
é ouvida por Pantoja que se detem na sua marcha lenta para a sahida_)
_Maximo_
Não... Ha de ir primeiro elle. Nós iremos quando nos convenha, e sem a
salvaguarda de ninguem.
_Pantoja_
(_friamente da porta_) E a que vaes senão a aggravar a situação d’essa
menina?
_Maximo_
Vou ao que devo ir.
_Pantoja_
Pode-se saber o que é?
_Maximo_
Escusado.
_Pantoja_
Não preciso de que me reveles as tuas intenções. Para quê, se as conheço?
(_Dá alguns passos para o centro da scena, cravando a vista em Maximo_)
Não me fio na expressão dos teus olhos. Penetro na tua mente, e descubro
o que pensas... Interroguei-te, não para saber da tua intenção mas para
ouvir as promessas com que a encobres... Em ti não mora a verdade, nem o
bem... não, não, não... (_Sae repetindo as ultimas palavras_)

SCENA XI
ELECTRA, MAXIMO, MARQUEZ E RICARDO (Principia a escurecer)
_Electra_
(_consternada, procurando um refugio em Maximo_) Maximo, ampara-me!
Livra-me do terror que me inspira este homem.
_Maximo_
Conta commigo. Não tenhas medo. (_Pega-lhe nas mãos_)
_Marquez_
Começa a escurecer. Vamos.
_Electra_
Vamos... (_Incredula e medrosa_) Então, deveras, sempre vou comtigo?
_Maximo_
Juntos n’esta hora, como o seremos para toda a vida...
_Electra_
Comtigo para sempre? (_Augmenta a escuridão_)
_Ricardo_
(_á porta da esquerda_) Snr. D. Maximo, o branco deslumbrante!
_Marquez_
(_a Ricardo_) A fusão está feita. Creio que se podem apagar os fornos.
_Maximo_
(_com effusão beijando as mãos de Electra_) Minha alma, minha consolação,
minha alegria! comtigo para todo sempre... O que vou dizer aos nossos
tios é que te peço, que te faço minha, que serás a minha mulher e a
mamãsinha dos meus filhos.
_Electra_
(_opprimida, como se a alegria a transtornasse_) Não me enganas?... Virei
a viver sempre com os teus meninos? Serei entre elles a menina maior?...
Serei tua mulher?
_Maximo_
(_com voz forte_) Sim. (_Illuminada a casa do fundo, resplandece com viva
claridade toda a scena_)
_Marquez_
Vamo-nos. É noite.
_Electra_
É o dia!... o meu dia eterno! (_Maximo enlaça-a pela cintura e saem. O
marquez segue-os_)
FIM DO TERCEIRO ACTO


ACTO QUARTO
Jardim do palacio de Garcia Yuste. Á direita, a entrada para
o palacio, com escadaria larga de poucos degraus. Á esquerda,
jogando com a entrada, um corpo de architectura grutesca,
ornado com baixos-relevos: junto d’esta construcção, um banco
de pedra, em angulo, de risco elegante. Jarrões ou plantas
exoticas adornam este terraço, com pavimento de mosaico, entre
o edificio e o solo areado do jardim.
No segundo plano e no fundo, o jardim com grandes arvores e
macissos de flores. Do centro partem trez arruamentos em curva.
O da esquerda leva á rua. Cadeiras de ferro. É de dia.

SCENA I
ELECTRA E PATROS, com um cesto de flores que acabam de colher
_Electra_
(_tirando uma carta da algibeira_) Deixa ficar as flores, e aqui tens a
carta.
_Patros_
(_pousando as flores_) Com esta faz trez desde esta manhã!
_Electra_
(_escolhendo as flores mais pequenas com que fórma tres ramilhetes_) São
tantas as coisas que Maximo tem que me dizer, e eu a elle...
_Patros_
Bemdito seja Deus, que da noite de hontem para hoje tanta felicidade lhe
deu, senhorita Electra!
_Electra_
E que depressa, Patros! que rapidamente! como n’um sonho, que tudo
se fez! Hontem á noite fiquei pedida, e hoje marcam os tios o dia do
casamento...
_Patros_
E no emtanto, carta para lá, carta para cá... de não acabar nunca...
_Electra_
Que queres? Se desde hontem nos não podemos vêr como companheiros, na
fabrica, porque sômos noivos agora... Temos de nos corresponder por
escrito. Na carta das oito horas e um quarto falava-lhe das coisas muito
serias que estou impaciente por dizer-lhe. Na das nove e vinte e cinco
recommendava-lhe que se não esquecesse da colhér de xarope que tem de se
dar a Pepito de duas em duas horas... N’esta agora digo-lhe que a tia foi
para a missa e que tem demora... É natural que elle lhe queira falar...
_Patros_
Até ás onze horas de certo que não volta a senhora da egreja...
_Electra_
E ás onze vou eu para a missa com o tio. (_Atando os tres ramilhetes_)
Pronto! Este para elle, estes para cada um dos meninos... Um a cada um
para que não briguem... (_Dispondo-se a compôr o ramo grande_) E agora
o ramo grande para a Senhora das Dôres... Vae, e volta depressa para me
ajudares... Espera resposta—é claro—uma palavra que seja!
_Patros_
Vou de corrida. (_Sae pelo fundo_)
_Electra_
(_escolhendo as mais lindas flores para o grande ramo_) Hoje, minha
querida Mãe Santissima, ha de ser maior a minha offerenda; e a minha
pena é que não seja tão grande que fique sem uma só flôr o jardim dos
tios... Deante da tua santa imagem queria eu hoje collocar todas as mais
lindas coisas da terra: as rosas, as estrellas e os corações amantes...
Virgem Maria! consolação e esperança nossa! não me desampareis, levae-me
ao bem que te pedi, e que hontem á noite me prometteu a expressão dos
teus divinos olhos quando as minhas lagrimas te disseram a gratidão e a
esperança da minha alma...!
_Patros_
(_pressurosa pelo fundo_) Não trago carta, mas trago um recadinho, que
ainda é melhor...
_Electra_
Que vem cá?
_Patros_
Logo que saiam uns senhores, que estavam já a despedir-se... Que a menina
o espere aqui para lhe falar um momento... Tem de ir a uma conferencia
depois...
_Electra_
(_olhando para o fundo_) Virá já?...
_Patros_
Ahi vem.
_Electra_
(_dando-lhe o ramo_) Toma lá... para Nossa Senhora... Para a Nossa
Senhora do meu quarto, bem entendido! Não é para a do altar do oratorio,
toma sentido: é para a da cabeceira da minha cama.
_Patros_
Pois pudera! (_Entra correndo pela escada_)

SCENA II
ELECTRA, MAXIMO, depois o MARQUEZ
_Maximo_
(_a distancia, abrindo um pouco os braços_) Menina!
_Electra_
(_mesma attitude_) Maximo!
_Maximo_
Aqui estamos embaçados, deante um do outro, sem saber que dizer.
_Electra_
Embaçadissimos. Começa tu.
_Maximo_
Tu... para te desacanhares... Dize-me uma grande mentira: que me não amas.
_Electra_
Dize-me primeiro tu uma grande verdade.
_Maximo_
Que te adoro. (_Approximam-se_)
_Electra_
Em paga d’essa mentira toma esta rosa que te escolhi, sem brilho,
pequena, singela, humilde, como eu quero ser para ti.
_Maximo_
Tu tens um grande coração e um alto espirito...
_Electra_
Não tenho; mas gostava de ser ainda mais tôsca e mais informe do que sou
para que tu me ensinasses tudo, e eu não tivesse nada que não fôsse teu.
_Maximo_
Deus fez de ti a sua obra mais preciosa...
_Electra_
E deu-te essa obra, que é apenas o esboço d’uma creatura humana, para que
tu a completes e aperfeiçôes.
_Maximo_
Para que eu a enthronise e a corôe, deixando desenvolver-se d’ella a
immortal flôr de humanidade, que é a simples mulher da casa, forte, pura,
alegre e compadecida. (_Consulta o relogio_)
_Electra_
Tens essa conferencia... Vae á tua obrigação... Não te demorarás muito?
_Maximo_
Virei encontrar-me com a tia quando ella vier da missa.
_Electra_
E o marquez, desde hontem... voltou como tinha dito?
_Maximo_
Deixei-o agora na fabrica a escrever ao tabellião. Incomparavel amigo!...
Hontem á noite—sabes?—contei-lhe, ao voltar para casa, o teu romance
paterno... esse romance dos dois capitulos... Indignou-o a intervenção
despotica de Pantoja e de Cuesta na tua vida; e essa lamentavel historia
mais ainda o fortaleceu na firme determinação de defender-nos...
_Electra_
(_surprehendida_) Mas então precisamos ainda de que nos defendam?
_Maximo_
No essencial é claro que não... Mas quem nos assegura que esses dois
homens não tentem oppôr-nos alguns obstaculos de jurisdicção theorica?
_Electra_
(_tranquillisando-se_) D’essa jurisdicção nos riremos nós.
_Maximo_
Mas rindo, rindo, teremos de a prevenir e de a annullar.
_Marquez_
(_pressuroso pelo fundo_) Então ainda aqui?
_Maximo_
Falavamos de si, e deliberavamos nomeal-o procurador dos nossos negocios
de familia...
_Marquez_
Acceito a procuração... (_Reprehendendo-o com doçura_) Mas, homem, que se
lhe faz tarde!
_Maximo_
Adeus, adeus! até já.
_Electra_
(_vendo-o partir_) Vae, e vem depressa.

SCENA III
ELECTRA E O MARQUEZ
_Marquez_
Ahi está o que é um galan de categoria scientifica... Parabens pelo
achado d’esta preciosidade rara. A graça e a alegria da sua edade
precisava da alliança de uma razão grave e de um coração firme, como o
d’este homem. É elle, entre quantos eu conheço, o mais perfeitamente
destinado para fazer da minha querida menina uma grande e exemplar mulher.
_Electra_
Fará de mim o que elle quizer que eu seja. (_Com muita curiosidade_) Mas
diga-me, snr. de Ronda, conheceu a primeira mulher de Maximo? Perdôe-me
esta curiosidade, e não extranhe que eu deseje saber da vida toda do
homem que amo.
_Marquez_
Não convivi com ella... Vi-a com Maximo uma ou duas vezes. Era uma
vascongada, sêcca, vulgar, pouco intelligente, bôa esposa para um lar
tranquillo mas sem felicidade...
_Electra_
Os paes d’elle sim, conheceu-os muito?
_Marquez_
A mãe nunca a vi. Era uma senhora franceza, de alto merito. Foi em môça
uma das amigas de minha mulher. O pae, Lazaro de Yuste, conheci-o ha
trinta annos em Hispanha e em França. Era homem muito intelligente, bem
parecido, felicissimo em negocios de minas, e não menos afortunado em
negocios de amor. Era falado.
_Electra_
N’esse ponto não se parece com elle o filho, que é a austeridade em
pessôa.
_Marquez_
De certo que sim. O seu futuro marido, minha querida Electra, é o
modelo dos homens, e a honra de uma geração muito mais perfeita do que
infelizmente foi a minha. Para que nada lhe falte, esse portentoso
magico até é rico... rico pelo que lhe deixou o pae e mais rico ainda
pelo que herdou agora dos tios de França. Que mais quer? Peça por bôca, e
verá como Deus lhe responde: «Menina, não tenho mais que lhe dar.»
_Electra_
(_suspirando_) Ai!... E agora, outra coisa... diga-me, meu querido
Marquez: posso estar socegada?
_Marquez_
Inteiramente.
_Electra_
Escuso de ter medo das pessôas...—já lhe disseram—das pessôas que se
julgam com sufficiente auctoridade...
_Marquez_
Essas pessôas poderão talvez incommodar-nos passageiramente, emquanto nós
não resolvermos encurtar-lhes os vôos.
_Electra_
O snr. de Cuesta...
_Marquez_
Esse não é de cuidado. Ainda hoje lhe falei, e estou certo de que nos
dará o seu mais convicto assentimento.
_Electra_
O snr. de Pantoja...
_Marquez_
Esse ha de resmungar um pouco mais, e pretenderá fazer-nos ouvir as
trombetas biblicas para nos assustar; mas não lhe tenha medo.
_Electra_
Deveras?
_Marquez_
Não vale nada.
_Electra_
Não tenho de que me atterrar quando o encontre?
_Marquez_
Não mais que da importunidade de um mosquito.
_Electra_
Que allivio me dá! (_Com enthusiasmo carinhoso_) Deus lhe pague! Deus o
bemdiga, snr. de Ronda!
_Marquez_
(_muito affectuoso_) Deus será comvosco.

SCENA IV
OS MESMOS E URBANO, vindo de casa, de chapeu na cabeça
_Urbano_
Marquez, bons dias.
_Marquez_
Querido Urbano, posso falar comsigo?
_Urbano_
Não lhe faz differença depois da missa...? (_A Electra_) Então, rapariga,
que vagares são esses? Está a tocar.
_Electra_
Só tenho que pôr o chapeu. Meio minuto, tio. (_Entra correndo em casa_)

SCENA V
MARQUEZ E URBANO
_Marquez_
Temos de pôr dia para o casamento, e de fazer escriptura de consentimento
em regra.
_Urbano_
Será talvez melhor que você trate de tudo directamente com minha mulher.
_Marquez_
Mas, meu amigo, chegou o momento de fazer frente a certas ingerencias que
annullam a sua auctoridade de chefe de familia.
_Urbano_
Meu caro de Ronda, peça-me você que altere, que transtorne todo o systema
planetario, que tire os astros d’aqui assim e que os ponha para acolá;
mas não peça coisa nenhuma que seja contraria ao parecer de minha mulher.
_Marquez_
Homem, isso tambem lá me parece submissão de mais!... Eu pela minha parte
insisto em que devo tratar este negocio particularmente com você e não
com Evarista.
_Urbano_
Vamos á missa e depois falaremos.
_Marquez_
Pois vamos lá, eu tambem vou.

SCENA VI
OS MESMOS, ELECTRA, EVARISTA E PANTOJA
_Electra_
(_de chapeu, luvas, livro de missa_) Pronta.
_Urbano_
Vamos. O Marquez vae comnosco.
_Evarista_
(_pelo fundo, á esquerda, seguida de Pantoja_) Vão ligeiros.
_Pantoja_
Depressa, se querem chegar.
_Evarista_
O marquez volta?
_Marquez_
Infalibillissimamente, minha senhora.
_Evarista_
Até logo. (_Saem Electra, o marquez e Urbano pelo fundo, á esquerda_)

SCENA VII
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