As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes, (1877-08/09) - 1

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RAMALHO ORTIGÃO--EÇA DE QUEIROZ
AS FARPAS
CHRONICA MENSAL DA POLITICA, DAS LETRAS E DOS COSTUMES
NOVA SERIE TOMO X
Agosto a Setembro 1877


Ironia, verdadeira liberdade! És tu que me livras da ambição do poder,
da escravidão dos partidos, da veneração da rotina, do pedantismo das
sciencias, da admiração das grandes personagens, das mystificações da
politica, do fanatismo dos reformadores, da superstição d'este grande
universo, e da adoração de mim mesmo.
P. J. Proudhon


SUMMARIO
Alexandre Herculano. O escriptor e o solitario de Valle de Lobos. A
critica dos vivos e a critica dos mortos. A benevolencia e a justiça. A
influencia que teve e a que podia ter o grande escriptor. A missão dos
mestres O monumento da imprensa.--A recente viagem de suas magestades e
altezas. No Bussaco, em Vidago, no Porto. Algumas notas aos annaes
d'essa excursão.--Os attentados do sr. Barros e Cunha e a historia
d'este personagem. O poeta lyrico, o deputado, o leitor do _Times_, o
cortesão, o ministro. Diagnostico e prognostico.--Algumas producções
musicaes: _As cutiladas do Passeio Publico_, polka; _A Roma! a Roma!_
valsa.--Algumas palavras aos srs. advogados.--Os exames das meninas no
Lyceu Nacional. Os fins da educação. Um programma de ensino para o sexo
feminino. Como se prepara a emancipação da mulher. Duas catastrophes: o
estado da litteratura feminina e o estado da cosinha nacional. Grito
afflictivo do paiz: Menos odes e mais caldo.
O homem que teve na terra o nome glorioso de Alexandre Herculano
pertence ao dominio da posteridade desde as 10 horas da noite de hontem,
14 de setembro de 1877.
Os que houverem de julgar na historia essa poderosa personalidade terão
de considerar que dois cidadãos, inteiramente diversos, existiram na
terra, succedendo-se um ao outro no individuo d'aquelle nome.
Um d'esses cidadãos é o historiador da nacionalidade portugueza e da
inquisição em Portugal, o romancista do _Monasticon_, o poeta da _Harpa
do Crente_, o profundo pensador, o sabio archeologo, o paciente erudito,
o critico penetrante, o valoroso trabalhador, o grande artista, o
inimitavel mestre.
O segundo dos cidadãos que passaram no mundo sob o nome de Alexandre
Herculano é simplesmente o illustre solitario de Valle de Lobos.
* * * * *
Extranha evolução d'um mesmo ser! Aquelle que na primeira metade da
existencia representa todas as vivas energias por meio das quaes o
espirito póde actuar no impulso d'uma civilisação e no aperfeiçoamento
d'uma sociedade, não é no segundo periodo da sua vida senão o objecto
passivo e inerte d'uma designação ascetica, imposta pela banalidade
rhethorica dos noticiarios--o _solitario illustre!_
* * * * *
Como philosopho, como investigador, como critico, como poeta, Alexandre
Herculano cria em Portugal os estudos historicos; funda a mais
importante collecção dos modernos trabalhos litterarios--o _Panorama_;
enobrece a lingua com o seu stylo nitido e cortante em que a phrase tem
o lampejo e o golpe dos passes de espada; honra o officio das letras com
o porte rigido, austero e elegante de sua figura litteraria, em que se
denuncia o contorno do guerrilheiro portuense envolto no capote branco
dos romanticos de 1830, que elle sabia traçar com o garbo marcial
d'Alfred de Vigny; cria escola; agrupa em volta de si uma mocidade que o
admira e que o idolatra; espede o grito de guerra, que põe em armas a
nova geração que vem despontando atraz d'elle; chama á peleja o partido
ultramontano e desfecha elle mesmo os primeiros tiros que rompem as
hostilidades da liberdade com o clericalismo; lança finalmente as bases
do moderno movimento intellectual, suggere novas idéas, novas
aspirações, novos interesses moraes, impulsionando vigorosamente a sua
época por meio das fecundas agitações do espirito que acceleram nas
sociedades vivas a elaboração do progresso.
* * * * *
Como _illustre solitario de Valle de Lobos_, Herculano rescinde a
sacrosanta escriptura da responsabilidade universal, por via da qual o
genio do homem se obriga tacitamente com a natureza a servil-a, como
sendo elle mesmo a mais poderosa das forças de que dispõe o grande
universo; desdiz com o seu repentino silencio todas as affirmações da
sua grande voz; abjura da luz diffundida pelas suas palavras á sombra
projectada pelas suas oliveiras; nega o movimento que creou pela inacção
em que caiu; desdá finalmente todos os laços de solidariedade que o
prendiam aos seus compatriotas e aos seus similhantes, que vinculavam o
seu destino intellectual aos destinos da patria e da humanidade.
O dia do nosso grande lucto nacional não é aquelle em que expirou o
solitario illustre, mas sim aquelle em que deixou de existir para o
vertiginoso bulicio da vida publica o ardente escriptor, que no seio da
multidão fluctuante, estrepitosa, leviana, indifferente, perfida,
traiçoeira, ingrata, lançava ás praças e ás ruas publicas, lamacentas e
sordidas, as suas idéas de cada dia, nobres, castas, desinteressadas,
aladas pelo alphabeto typographico, adejando sobre as immundicias e
sobre as dejecções da cidade, como douradas abelhas impollutas, que vão
de alma em alma sacudindo das azas luminosas em pollen diamantino a
divina verdade.
* * * * *
A isolação de Herculano no remanso esteril do dilettantismo bucolico,
comprometteu o destino mental d'uma geração inteira. Pelo intenso poder
das suas faculdades reflexivas, pela eminencia do seu talento, pela
auctoridade da sua palavra, pela popularidade do seu nome, pela
reputação nunca discutida da sua honestidade, elle era o homem
naturalmente indicado para assumir o pontificado intellectual do seu
tempo. A ausencia d'essa auctoridade do espirito sobre o espirito foi
uma catastrophe para a geração moderna.
Tudo se resentiu na sociedade portugueza, com o desapparecimento d'esse
alto poder moderador, destinado a ser o nucleo do seu governo moral.
Á tribuna parlamentar nunca mais tornou a subir um homem cuja voz
firme, sonora e vibrante levasse até os quatro cantos do paiz a
expressão viril das grandes convicções inflexiveis, dos altos e potentes
enthusiasmos ou dos profundos e implacaveis desdens. Essa pobre tribuna
deserta degradou-se successivamente até não ser hoje mais do que uma
prateleira mal engonçada com algum lixo e o respectivo copo d'agoa.
A imprensa decaiu como decaiu a tribuna. Assaltada pelas mediocridades
ambiciosas e pelas incompetencias audazes, a imprensa tornou-se um
tablado de saltimbancos de feira, convidando o publico a 10 réis por
cabeça, para assistir, entre assobios e arremessos de cenouras e de
batatas podres, á representação da desbocada comedia, declamada em giria
da matula por personagens sarapintados a vermelhão e a ocre, que mostram
o punho arregaçado e sapateiam as taboas, como em sarabanda de negros e
patifes, com os seus pés miseraveis.
A politica converteu-se em uma vasta associação de intriga, em que os
socios combinam dividir-se em diversos grupos, cuja missão é
impellirem-se e repellirem-se successivamente uns aos outros, até que a
cada um d'elles chegue o mais frequentemente que for possivel a vez
d'entrar e sair do governo. Nos pequenos periodos que decorrem entre a
chegada e a partida de cada ministerio o grupo respectivo renova-se,
depondo alguns dos seus membros nos cargos publicos que vagaram e
recrutando novos adeptos candidatos aos logares que vierem a vagar. É
este trabalho de assimilação e desassimilação dos partidos, que
constitue a vida organica do que se chama a politica portugueza.
A arte desnacionalisa-se e afasta-se cada vez mais do fio tradicional
que a devia prender estreitamente á grande alma popular.
A opinião publica, marasmada pela indifferença, deshabitua-se de pensar
e perde o justo criterio por que se julgam os homens e os factos.
Se um pensador da alta competencia e da grande auctoridade de Alexandre
Herculano tivesse persistido durante os ultimos vinte annos á frente do
movimento intellectual do seu tempo, essa influencia teria modificado
importantemente o nosso estado social.
Na politica ninguem como elle, com as suas opiniões extremas e radicaes,
poderia originar a creação dos dois grandes e fortes partidos--o
partido conservador e o partido revolucionario,--de cuja controversia
depende essencialmente não só o progresso politico da sociedade
portugueza, mas a propria conservação do seu regimen constitucional.
Na imprensa ninguem como elle poderia elevar a auctoridade da
instituição com a sua palavra tão scintillante, tão denodada, tão
propria para o debate, e com a sua experiencia tão esclarecida pela
convivencia e pela cultura da historia.
Na opinião e no espirito publico, ninguem teria uma acção tão segura e
tão decisiva, porque ninguem como elle gosou em Portugal d'um tão
inteiro prestigio e d'uma tão completa e absoluta auctoridade.
Na arte, ninguem ainda mais proprio para levar a creação esthetica á
fonte nativa da inspiração, á tradição historica, á raiz da paixão e do
sentimento nacional.
* * * * *
Exercer essa alta direcção dos espiritos é nas sociedades modernas a
missão dos grandes homens. Dos eminentes escriptores europeus d'este
seculo Herculano foi o unico que espontaneamente abandonou na força da
intelligencia e da vida o posto de honra a que chegára pelo esforço do
seu trabalho e pela posse dos mais felizes dons com que a natureza o
dotára.
Guizot, Michelet, Buckle, Proudhon, Stuart Mill, todos os modernos,
todos os que vieram depois de definido pela Revolução o dogma do dever
social, viveram combatendo até á ultima hora e morreram com a penna na
mão.
Ha poucos dias ainda a França viu cair Thiers na estacada, em pleno
combate. Era um velho pequenino, valetudinario, quasi rachitico. Desde
muito tempo que elle era sufficientemente rico para gosar a
tranquilidade egoista, imperturbavel, do mais poderoso principe. A sua
longa vida fôra uma serie nunca interrompida de combates, de derrotas,
de triumphos, das mais violentas commoções que podem opprimir e
dilacerar uma alma. Ha dez annos que poucos teriam como elle o direito
de solicitar um pouco de tranquilidade e um pouco de sombra. Elle
todavia permanece no ponto mais temeroso da peleja, e é a essa
pertinacia d'um só homem, tão debil e tão caduco que qualquer mulher
poderia pegal-o ao collo e adormecel-o como um baby, que a França deve a
sua reconstituição politica e social, e a democracia a affirmação mais
poderosa e mais energica d'uma republica no coração da Europa.
Na Inglaterra, não já um homem mas uma simples mulher, que teve um papel
decisivo no movimento das idéas modernas, Miss Martineau, ferida por uma
lesão do coração, desenganada pela medicina de que não pode ter mais
d'um anno de vida, concentra durante esse anno todas as suas faculdades
na conclusão da sua ultima obra, conta a uma por uma em beneficio do seu
similhante as suas derradeiras pulsações, e sob uma condemnação mais
peremptoria e mais tremenda que a de Condorcet, arranca da sua
invencivel vontade a energia precisa para escrever com a lucidez mais
profunda, com a firmeza mais viril, com a coragem mais heroica, o
admiravel livro em que depõe com a ultima palavra o ultimo suspiro.
Uma celebridade subalterna, um simples poeta, um romancista, um talento
d'especialidade, tem o direito de fazer um livro e de se calar para
todo o sempre; mas o cidadão em quem concorrem as multiplas aptidões
cerebraes que constituem os espiritos superiores, as capacidades
dirigentes, não tem esse direito.
A benevolencia devida aos vivos póde levar-nos a respeitar nos actos de
cada homem um producto indiscutivel da sua liberdade; a verdade porém
devida aos mortos, a incorruptivel verdade, tem diante dos tumulos o
dever de considerar, em nome da justiça e em nome da sociedade, todas as
condições que encaminharam ou desencaminharam uma existencia n'essa
linha ideal a que convergem as mais altas aspirações da humanidade.
E é só assim que as gerações aprendem o que têem de agradecer e o que
têem de perdoar aos obreiros do passado, tirando d'esse juizo austero
sobre a missão dos que morreram, a regra moral a que têem de
submetter-se aquelles que estão vivos.
A elaboração psychologica das causas que levaram o espirito de Herculano
a quebrar as suas relações mentaes com a sociedade, é um importante
estudo a que se acham obrigados aquelles que viveram na intimidade e na
confidencia do grande escriptor. A sociedade precisa de saber que grau
de responsabilidade lhe cabe no emudecimento d'essa voz. Porque a
isolação d'Herculano não é um simples episodio biographico, é um facto
social, é um dos mais tristes phenomenos da decadencia portugueza.
O exemplo do _solitario de Valle de Lobos_ será profundamente nocivo, se
não for cabalmente explicado como uma fatalidade sociologica.
Todos aquelles que trabalham com dedicação e com honra, que se
consideram responsaveis diante dos seus similhantes pela conclusão do
trabalho que a si mesmos se impuzeram, que se dedicam á sua missão, que
vêem n'ella uma parte integrante da grande obra collectiva da
humanidade, todos aquelles que teem na vida um fito superior e
desinteressado, estão sujeitos em cada dia, em cada hora, em cada
instante, á grande lucta da consciencia com as suggestões do egoismo,
com a ingratidão dos homens, com a calumnia, com a traição, com o
desdem. É perigoso para os que teem ainda, no meio da dissolução geral
dos caracteres, esse vivo sentimento da solidariedade, essa corajosa
dedicação do martyrio, essa persistencia no lento suicidio que é a vida
de todos os que pensam e de todos os que luctam, o ver de repente
sossobrar e afundir-se na fria impassibilidade e na tenebrosa
indifferença o alto luminar destinado a indicar a uma geração inteira o
arduo e penoso rumo do dever.

* * * * *

Lemos em um jornal que a imprensa de Lisboa, reunida em assembléa para o
fim de pagar á memoria de Alexandre Herculano o tributo da sua
admiração, resolvera abrir uma subscripção destinada a elevar um
monumento ao insigne escriptor. Parece, segundo o mesmo boato, que não
está ainda resolvido de que natureza será o monumento em projecto.
Se tivessemos a immerecida honra de sermos considerados pela imprensa
como um de seus membros, eis o que proporiamos.
* * * * *
A obra monumental, posto que ainda incompleta do finado escriptor, a sua
_Historia de Portugal_, é possivel que houvesse já sido lida, mas, com
quanto escripta ha muitos annos, não foi por emquanto estudada.
Em todo o longo trabalho de investigação, de critica, d'analyse, de
deducção, que constitue a materia d'esses quatro volumes, o publico
portuguez não viu senão dois factos extremamente subalternos na obra do
philosopho e na obra do artista:--a negação do milagre d'Ourique e das
côrtes de Lamego.
O historiador da nossa nacionalidade não foi olhado se não debaixo d'um
aspecto,--o aspecto das nossas superstições.
As origens do direito, da arte, da propriedade, da religião, da familia,
da patria interessaram-nos d'um modo tão mediocre que nunca nos
suggeriram uma idéa clara sobre qualquer d'esses phenomenos.
De tão multiplos problemas suscitados ou resolvidos pelo historiador da
nossa vida civil, um unico nos commoveu até as mais intimas
profundidades do nosso organismo social: Se Jesus Christo tinha ou não
tinha vindo cavaquear com D. Affonso Henriques na vespera d'uma batalha,
e se a derrota dos mouros fora ou não o resultado d'uma operação
estrategica combinada de commum accordo entre os dois poderosos inimigos
do kalifado de Cordova, o filho do conde D. Henrique e o filho de Deus.
Todas as demais questões debatidas nos quatro volumes da _Historia de
Portugal_ passaram inteiramente despercebidas do jornalismo portuguez, o
qual não teve ainda, até hoje, occasião de publicar um artigo
scientificamente fundamentado ácerca do papel do nosso primeiro
historiador na direcção dos estudos historicos e na comprehensão das
leis fundamentaes da nossa evolução social.
A homenagem que a imprensa deve prestar a Alexandre Herculano é a
publicação d'esse estudo, porque o primeiro dever dos jornalistas
perante um grande escriptor é mostrar que o leram. Com relação a
Herculano essa divida está por saldar, e a imprensa tem que
desempenhar-se d'ella com tanta mais promptidão, quanto é certo que o
seu longo silencio podia ter sido uma das causas que levaram o iniciador
dos trabalhos historicos portuguezes a talhar para si mesmo a triste
mortalha em que desceu envolto para o tumulo--a mortalha do desprezo.
Não conseguiu merecer-lhe mais o espirito dos contemporaneos.

* * * * *

Annaes da viagem de suas magestades e altezas pelos seus reinos segundo
os telagrammas publicados por toda a imprensa e da acção civilisadora da
mesma viagem sobre o espirito dos povos segundo os alludidos documentos.
CAPITULO I
Bussaco... d'agosto. Sua magestade Anjo da Caridade acaba, de chegar esta
secular floresta acompanhada suas altezas Preciosos Penhores. Anjo
passeou matta. Jantou 6 horas. Preciosos Penhores foram Cruz Alta
companhia um dos seus preceptores. Jubilo povo inexcedivel.
CAPITULO II
Bussaco... d'agosto. Sua magestade Anjo encontrou interessante menino na
serra e afagou. Commoção todos visitantes que presencearam acto Anjo
afagar menino chegou lagrimas. Preciosos Penhores foram pé Fonte Fria.
Jantar Anjo, Preciosos Penhores e Damas, 6 horas, 14 minutos, tempo
medio. Jubilo povo augmenta progressivamente.
CAPITULO III
Bussaco... agosto. Anjo apreciou mediocremente rouxinoes gorgeando
secular floresta. Chamados á pressa para gorgear na balseira bauda de
infanteria 14 e cysne Mondego D. Amelia Jenny. Jubilo povo excitado por
Quatorze e por Cysne innarravel.
CAPITULO IV
Bussaco... d'agosto. Sua magestade Anjo recusa licença a _touristes_
comerem saborosos peixes ria d'Aveiro em secular floresta. Preciosos
Penhores pequeno passeio durante 1 hora, 28 minutos, 14 segundos.
Jubilo povo augmenta.
CAPITULO V
Bussaco... d'agosto. Desmente-se noticia Anjo prohibir _touristes_
petisqueira saborosos peixes ria Aveiro secular floresta. N'este mesmo
momento secular floresta saborosos peixes estão sendo comidos
_touristes_ com approvação d'Anjo. Preciosos Penhores pequeno passeio
meia hora e 16 1/2 segundos. Jubilo povo toca raias.
CAPITULO VI
Bussaco... d'agosto. Sua magestade Anjo e suas altezas Preciosos
Penhores acabam de partir Porto, comboyo expresso. Anjo e Preciosos
Penhores não mais a secular floresta. Raias ultrapassadas por jubilo
povo.
CAPITULO VII
Vidago... d'agosto. Sua magestade Excelso Soberano, acompanhado duas
phylarmonicas e quarenta maiores contribuintes montados quarenta
maiores eguas, chegou sem novidade real saude. Indiscriptivel jubilo
povo.
CAPITULO VIII
Vidago... d'Agosto. Excelso Soberano foi tomar aguas 10 horas. Voltou
tomar aguas 4 horas. Jantou 6 horas. Centenares de pessoas presencearam
acto Excelso Soberano tomar aguas. Grande ardor geral pelas instituições
monarchicas e pela dynastia. Jubilo povo tende a augmentar, se possivel
fôr.
CAPITULO IX
Vidago... d'agosto. Excelso Soberano encontrou real passagem dois
rapazes de joelhos. Excelso Soberano afagou. Lagrimas punhos faces
pessoas viram Excelso Soberano afagar rapazes joelhos. Jubilo povo toca
zenith.
CAPITULO X
Vidago... d'agosto. Excelso soberano partiu tarde acompanhado
phylarmonicas, contribuintes e maiores egoas. Estes logares, ausencia
excelso soberano e real sequito, convertidos triste ermo. Jubilo povo
impossivel descrever palavras humanas.
CAPITULO XI
Porto... d'agosto. Hoje, fim da tarde, entrada triumphal n'este Baluarte
liberdade sua magestade Anjo da Caridade acompanhada de suas altezas
Louras Creanças. Jubilo povo de Baluarte e concelhos ruraes adjacentes
delirante.
CAPITULO XII
Porto... d'agosto. Presidente camara municipal disse a Anjo da Caridade
que Baluarte se gloriava ter Anjo no seio. Jubilo povo frenetico.
CAPITULO XIII
Porto... d'agosto. Louras creanças passear Palacio Crystal. Anjo não
passeiar Palacio Crystal. Jubilo povo febril.
CAPITULO XIV
Porto... d'agosto. Anjo e Louras Creanças foram photographar-se ao
atelier Fritz. Duas innocentes meninas entregaram ramos de flores a Anjo
da Caridade. Anjo afagou. Circumstantes lagrimas em fio pelas faces.
Anjo e Louras Creanças retrataram-se em cinco posições differentes, que
são todas as posições de que é susceptivel o corpo humano, a saber: em
pé, sentados, ajoelhados, acocorados e deitados. Jubilo povo
vertiginoso.
CAPITULO XV
Porto... d'agosto. A este Baluarte liberdades patrias acaba chegar
augusto Neto heroico Pedro IV. Presidente camara municipal disse
Baluarte se gloriava ter Neto heroico Pedro no seio. Colxas dos
defensores Baluarte ás janellas. Jubilo povo epileptico.
CAPITULO XVI
Porto... d'agosto (urgente) Rapazes achados Vidago por Neto heroico
Pedro IV entraram Baluarte liberdade em exposição triumphal. Rapazes
precediam coche real de joelhos em carruagem descoberta. Jubilo povo,
vendo rapazes exposição joelhos carruagem descoberta, inultrapassavel.
CAPITULO XVII
Porto... d'agosto. Neto heroico Pedro IV, Anjo Caridade e Louras
Creanças regressam hoje comboyo expresso a Lisboa. Governador civil,
bispo, senhoras, beijar mão Neto, Anjo, Louras Creanças. Derradeiro
adeus estação. Baluarte liberdade sem Louras Creanças, Anjo e Neto,
medonho ermo. Jubilo povo intradusivel linguagem humana.

NOTAS

AOS ANNAES DA VIAGEM DE SUAS MAGESTADES E ALTEZAS
A
_Desmente-se noticia Anjo prohibir touristes petisqueira etc._
Informações subsequentes ministradas aos jornaes pelo _Banhista de Luso_
explicam a materia do capitulo que principia pelas palavras acima
reproduzidas.
Os _touristes_ a quem foi denegada licença para celebrarem um _pic-nic_
dentro da floresta do Bussaco, requereram respeitosamente a sua
magestade que se dignasse conferir-lhes a permissão de comerem os peixes
que tinham pescado para o _pic-nic_, não já dentro, mas sim fóra da
matta.
Foi a este segundo requerimento, attendendo ás supplicas dos _touristes_
e ao estado em que começavam a achar-se os peixes, que sua magestade se
dignou de deferir de um modo inteiramente amavel e munificente.
O precedente estabelecido pelos touristes do Bussaco deixa-nos porém
immersos na mais acerba incerteza ácerca dos pontos da superficie solida
do reino em que nos é licito comermos peixe sem invadirmos as
residencias de suas magestades.
Porque, desde o momento em que não só as grandes serras mas tambem as
bacias dos valles adjacentes se consideram, pela jurisprudencia invocada
no Bussaco, como dependencias dos aposentos da real familia, ficamos
perplexos sobre se o safio que pescámos esta manhã no logar do Bico na
praia da Cruz Quebrada o poderemos comer em nossa casa sem por este
facto invadirmos, posto que inconscientemente, a sala de jantar dos
nossos reis. E pedimos ardentemente para sermos esclarecidos sobre a
solução d'este problema:
Dado um safio pescado á linha na ponta do Bico na praia da Cruz
Quebrada; achando-se a Cruz Quebrada na dependencia geologica do Paço de
Queluz pelo valle da ribeira do Jamor, e do Paço da Ajuda pelas
quebradas e pelas vertentes da serra de Monsanto; achando-se por outro
lado o safio ao lume dentro do seu respectivo tacho, entre duas camadas
de cebola e tomate, com o competente fio d'azeite e o devido pimentão;
tendo tido cinco minutos de fervura e havendo sido sacudido por duas
vezes sem se destapar o tacho;
Pergunta-se:
Se podemos passar a comer o safio, collocados na dita latitude da Cruz
Quebrada, entre os reaes paços de Queluz e da Ajuda, sem por esse acto
faltarmos ao respeito devido á inviolabilidade das montanhas, dos valles
e das ribeiras que suas magestades se dignaram eleger para residir.
Esperamos, com o safio ao lume e com o acatamento mais profundo pelas
reaes ordens, que o sr. Barros e Cunha, encarregado juntamente com o sr.
Alcobia de transformar as matas do reino em aposentos de sua magestade,
queira dizer-nos se o monte em que habitamos pertence ou não ao numero
d'aquelles que s. ex.ª se acha mobilando para recreio de suas magestades
em collaboração com o seu socio nas reformas do ministerio das obras
publicas o sr. estofador Alcobia.
O melhor talvez--permittam-nos os srs. Barros e Alcobia suggerirmos esta
ideia--seria, para não estafar muito o ministerio de suas excellencias
com o despacho de repetidas petições do caracter da nossa, que suas
excellencias assignalem com marcos geodesicos as regiões que vão ser
forradas de papel para aposentos reaes, e que n'esses postes se
especifique com os devidos letreiros: _Aqui se pode comer o saboroso
peixe_ ou _Aqui o saboroso peixe se não pode comer_.
E o paiz todo beijará reconhecido a mão energica dos srs. conselheiros
da coroa Alcobia e Barros e Cunha!
B
_Rapazes achados Vidago por Neto heroico Pedro IV entraram Baluarte
liberdade em exposição triumphal._ Correspondencias minuciosas explicam
detidamente o episodio narrado n'este capitulo.
El-rei encontrava todos os dias, em determinado ponto dos seus passeios,
dois rapazes que se ajoelhavam por occasião da passagem de sua
magestade. El-rei commovido com a precocidade de uma bajulação tão
vigorosa manifestada em annos tão verdes, indagou-se uma tal affirmação
de subserviencia procedia de preleções previas dadas por algum aulico
ou se representava um movimento instinctivo no caracter dos dois
adolescentes. Descobriu-se que os meninos ajoelhavam por effeito da mais
pura pusilanimidade organica. Sua magestade resolveu, em vista de tão
honrosas informações, levar comsigo os dois esperançosos jovens e
encarregar-se da sua educação. Foram esses dois rapazes os que entraram
em trinmpho na cidade do Porto, indo em carruagem descoberta e
precorrendo as ruas adiante da carruagem de sua magestade. Não sabemos
se durante todo o precurso do cortejo os rapazes se conservaram, como
deviam, sempre de joelhos. O que é certo é que o quadro a que nos
referimos commoveu muito as pessoas que o presencearam, segundo
asseveram todas as noticias do Porto e de Vidago.
Folgamos de poder completar as informações colhidas por el-rei ácerca
dos seus pupillos com o fructo das nossas proprias indagações, porque é
de saber que os rapazes de joelhos não apparecem unicamente a sua
magestade, apparecem a todos aquelles que viajam nas estradas do Minho e
de Traz-os-Montes. O que escreve estas linhas por mais de uma vez se
encontrou com o commovente quadro, não deixando nunca de o saudar com
um expressivo meneio do seu bordão, perante o qual os rapazes em joelhos
se punham em pé com uma velocidade cheia de convicção e de enthusiasmo.
E nós, então, diziamos-lhes com a mais pesada voz:
--Ah! poltrões! Ah! covardes! Ah! sapos! Que se torno a encontrar algum
de joelhos deante de mim, applico-lhe uma carga de pau, que lhe ponho o
lombo mais negro que o de um melro! Teem o atrevimento de pedir esmola,
seus sicarios?... E ainda por cima se me desculpam com o exemplo de
Jesus Christo?! _Nosso Senhor tambem pediu_!!... Em que escola
aprendeste tu a cartilha, meu grande camello?... O que tu merecias é que
eu te metesse uma zaragatoa de pimenta n'essa bocca para te ensinar a
blasphemar! Jesus pediu esmola, mas não foi para que tu a pedisses
tambem, grande vadio! Jesus pediu esmola para te honrar com a sua
confraternidade, para te mostrar que apesar de teres lendeas, de
trazeres as orelhas sujas e de andares descalço, tens, pelo facto de ser
homem, uma origem divina e que te deves respeitar tanto a ti proprio
como se fosses um imperador ou um rei. Para te tornares digno do grande
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