As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1878-02/05) - 1

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RAMALHO ORTIGÃO--EÇA DE QUEIROZ
AS FARPAS
CHRONICA MENSAL
DA POLITICA, DAS LETRAS E DOS COSTUMES
TERCEIRA SERIE TOMO II Fevereiro a Maio 1878
Ironia, verdadeira liberdade! És tu que me livras da ambição do poder,
da escravidão dos partidos, da veneração da rotina, do pedantismo das
sciencias, da admiração das grandes personagens, das mystificações da
politica, do fanatismo dos reformadores, da superstição d'este grande
universo, e da adoração de mim mesmo.
P.J. PROUDHON


SUMMARIO
Leis organicas das sociedades e disposições regulamentares dos estados:
de como a sociedade as distingue para os effeitos da sancção penal. O
caso da sr.ª D. Joanna Pereira e o do parocho de Travanca de Lagos--A
gymnastica perante o parlamento. O dr. Schreber, o dr. Ponza, Rodolfi,
Claude Bernard, Burq, Lacassagne e o sr. Vaz Preto. Reconstituição da
raça humana pela gymnastica. Reconstituição da ideias parlamentares pela
mesma gymnastica. Indicação de alguns exercicios para uso dos dignos
pares--O ultimo milagre de Lourdes e a _Nação_. Mostra-se que o milagre
não presta. Ensina-se à _Nação_ o que são milagres e prova-se-lhe que
ella tem o demonio no ventre, mas que se lhe ha de tirar--A
criminalidade em Lisboa e o _fadista_. Historia genealogica d'esse
personagem desde o seculo XVI até a ultima facada no Bairro Alto--A
ideia velha e a ideia nova.--Uma opinião de Tyndal ácerca dos atheus.
Algumas ideias do carpinteiro Jacquenin ácerca das rasões porque crescem
os trigos. De como o sr. conde do Rio Maior pelo modo como emendou a lei
da instrucção primaria mostrou não ser aquelle philosopho nem aquelle
carpinteiro--O _Primo Bazilio_. O caso pathologico e a obra d'arte. A
educação burgueza e o realismo--A escola nacional dos poltrões. A
covardia, instituição publica, etc.
Tôdos os crimes, quaesquer que elles sejam, podem ser considerados como
pertencendo a duas classes distinctas:
1.º Crimes resultantes da infracção das leis organicas da sociedade;
2.º Crimes resultantes da infracção das disposições regulamentares dos
Estados.
Emquanto as sociedades se não acham constituidas segundo o direito
absoluto fundado em principios claramente definidos de moral positiva,
isto é, emquanto as sociedades não attingem um desenvolvimento
intellectual que lhes permitta conhecer todas as leis da sua
organisação, distinguindo o que n'ellas é difinitivo e organico do que é
convencional e contingente,--n'essas sociedades não podem dar-se senão
os crimes da segunda d'aquellas classes. É assim que vemos nas
civilisações antigas e hoje entre os selvagens serem considerados crimes
ou deixarem de o ser, segundo os regulamentos especiaes das
communidades, o roubo, a polygamia, o incesto, o homicidio, etc.
Nas sociedades que attingiram a edade consciente, que entráram no
periodo scientifico da sua evolução moral, como presentemente succede em
toda a Europa, o incesto, a polygamia, o homicidio, o roubo, etc.,
tomáram o caracter dos crimes incluidos na primeira das classes a que
nos referimos, porque se comprehendeu que elles não violam unicamente um
regulamento local e arbitrario, mas que ferem a sociedade nos centros da
vida, dissolvendo no seu nucleo a aggregação que constitue o grande ser
collectivo.
* * * * *
A sabedoria da legislação penal manifesta-se na mais justa e perfeita
demarcação dos limites que separam essas duas ordens de crimes.
Quanto mais uma sociedade progride tanto mais ella estreita os meios
repressivos da infracção das suas leis organicas, e tanto mais afrouxa a
punição imposta á contravenção dos seus estatutos regulamentares,
distinguindo graduações na culpa segundo a importancia dos interesses
feridos pela perpetração do delicto.
É em virtude d'este criterio que são punidos com severidade,
unanimemente exigida pela opinião, os attentados contra o interesse do
commercio e contra o interesse da industria, porque estes dois
interesses são considerados os mais importantes das sociedades modernas;
ao passo que raramente deixam de ser amnistiados os crimes politicos,
pela razão de que os governos se julgam impotentes para vibrarem
arbitrariamente um castigo que nenhum interesse reclama e que por
conseguinte a civilisação rejeita como um acto de prepotencia e de
vingança.
Os antigos attentados nefandos contra os poderes constituidos e contra a
forma do governo, chamados temerosamente de lesa-magestade, deixaram ha
muito de ser espiados na guilhotina e na forca, contentando-se os
politicos em fulminal-os com a critica de Talleyrand: «São mais do que
crimes, são verdadeiros erros!»
Posto isto, vejamos qual é o estado da mentalidade portugueza afferido
pelo criterio que ella applica ao julgamento dos crimes e ás respectivas
sancções penaes.
* * * * *
Deram-se ultimamente dois casos profundamente caracteristicos: o caso de
Joanna Pereira e o caso do parocho de Travanca de Lagos.
No caso de Joanna Pereira vemos tres réos confessos e convictos de tres
crimes: Joanna, de adulterio; Carlos, de tentativa contra o pudor por
meio da chlorophormisação; o carroceiro, da remoção de um cadaver; todos
tres cumplices e conniventes no crime de cada um.
Como procede a sociedade? Não tomando conhecimento de nenhum d'estes
attentados e despedindo os reos em paz!
No caso do parocho de Travanca de Lagos, o reo é accusado de ter
falsificado uma certidão de edade para o fim de salvar um mancebo do
recrutamento militar. Como precede a sociadade? Condemnando o parocho a
oito annos de degredo para a costa ds Africa!
O primeiro caso é um triplice attentado contra a ordem social. A
sociedade não só o não pune mas nem sequer o julga.
O segundo é uma contravenção de um regulamento administrativo. A
sociedade não só o julga mas pune-o com uma das maximas penas do codigo.
* * * * *
Não analysamos o procedimento havido com Joanna Pereira e os seus
co-reos. Pomol-o simplesmente em parallelo com o procedimento havido com
o parocho de Travanca de Lagos, e dizemos que a condemnação d'este é uma
iniquiedade monstruosa.
O crime do que é accusado o padre, condemnado por havel-o commettido a
oito annos de degredo, é crime unicamente perante a letra de um
regulamento de caracter não só transitorio mas arbitrario--o regulamento
do serviço militar.
O parocho foi condemnado por tentar salvar do serviço um recruta.
Alterar um numero, escrever um algarismo por outro, só póde involver
intenção criminosa quando d'esse acto proceda uma offensa de interesses.
Viciar a data de uma letra ou de um contrato é indubitavelmente um grave
crime, porque offende o interesse do commercio, ou o da industria, ou o
da propriedade. Mas alterar a data de uma certidão de baptismo, para o
facto de isemptar do serviço militar um cidadão, não é offender um
interesse social; é o contrario d'isso: é servir o interesse que todas
as sociedades teem em que deixe de haver militares.
* * * * *
O crime, no estado de pura tentativa, pelo qual o padre foi julgado o
punido com degredo de oito annos, se se chegasse a realisar e se
estendesse do caso particular de uma freguezia do reino a todos os casos
analogos na Europa inteira, seria o mais assignalado dos beneficios á
civilisação e á humanidade. Daria em resultado a eliminação do
militarismo e da guerra.
Os crimes pelos quaes Joanna Pereira e os seus collaboradores não foram
punidos nem julgados, se se estendessem da casa da travessa da Oliveira
ao resto da sociedade, dariam os seguintes effeitos:
Os cadavares seriam propriedade dos carroceiros, o que acabaria, de uma
vez para sempre, com o uso dos cemiterios e com a pratica de enterrar os
mortos.
Os Antonys teriam ao abrigo das leis, um desenlace inoffensivo para
todos os seus dramas: _Resistia-me, chlorophormisei-a!_
Finalmente, para o facto da selecção da especie, os maridos seriam
substituidos pelos mestres de piano dados ao abuso das bebidas
alcoolicas--o que tornaria o casamento inutil e a familia impossivel,
convertendo aos pianos, reforçados pela aguardente, nos unicos
instrumentos da perpetuidade da raça.
* * * * *
Expondo simplesmente os dois casos referidos e o modo como a sociedade
os resolveu, achamos inutil accrescentar commentarios, e fazemos
unicamente á sociedade os nossos cumprimentos.

* * * * *

Por occasião de se discutir no parlamento a reforma da instrucção
primaria o digno par sr. Vaz Preto Geraldes votou contra a adopção da
gymnastica nas escolas de raparigas, enunciando a opinião de que a
gymnastica tinha um caracter immoral.
S. ex.ª parece receiar que uma vez introduzida a gymnastica nos costumes
do sexo feminino, as senhoras portuguezas comecem a estar nos bailes com
pesos suspensos da bocca e a passearem no Chiado apoiadas sobre as mãos
e de pernas para o ar. Isto effectivamente não seria bem visto. E
comprehendemos que s. ex.ª sinta uma certa porção de rubor pensando que
ao dirigir n'um salão as suas homenagens a uma dama esta poderá vir um
dia a retribuir os cumprimentos de s. ex.ª aferrando-o pelos rins e
obrigando-o a revirar duas vezes as pernas por cima da cabeça no espaço
que medeia entre o tapete e o lustre.
Cremos porém que os receios do sr. Manuel Vaz Preto procedem mais
directamente de um nobre desdem votado por s. ex.ª a algumas habilidades
da feira das Amoreiras do que propriamente do conhecimento cabal que s.
ex.ª tenha da coisa que fóra das feiras se não chama a _sorte de forças_
mas sim mais modestamente--_a hygiene do movimento no corpo humano_.
* * * * *
Um illustre medico allemão, o doutor Schreber, director do instituto
orthopedico de Leipzig, e como tal perito no estudo das deformações do
nosso esqueleto, affirma que grande parte das viciações na configuração
dos ossos da bacia, viciações que inhabilitam muitas mulheres de serem
mães, proveem dos habitos sedentarios que as raparigas contraem na
escola e que só podem ser corrigidos na infancia pelos exercicios
racionaes da gymnastica. Ora quer-nos parecer que qualquer mulher poderá
chegar a ter bem conformados os ossos da bacia sem o sr. Vaz Preto
correr um risco eminente de que essa mulher tome a bocca do estomago de
s. ex.ª para alvo das suas predilecções pelo pugilato athletico.
* * * * *
O mesmo doutor Schreber assevera que é indispensavel introduzir o uso da
gymnastica nas aulas do sexo feminino se se quizer evitar que muitas
mulheres padeçam um desvio pathologico da columna vertebral extremamente
frequente e resultante da posição forçada em que as raparigas se
conservam durante as horas do trabalho nas escolas. Repugna-nos
acreditar que o sexo feminino, que se destina a fazer a prancha em
sociedade tomando para ponto de apoio o ventre do sr. Vaz Preto, esteja
à espera de que lhe endireitem a espinha para passar immediatamente
depois a operar sobre a região abdominal de s. ex.ª as experiencias
dynamometricas, cuja perspectiva lança no animo pudibundo do digno
procere um tão ligitimo horror.
* * * * *
A physiologia moderna tem mostrado que a saude não é mais que o justo e
perfeito equilibrio das differentes forças inherentes ao nosso
organismo. A hygiene tem provado com muitas observações e fundada nas
mais repetidas experiencias que o excercicio regular e methodico de
todos os nossos membros e de todos os nossos orgãos é o unico meio de
manter o equilibrio a que acima nos referimos. A systematisação d'esse
exercicio regular e methodico chama-se gymnastica.
Da saude do corpo precede solidariamente a saude do espirito. Sabe-se
hoje que todo o acto intellectual depende de uma dada circulação do
sangue atravez da rede dos nervos encephalicos.
Os medicos alienistas e todos os que teem estudado attentamente os
phenomenos mentaes attestam que a estupidez, o talento, o genio, a
loucura são outros tantos resultados do modo como o sangue circula, com
mais ou menos vivacidade, mais ou menos abundantemente, no cerebro. Um
apparelho do doutor Mosso, intitulado o plethysmographo, apparelho de
que a psychologia experimental tem tirado as mais importantes
revelações, demonstra que existem estreitas e precisas relações de causa
para effeito entre as variações da circulação e os differentes graus de
actividade cerebral. A abolição da memoria, a perversão das sensações,
todos os casos de nevropathia cerebral são resultantes de uma falta de
cadencia na vibração dos centros sensitivos causada por um embaraço da
circulação sanguinea no encephalo. Na Italia estão-se curando as
alienações mentaes pela transfusão do sangue. O medico Ponza, do Grande
Hospital, e o doutor Rodolfi, do asylso de Brescia, relatam muitos casos
de cura de alienados pela transfusão hypodermica.
Pois bem: o meio efficaz de que a hygiene dispõe para activar e
regularisar a circulação, de tanta importancia para a actividade
central, é a gymnastica.
O celebre hygienista Lacassagne diz: «Um exercicio muscular geral, feito
em boas condições, produz os effeitos de uma transfusão de sangue.»
* * * * *
Ha estados morbidos cuja localisação no organismo escapa muitas vezes á
indagação e á sagacidade dos clinicos. Está-se doente sem haver
apparentemente perturbação alguma nas funcções physiologcas. O symptoma,
frequentemente despercebido, d'esse deperecimento vital consiste na
diminuição do noso peso com relação á unidade do nosso volume. A mais
segura medida da saude é a densidade do corpo. Ha algum regimen proprio
para tornar mais denso o corpo humano? Ha. É o regimen da gymnastica. O
doutor Burq, seguindo durante seis mezes os exercicios da escola de
gymnastica militar da Faisanderie, em França, constatou, pelas
observações feitas dia a dia sobre os alumnos, que a gymnastica tem por
effeito augmentar o peso e diminuir o volume, isto é acrescentar a
densidade de 6 até 15% dentro dos primeiros tres ou quatro mezes de
exercicio.
* * * * *
Em um paiz onde a tisica faz tão grande numero de victimas como em
Portugal, é util accrescentar ainda que uma das propriedades da
gymnastica é desenvolver a caixa toraxica e augmentar de 1/6 pela media
a capacidade pulmonar, como foi verificado no dynamometro pelo mesmo
doutor Burq.
* * * * *
A força muscular augmenta, como a capacidade pulmonar e como a
densidade, n'uma proporção de 15% nos quatro primeiros mezes dos
exercicios gymnasticos.
* * * * *
A hygiene de musculatura é um facto de primeira importancia para a saude
desde que pelas experiencias de Claude Bernard sobre as propriedades dos
tecidos vivos se reconheccu que a séde principal da combustão
respiratoria é o musculo. Os differentes estados do musculo influem
directamente na composição do sangue. O exercicio é portanto um poderoso
modificador do sangue e como tal actúa em todas as forças do nosso
organismo. Mas não ha senão uma especie de exercicio com propriedades
hygienicas e therapeuticas: esse exercicio é a gymnastica.
* * * * *
Pedimos ao sr. Manuel Vaz Preto que nos faça o obsequio de considerar
que só é um agente da saude o exercicio geral, regular e methodico, que
constitue a gymnastica dos movimentos, chamada a gymnastica allemã. O
doutor Sebreber demonstra que a unica occupação que sujeita quem a
exerce a um exercicio inteiramente harmonico, é a occupação da
jardinagem. Todo aquelle que não for jardineiro tem de appellar para um
methodo especial de movimentos artificiaes que ponham no devido
equilibrio as acquisições e os dispendios de cada um dos seus orgãos.
* * * * *
Taes são, resumidamente expostas, algumas das razões que militam em
favor da gymnastica. Em contraposição a estes argumentos não sabemos
senão de um: o pejo do sr. Vaz Preto. Dirigimos a s.ex.ª os nossos rogos
mais fervorosos para que s.ex.ª não core diante da gymnastica, impedindo
assim o paiz de pôr em pratica o melhor meio de regenerar a sua
constituição atrophiada, de endireirar a espinha, de desenvolver os
ossos, de activar as faculdades intellectuaes, de enriquecer o sangue,
de reagir contra a hypocondria e contra a preguiça, contra a atonia dos
nervos e dos musculos, contra a anemia, contra a chlorose, contra a
gotta, contra as affecções pulmonares, contra as escrophulas, contra a
obesidade e contra a idiotismo.
* * * * *
Muitos dignos pares, em cujo numero pedimos licença para incluir o mesmo
sr. Vaz Preto, estão contaminados por enfermidades que a gynmastica
previne e corrige. De modo que uma boa administração pedia que
gymnastica não só fosse decretada para as escolas mas tambem para as
duas casas do parlamento.
Nas escolas americanas, em muitas escolas inglezas, allemãs, suecas, os
exercicios intellectuaes interrompem-se umas poucas de vezes por dia
para darem logar aos movimentos gymnasticos executados em commum por
todos os alumnos. Uma recente estatistica, feita na Inglaterra, prova
quanto estes exercicios são uteis não só ao desenvolvimento physico mas
ao desenvolvimento intellectual, mostrando-nos que nas escolas em que se
introduziu a gymnastica os alumnos aprendem mais e em menos tempo do que
n'aquellas em que a gymnastica não existe.
Na reforma da camara dos dignos pares, ultimamente convertida em lei,
esqueceu uma disposição--precisamente a unica que teria alcance--um
artigo que obrigasse ss.ex.'as a interromperem, por duas ou tres vezes
em cada sessão, as suas locubrações legislativas, para fazerem
gymnastica ao som de um orgão, como nas escolas americanas.
O mesmo sr. presidente o nobre duque de Avila e Bolama deveria ser
obrigado sob penas tremendas, a tomar parte n'estes exercicios. Por
que--digamol-o francamente--o que é o _cachenez_ do nobre duque
presidente senão o mais afflictivo dos casos pathologicos: o symptoma
mais caracteristico de que s.ex.ª não tem gymnastica nos musculos do
pescoço e nos que revestem o seu apparelho respiratorio? Em mome da
felicidade do paiz, que tão estreitamente depende da preciosa saude do
nobre duque, s.ex.ª deveria ser obrigado--obrigado a ferros, em nome
d'el-rei--a suspender em cada dia os trabalhos parlamentares, a
erguer-se magestosamente da sua cadeira, a tirar a sua gravata, a
desabotoar o seu colleirinho e os seus suspensorios, e a proceder aos
seguintes movimentos:
Voltar vigorosamente a cabeça para a direita e para a esquerda (100
vezes); fazer girar o pescoço, na sua maxima flexão, sobre o peito e
sobre as espaduas (200 vezes); subir e descer energicamente os hombros
(100 vezes); fazer o movimento de quem mede braças (100 vezes); tomar
fortes e profundas aspirações de ar (25 vezes). Depois do quê, s.ex.ª
reporia a sua gravata, abeooaria os seus suspensorios e recomeçaria a
meditar sobre a felicidade da patria.
No mesmo sr. Vaz Preto o que é verdadeiramente a revolta do seu pudor
perante a adopção da gymnastica nas escolas senão o indicio de uma lesão
mental concomitante e até certo ponto compensadora da obesidade? Pois
não é sabido que jámais a excessiva nutrição deixa de ser acompanhada
reflexamente pela excessiva pudicicia? Conviria portanto que, emquanto o
sr. duque de Avila curasse o seu _cache-nez_ por meio dos excercicios
indicados, o sr. Vaz Preto medicasse o seu pejo com os exercicios
seguintes:
Massagens no abdomen (5 minutos): acocorar-se (100 vezes); dobrar e
tronco rotatoriamente sobre o estomago, sobre os quadris e sobre o rim
(50 vezes); levantar cada uma das pernas para diante e para traz até o
limite da sua elasticidade (50 vezes); fazer o movimento analogo ao de
quem racha lenha (25 vezes); trotar no mesmo terreno (15 minutos).
Depois do quê, s. ex.ª revestiria ameaçadoramente as suas calças e
continuaria a demolir com a sua facundia a politica do gabinete.
* * * * *
Se porém a todas estas considerações for insensivel o sr. Vaz Preto,
n'esse caso a sciencia, continuando a affirmar a importancia social da
gymnastica, tem de usar com o pudor de s. ex.ª um expediente extremo:
Velar-lhe a face!

* * * * *

A _Nação_ publicou um telegramma de Lourdes, em que se lhe diz: _O padre
cego já vê, a paralytica já anda_.
* * * * *
Parece impossivel que uma folha religiosa como a _Nação_ désse cabimento
nas suas columnas um milagre tão miseravel, tão safado, tão reles como
esse! Com effeito! foi então para isso, para esse milagrotesito de
cácárácá, para dar vista aos cegos e para fazer andar os paralyticos,
foi para essa insignificancia, para essa miseria, para essa sovinice,
que a sr.ª condessa de Sarmento organisou a sua romagem, que andou a
reunir os padres cegos e as sujeitas paralyticas, e que unicamente para
os fazer ver e para os fazer andar os levou tão longe?! ... Ora muito
obrigado! muito obrigado pelo seu favor!
A sr.ª condessa de Sarmento e todos os devotos e devotas que
collaboráram com s.ex.ª na bonita obra da peregrinação teem obrigação
restricta de abrirem immediatamente uma subscripção para o fim de
indemnisarem o padre ex-cego e a mulher ex-paralytica do incommodo que
lhes deram. Porque nós--e a _Nação_ bem o sabe!--nós temos devoções
locaes, temos devoções ahi da Baixa, que nos affirmam e affiançam, sob a
auctoridade dos padres e dos pontifices, exactamente os mesmos
resultados obtidos pela romagem.
Pois quê! A agua de Lourdes ao pé da bica, na propria gruta, por conta e
na presença da santa, não ha de dar mais effeitos no consumidor do que a
agua de Lourdes exportada, expedida ao extrangeiro em vasilhas quantas
vezes impuras, quantas vezes com más rolhas?!
Não vimos nós ahi, ha dois annos, na Santa Casa da Misericordia, uma
enferma paralytica, a qual desfechou a andar com a mesma facilidade com
que anda a roda da mesma Santa Casa logo quo lhe chapinharam os membroa
locomotores com agua das latas?!
E a pobresinha de Christo desencaminhada pela sr.ª condessa do Sarmento
para se metter ás estradas e para ir por ahi fóra em braços até Lourdes,
chega lá e não obtem mais nada senão o que obteve a outra sem sair do
largo de S. Roque?
E ainda ousam dizer-nos--o que não póde ser senão por escarneo--que ella
_andou!_? Olha a grande façanha--_andar!_ Mas, senhores, tendo tido
trabalho de ir a Lourdes, o que essa mulher devia fazer, pelo menos, era
correr, correr a sete pés, e trazer de lá para esse fim cinco pernas a
maior do que as que levou!
Outro tanto temos que dizer do cego. Unicamente para ver pelos olhos
lesos, sem ir mais longe, tinha ahi o sr. Mascaró que lhe fazia o
milagre no olho de cada lado n'um abrir e fechar do olho do lado
opposto. Em Lourdes seria preciso, para sustentar os creditos da agua na
sua devida altura, que o homem não só principiasse a ver pelos olhos mas
que visse tambem por outros membros.
Isso então já valeria mais a pena de se contar, e comprehenderiamos que
a _Nação_ o publicasse em telegramma: «O padre cego appareceu-lhe um
olho em cada buraco do nariz e está-lhe a vir outro na cova do ladrão,
pelo qual já lê as suas rezas de costas na cama com o breviario por
baixo do travesseiro. A paralytica já deitou seis pernas novas e está
com dois grandes furunculos nos hombros: suppõe-se que sejam as azas a
romper. Quando se lhe espremem os carnições bota pennas. Infinitos
louvores sejam dados a Deus Nosso Senhor porque pela côr dos voadouros
vemos que a paralytica nos sae pedrez!»
Isso, sim senhor, isso seria um soffrivel milagre, ainda que de segunda
ordem, porque os ha muitos maiores.
* * * * *
Da virtude dos escapularios, por exemplo, contam-se e authenticam-se
coisas ao pé das quaes tudo quanto a agua de Lourdes tem feito é zero.
O escapulario preserva o fiel de todos os males, preserva-o das doenças,
das pestes, dos perigos da agua, dos incendios, do raio, das quedas, das
balas, das sovas, etc. De tudo isto ha provas que não podemos pôr em
duvida. No livro intitulado _Virtude miraculosa do Escapulario
demonstrada por casos de proteção, de conversao e de curas miraculosas_,
pelo revd.º padre Hugnet--_Saint-Dizer, Paris, Lyon, Bruxelles et
Anvers_, 1869, todas essas virtudes se acham confirmadas com muitos
exemplos.
Pessoas que caem do alto de enormes torres ficam intactas: nem um botão
dos suspensorios lhes rebenta, e se estavam lendo o seu jornal no alto
das torres, como algumas vezes succede, veem lendo n'elle pelo ar
emquanto caem e continúam a leitura em baixo, traçando a perna n'um
estado do satisfação ineffavel.
O sr. A. de L ..., tendo entrado na insurreição do Var, com um
escapulario ao pescoço, recebe vinte e nove tiros, apparecem-lhe no fato
os vinte e nove furos das vinte e nove balas: elle no entanto fica
illeso. «Não nos foi possivel matal-o: tivemos de desistir!» disse por
essa occasião um gendarme. (Obra acima referida, pag. 21)
No auge de um pavoroso incendio um devoto lembra-se de lançar ao meio
das chammas o seu escapulario; o incendio immediatamente se extinguiu e
o escapulario encontrou-se intacto. «Apenas, diz o padre Huguet na obra
citada, se observou que elle cheirava um pouco a chamusco.» (Pag. 17.)
Um soldado na batalha de Novara vê cair em torno d'elle todo o
regimento, elle é o unico ser que sobrevive: examina-se o soldado e
acha-se-lhe um escapulario mettido na bocca e um em cada braço. (Pag.
20.)
Um desgraçado, querendo suicidar-se, lança-se ao mar quatro vezes
consecutivas, sempre debalde: o mar arroja-o á praia, recusando-se
obstinadamente a submergil-o. O desgraçado recorda-se então que traz ao
pescoço um escapulario, e atira-se ao mar pela quinta vez, tendo deixado
o escapulario em terra. Foi sómente com esta condição que o mar se
resolveu a dar cabo d'elle. (Pag. 15.)
Além de livrar de todos os perigos, sem excepção, durante a vida, o
escapulario livra completamente das penas eternas depois da morte.
O abbade Guglielmi, auctor do livro intitulado _Collecção dos
escapularios da Immaculada Conceição, do Rosario, do Carmello, etc._,
diz terminantemente, a pag. 231, que os demonios se queixam no inferno,
pela maneira mais amarga, do grande numero de almas que lhes são
arrebatadas pelos escapularios. Parece que não ha dia em que um milhão
de diabos não roguem esta praga medonha:--Que nós levemos os
escapularios!
As approvações pontificaes de todos os papas, desde João XXII até Pio
IX, confirmam cabalmente os poderes attribuidos ao uso dos escapularios.
O escapulario do Monte Carmello tem a propriedade especial de expedir
para o ceo o penitente, quaesquer que tenham sido os peccados por elle
perpetrados, no primeiro sabbado seguinte ao da sua morte. Facinora que
arranje a morrer com o escapulario na sexta feira á meia noite, podem os
facinoras seus companheiros esperal-o no purgatorio, que o hão de ver
por um oculo!
O uso do escapulario é extremamente commodo: não obriga a encargos de
nenhuma especie, salva-nos independentemente da penitencia,
da confissão e da communhão. Tambem não priva o penitente de qualquer
prazer a que elle se queira dar n'este mundo. Assim o affirma o revd.º
Guglielmi. O essencial é não o tirar nunca, nem mesmo _quando
voluntariamente se vae peccar_: é o que mais particularmente prescreve o
dito padre Guglielmi.
De todos os escapularios o que mais se recommenda á eleição dos devotos
é o do Sagrado Coração de Jesus, porque este escapulario nem sequer
precisa de ser benzido. Basta, para dar todas as indulgencias, que elle
seja feito pelo modelo approvado pelo nosso Santo Padre Pio IX, do modo
seguinte: Sobre um pequeno retalho de lã branca--retalho quadrado ou
oblongo, porque sendo redondo, oval ou polygono perde a
virtude--applica-se um coração de flanella encarnada, bem talhado e
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