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O Assassino de Macario: Comedia em tres actos - 4

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  Miragaya não passa da Cordoaria, e confunde-se com as flôres do jardim e
  do peixe do barracão...
  ITELVINA
  Oh! isso seria horrivel! horrivel! (_Liborio entra pelo fundo_).
  
  SCENA XVI
  Os mesmos e Liborio
  LIBORIO
  (_com o porte-monnaie na mão_) Minha senhora, eu tinha aqui 12$000 réis.
  Foi a senhora que lhe deitou o gatazio?
  ITELVINA
  Logo o saberá quando eu voltar (_Sahe_).
  LIBORIO
  Onde vae você?
  ITELVINA
  Rua de Miragaya n.º 1071. (_Sahe precipitadamente pelo fundo_).
  LIBORIO
  Que é? Rua de Miragaya n.º 1071! Quem lh'o diria? (_A Barnabé_) Foi o
  senhor... Rua de Miragaya, é lá effectivamente (_Ouve-se fechar á chave
  a porta do fundo_) Ella fecha-nos! e vae a casa d'elle! a casa d'elle!
  (_Indo á porta da direita_) Por esta porta... (_Ouve-se o rodar da chave
  que a fecha_) Fechada! fechada tambem! (_correndo á chaminé_)
  Sebastiana! (_pucha pelo cordão da campainha_) Não ha campainha! está
  quebrada a campainha!
  BARNABÉ
  E o Braga que me está esperando para assignar a escriptura!
  LIBORIO
  Eis-me encarcerado!
  BARNABÉ
  E eu!
  LIBORIO
  (_fóra de si, ameaçando Barnabé_) Ah! seu biltre! foi você a causa de
  tudo isto! (_Atira-se a Barnabé, que procura fugir-lhe, aos encontroens
  aos trastes. Liborio persegue-o vivamente. Cahe o panno, quando Barnabé
  está apitando_).
  FIM DO ACTO SEGUNDO
  
  
  ACTO TERCEIRO
  A mesma decoração.--Grande desarranjo.--Os moveis tombados, um colchão
  está meio cahido para fóra do leito.
  
  SCENA I
  Liborio e Barnabé (_ao levantar do pano, Barnabé está sentado no
  colchão, e Liborio, á direita sobre uma cadeira de braços, cahida.
  Depois de instantes de silencio, Liborio levanta-se e vae á janella_).
  LIBORIO
  (_examinando a rua_) Nada, não vejo vir ninguem. Que horas são, snr.
  Barnabé?
  BARNABÉ
  Outra vez... Depois do nosso combate... singular, já me perguntou isso
  trez vezes.
  LIBORIO
  A quem heide eu perguntal-o? ao meu relogio? á minha pendula? Tudo aqui
  está desmanchado (_á parte_) como a cabeça de minha mulher (_Levanta a
  cadeira_).
  BARNABÉ
  Ha cinco minutos que eu lhe disse que eram 3 e 25; agora, por
  consequencia, são trez e meia.
  LIBORIO
  (_passeando com grandes passos_) Ella sahiu ás duas horas... (_dirige-se
  a Barnabé_) Como explica o senhor isto? Auzente á hora e meia! (_Arruma
  os trastes_).
  BARNABÉ
  Não que d'aqui de Malmerendas a Miragaya são dois kilometros. Dê-lhe
  tempo...
  LIBORIO
  Que lh'o dê? Ella toma o que quer! Fechar o pae e o marido para ir...
  BARNABÉ
  Minha filha é incapaz de tal...
  LIBORIO
  É capaz de tudo: é Mexicana, e basta.
  BARNABÉ
  Não o contrarío, para você não pegar de novo comigo. (_Levanta-se e põe
  o colchão sobre o leito_).
  LIBORIO
  Ah! o senhor tem magnificas ideias! Que eu era pae! Esta só pelo diabo!
  eu podia lá ser pae, homem!
  BARNABÉ
  E eu podia lá imaginar que o senhor depois de casado?... Emfim, o que eu
  lhe disse era para o applacar...
  LIBORIO
  E para applacar minha mulher disse-lhe que o Macario era vivo. Foi isso?
  BARNABÉ
  Está claro; as minhas intençoens fôram sempre boas... eu não tive culpa,
  se o senhor é um marido... distincto.
  LIBORIO
  Que horas são?
  BARNABÉ
  (_tirando o relogio pacientemente_) Trez e trinta e dous minutos. Outra
  vez. O melhor é ficar com o relogio na mão, (_fica assobiando_) até o
  senhor acertar o seu.
  LIBORIO
  O senhor assobia?
  BARNABÉ
  Então o senhor quer que eu chore? Deixe-me assobiar, homem! Ha paixoens
  d'alma que não desafogam se não pelo assobio... situaçoens crueis em que
  um homem sente a necessidade de estar sempre não só a assobiar, mas até
  a apitar.
  LIBORIO
  Tem rasão. Quando se possue uma filha como a sua, e uma esposa como a
  minha, todas as manifestaçoens do assobio e do apito são permittidas.
  (_Barnabé continua a assobiar_) Tem rasão. Assobie á sua vontade... use
  de todos os instrumentos de sôpro... Desabafe, snr. Barnabé, que eu faço
  o mesmo. (_Assobia tambem. Ouve-se ruido de passos_). _Sio..._ escute...
  BARNABÉ
  Será?... (_rumor na fechadura_).
  LIBORIO
  É ella!
  BARNABÉ
  Prudencia, snr. Liborio, prudencia...
  LIBORIO
  (_sentando-se n'uma cadeira á esquerda, e pegando de um jornal de sobre
  o fogão_) É ella... (_atira os pés para cima de uma cadeira_).
  BARNABÉ
  (_á parte_) Elles vão-se agatanhar!... se eu podesse tingar-me...
  
  SCENA II
  Os mesmos e Itelvina (_Abre-se a porta do fundo precipitadamente.
  Itelvina entra muito agitada, fita o pae e o marido, tira o chaile e o
  chapeu que atira sobre a cama; depois, desce, torna a fitar o marido e o
  pae, e diz a Barnabé_):
  ITELVINA
  Meu pae! deixe-nos sós. (_Barnabé, sem responder, safa-se apressadamente
  pelo fundo_).
  
  SCENA III
  Liborio e Itelvina (_Itelvina está momentos sem fallar, olhando para o
  marido que a não encara; depois faz um gesto de impaciencia e diz:_)
  ITELVINA
  Vi Macario. Não estava só... Estava com uma creatura com um penteado de
  estardalhaço, muito estapafurdio. Iam sentar-se á meza... e eu puxei
  pela toalha e quebrei tudo... (_Movimento de Liborio, que logo se
  riprime, e retoma a sua apparente tranquilidade_). Levantaram-se ambos e
  avançavam para mim; eu fiquei de braços cruzados, serena, immovel,
  encarando-os assim! Depois affastei-me lentamente, sem dar palavra, e
  sahi! (_Silencio. Itelvina dá uns grandes passos_) Ah! o que são os
  homens! o que são os homens! (_Torna para o marido_) Por que é que o
  senhor me annunciou a morte d'elle? (_Silencio_) Eu sei-o, disse-m'o meu
  pae... foi elle, esse miseravel que assim o quiz, não foi? O infame
  Macario escarneceu o meu amor, ludibriou a minha angustia! Ah! é
  incomprehensivel! é execravel! (_Pega da cadeira em que o marido tem os
  pés e senta-se ao lado d'elle_) Como é que nós havemos de matar Macario?
  LIBORIO
  (_agitado, erguendo-se_) Que diz?
  ITELVINA
  (_fazendo-o sentar-se_) Ambos nós andamos mal, Liborio. Eu cuidei que tu
  o matáras... Não se falle mais no passado... acabou-se... Agora,
  unamo-nos para a vingança... Como é que se hade assassinar Macario?
  LIBORIO
  (_erguendo-se_) A senhora terá o diabo no corpo?
  ITELVINA
  Se estivessemos na minha patria, eu não o consultava; mas aqui, os
  homens que fizeram as leis, reservam para si o monopolio da vingança, e
  a honra de uma mulher nada importa, se não implica com a honra do homem.
  Pois então, snr. Liborio, visto que me esposou, a minha honra é a sua.
  Um pulha, um sacripanta escarneceu sua mulher... cumpre-lhe evitar que
  elle o escarneça tambem a si... (_com ternura_) Mata-o! filho! mata-o!
  LIBORIO
  (_á parte_) Arreda! estou em braza!
  ITELVINA
  (_formalisada_) Dar-se-ha caso que o senhor, escravo de vãos prejuizos,
  não queira attentar contra a vida d'elle sem expor a sua? Se é isso,
  esteja descançado. Se Macario o matar, eu não lhe sobreviverei, nem
  elle, por que morrerá ás minhas mãos; matal-o-ei, matal-o-ei, e depois
  lá nos veremos... no ceu! (_Apontando-lhe para o ceu, bate-lhe com a
  outra mão no hombro_).
  LIBORIO
  A senhora com toda a certeza está doida!
  ITELVINA
  Doida?
  LIBORIO
  Então a senhora quer que eu vendime o Macario por que elle não quiz
  cazar comsigo... Tomára eu obrigal-o a cazar...
  ITELVINA
  Senhor! veja lá o que diz!
  LIBORIO
  Olhe, menina; isso que a senhora me propõe já Hermione o propoz a
  Orestes em uma tragedia de Racine, e sabe o que fez a canalha da
  Hermione, depois que o parvo do Orestes matou Pyrrho? Poz-se a chorar
  por Pyrrho, e mandou o Orestes á fava. Aqui tem a gratidão das
  mulheres...
  ITELVINA
  Por tanto, recuza?
  LIBORIO
  Redondissimamente. (_á parte_) Isto é que é o _chic_ da patifaria!
  ITELVINA
  Bem! Eu pedia-lhe a cabeça de Macario para salvar a sua... Você não
  quer? não quer? não se falla mais n'isso.
  LIBORIO
  Isso que quer dizer... explique-se!
  ITELVINA
  Macario recuou deante dos laços indissoluveis; mas amava-me, estou certa
  d'isso, e eu... ainda o amo.
  LIBORIO
  (_levantando os dois braços_) Que diabo!
  ITELVINA
  E visto que o senhor desculpa o proceder passado de Macario, terá de
  desculpar tambem o futuro...
  LIBORIO
  (_agarrando-a pelos braços_) Mulher!... Ah! tu pensavas que...
  ITELVINA
  Largue-me!
  LIBORIO
  Amas Macario?
  ITELVINA
  Você magoa-me!
  LIBORIO
  Os indigenas do Mexico que é o que fazem ás mulheres que se parecem
  comtigo?
  ITELVINA
  O senhor está-me a quebrar os braços...
  LIBORIO
  Póde ser; por que em Portugal, nós os homens, ao lado da lei, tambem
  temos a força.
  ITELVINA
  Isso é uma covardia!
  LIBORIO
  Não sei se é; mas eu, se houvesse de matar alguem, não mataria o
  Macario...
  ITELVINA
  Ai! (_Cahe de joelhos_).
  LIBORIO
  Olhe bem para mim, senhora! (_Ella quer morder-lhe a mão_) e não môrda!
  Se cuidou que cazava com um cordeirinho, mude de opinião a meu respeito.
  Este homem que se chama Liborio, nascido no Porto, no Poço das Patas n.º
  610, é de per si só mais feroz que todos os leopardos do Mexico... Não
  môrda, ouviu?
  ITELVINA
  Ai!
  LIBORIO
  Por emquanto, deixo-a viver; mas tenha juizo, muito juizo, ou dou-lhe a
  minha palavra de honra que não tardarei a passar a segundas nupcias!
  (_Deixa-a_).
  ITELVINA
  (_conserva-se um instante immovel, como humilhada de sua fraqueza;
  relança á volta de si olhos furiosos, depois levanta-se de um pulo,
  exclamando:_) Ah! a faca de mato! (_Corre para o gabinete da toillete_).
  LIBORIO
  Bem sei... (_Vae atraz d'ella, e fecha-lhe a porta por fóra logo que
  ella entra_).
  ITELVINA
  (_fechada_) Abra, abra a porta!
  LIBORIO
  (_pegando do chapeo_) Medite, senhora, que eu passados tres dias, volto
  cá. (_Sahe pelo fundo_).
  ITELVINA
  (_batendo na porta_) É infame, é abominavel! Snr. Liborio! Olhe que
  quebro a porta. (_Pancadas cada vez mais fortes_) Abra-me a porta;
  peço-lhe que me abra a porta por quem é! Oh! que vil, que indigno
  procedimento!
  
  SCENA IV
  Itelvina (_fechada_) e Barnabé
  BARNABÉ
  (_entrando pelo fundo_) Ora aqui está! Em quanto eu estive aqui fechado,
  o Braga vendeu a casa da Carriça... Tenho de procurar outra...
  (_Itelvina bate á porta do gabinete. Barnabé que está perto, recua
  assustado_) Que diabo é isto?
  ITELVINA
  Abra-me a porta!
  BARNABÉ
  A minha filha fechada! (_alto_) Tu que fazes ahi?
  ITELVINA
  Abra, meu pae, abra!
  BARNABÉ
  Mas como foi isto? (_Vae para abrir_).
  ITELVINA
  Foi meu marido... Abra que eu lhe contarei.
  BARNABÉ
  (_retirando-se_) Teu marido!... diabo! diabo! isso é mais serio...
  ITELVINA
  Então, abre?
  BARNABÉ
  Minha filha, um sôgro não deve intervir entre marido e mulher.
  ITELVINA
  Então não abre?
  BARNABÉ
  Procedo como fino politico... Mantenho-me na neutralidade, na não
  intervenção.
  ITELVINA
  Mas eu suffoco!... (_Grando tropel dentro_).
  BARNABÉ
  Não suffocas, não... Isso passa!... (_á parte_) Ella arromba o
  sobrado!... (_Sahe_).
  ITELVINA
  (_batendo sempre_) Meu pae! meu pae! Foi-se?... Socorram-me! Acudam-me!
  
  SCENA V
  Sebastiana e Itelvina (_Sebastiana entra pela direita, trazendo pratos,
  talheres, pães e guardanapos_)
  SEBASTIANA
  A voz da senhora no gabinete de vestir... (_Pousa o que traz sobre o
  marmore do fogão_). É a senhora?
  ITELVINA
  Abre, Sebastiana, abre a porta.
  SEBASTIANA
  Ahi vou, ahi vou. (_Abrindo_) Que foi isto?
  ITELVINA
  Péga! (_Dá uma bofetada em Sebastiana_).
  SEBASTIANA
  Ah! a senhora bate-me?
  ITELVINA
  (_percorrendo o theatro furiosa_) Ó raiva! ó furor!
  SEBASTIANA
  Se eu soubesse que estava fechada...
  ITELVINA
  Perdôa-me, perdôa-me, Sebastiana... É a colera, são os nervos...
  (_Dá-lhe dinheiro_) Pega lá, guarda...
  SEBASTIANA
  Obrigado, minha senhora! (_á parte_) Ella é muito boasinha! (_Põe a meza
  na jardineira_).
  ITELVINA
  (_cahindo n'uma cadeira á direita_) Tudo que me succede é incrivel! é
  estupido! Este homem que eu julgava um choninhas, um maricas, um
  fracalhão, agarrou-me, e prostrou-me supplicante! Elle furioso,
  parecia-me até bonito! (_Voltando-se para Sebastiana que põe a meza_)
  Que estás a fazer?
  SEBASTIANA
  Ponho a meza, senhora.
  ITELVINA
  Aqui?!
  SEBASTIANA
  A senhora esqueceu-se das ordens que me deu esta manhan?
  ITELVINA
  Ah! sim, sim, esta manhan... então ainda eu me preoccupava com
  pieguices... Mas agora... (_Ouve-se a campainha_) Tocaram.
  SEBASTIANA
  Vou vêr. (_Sahe pelo fundo_).
  ITELVINA
  (_só_) Não póde ser meu pae nem meu marido... elles não tocavam. Se
  fôsse elle... ah! talvez seja... Macario! Quem sabe se a minha presença,
  despertando-lhe lembranças, acordou a sua paixão... Ah! se fôsse elle,
  se fôsse elle...
  SEBASTIANA
  (_entrando pelo fundo. Traz uma garrafa, copos e um papel_) Senhora, é
  um homem, enviado pelo snr. Macario, com este papel.
  ITELVINA
  (_pegando no papel com anciedade_) D'elle? dá cá, dá cá. (_Passa para a
  direita, em quanto Sebastiana põe a garrafa e os copos sobre o gueridon.
  Á parte_) Ah! não me enganei! Elle ama-me!... Triumpho, em fim!
  SEBASTIANA
  (_á parte_) Ella que terá?
  ITELVINA
  (_lendo_) «Anno do Nascimento de... 1885, aos 24 dias de... a
  requerimento...» Hein? papel sellado! (_lendo_) «A requerimento do snr.
  Macario dos Anjos, eu, official de justiça abaixo assignado, citei a
  snr.ª D. Itelvina Barnabé para pagar a quantia de 64$460 réis de
  porcellanas e crystaes quebrados, etc. etc. etc.» Ah!... (_Cahe em uma
  cadeira á direita e fica silenciosa_).
  SEBASTIANA
  (_que tem continuado a pôr a meza, corre para ella_) Ai! meu Deus! a
  senhora achou-se mal?
  
  SCENA VI
  Os mesmos e Barnabé
  BARNABÉ
  (_entrando cautamente pelo fundo e vendo Sebastiana que encobre a
  senhora_) Sebastiana! A senhora ainda está no gabinete?
  ITELVINA
  (_indo para o pae_) Meu pae!
  BARNABÉ
  (_querendo safar-se_) Olha!...
  ITELVINA
  Venha cá!...
  BARNABÉ
  Eu volto logo.
  ITELVINA
  Fique, meu pae. Vae-te embora, Sebastiana.
  SEBASTIANA
  Sim, minha senhora. (_Sahe pelo fundo_).
  BARNABÉ
  Vou-te contar... Descobri outra quinta no Candal.
  ITELVINA
  Meu pae, eu volto para o Mexico.
  BARNABÉ
  Com teu homem?
  ITELVINA
  Já não tenho homem.
  BARNABÉ
  Não tens homem? Então Liborio o que é? Parece que tens razão... Elle
  para homem parece-me muito atrazado... Tu lá sabes...
  ITELVINA
  Fujo de Portugal, das suas leis, do seu codigo, dos seus costumes
  (_ironicamente_) e da sua justiça...
  BARNABÉ
  Mas, desgraçada, tu vaes encontrar a mesma coisa no Mexico.
  ITELVINA
  No Mexico?
  BARNABÉ
  Portugal não tarda a lá chegar com a sua influencia, com os seus
  jornaes...
  ITELVINA
  Irei para a China.
  BARNABÉ
  Não sabes que Portugal está em Macáo! Basta lá estar o Camoens na gruta.
  ITELVINA
  Vou para o Japão.
  BARNABÉ
  Estão lá missionarios portuguezes... os jesuitas que tem um olho muito
  fino...
  ITELVINA
  Irei para uma ilha deserta. (_Passa para a esquerda_).
  BARNABÉ
  Ah! sim! se achares uma... Ilhas desertas são hoje rarissimas... Não se
  apanha meia...
  ITELVINA
  O pae vae comigo?
  BARNABÉ
  Eu!
  ITELVINA
  É indispensavel...
  BARNABÉ
  Nunca! Pede-me o que quizeres; mas viver só comtigo, isso, nunca!
  ITELVINA
  Não importa. Vou sosinha. (_Repassa para a direita_).
  BARNABÉ
  Filha!... juisinho, filha.
  ITELVINA
  Eu já não tenho pae... nem marido... nem familia. Parto! adeus! (_sahe
  pela porta da direita_).
  BARNABÉ
  (_vendo-a sahir, depois diz tranquillamente_) Fallaram-me d'uma casinha
  no Candal, e, se não fôr humida, tem muitas commodidades. Fiquei de me
  encontrar com o agente ás cinco horas, e...
  
  SCENA VII
  Barnabé e Liborio
  LIBORIO
  (_entrando pelo fundo, sem vêr Barnabé, e olhando para a porta do
  gabinete que está aberta_) Ah! já a soltaram! Sim... definitivamente é a
  melhor resolução... (_Vendo Barnabé_) Olá! o senhor!
  BARNABÉ
  Eu ia sahir.
  LIBORIO
  Eu tambem parto.
  BARNABÉ
  E para onde vae?
  LIBORIO
  Isso é que eu não sei; sei que vou para muito longe. (_Passa á
  esquerda_).
  BARNABÉ
  Muito longe?
  LIBORIO
  Se vir sua filha, diga-lhe que morri.
  BARNABÉ
  (_tranquillamente_) Está bem; direi.
  LIBORIO
  Diga-lhe que me matou Macario--dê-lhe esse regalão.
  BARNABÉ
  Está dito. Vá descançado.
  LIBORIO
  Vou arranjar a mala. (_Entra no gabinete_).
  BARNABÉ
  (_vê-o sahir e ata o seu monogolo_) É no Candal, suburbios de Villa Nova
  de Gaya; visitarei os armazens. Gaya dizem que tem um castello feito por
  um rei Mouro, e uma fonte celebre com uma agua muito fina, que seria a
  melhor bebida do mundo, se não estivessem ali perto as garrafeiras de
  1815. Logo ali ao pé está o convento da serra, um logar historico... É
  um bello arranjo... com repuxo. (_Desapparece pelo fundo--A scena fica
  vasia_).
  
  SCENA VIII
  Liborio e Itelvina
  ITELVINA
  (_entrando pela direita com uma malêta_) Creio que deixei aqui o meu
  chaile e o meu chapeu (_Põe a malêta sobre a meza_).
  LIBORIO
  (_sahindo do gabinete com a mala_) Onde diabo deixei eu a minha _Guia de
  viajantes_?
  ITELVINA
  (_achando o chaile e o chapeo sobre a cama_) Cá estão.
  LIBORIO
  (_achando a Guia_) Ella aqui está.
  ITELVINA
  (_parando junto d'elle_) Ah!... o senhor...
  LIBORIO
  (_surprehendido_) Ólé!... a senhora.
  ITELVINA
  Você parte?
  LIBORIO
  Parto.
  ITELVINA
  É boa! temos a mesma ideia!
  LIBORIO
  Tambem vae?
  ITELVINA
  Sim senhor... As ideas encontram-se.
  LIBORIO
  Muito bem; mas, embora se encontrem as ideas, é necessario que nós nos
  desencontremos. Para onde vae?
  ITELVINA
  Para onde o senhor não fôr.
  LIBORIO
  Temos o mesmo itinerario. (_Assenta-se perto da jardineira, tendo a mala
  sobre os joelhos cujas correias afivela, depois de lá ter mettido
  pequenos objectos que tirou do marmore do fogão_).
  ITELVINA
  Eu vou para o sul.
  LIBORIO
  Paizes quentes... vae muito bem. N'esse cazo, tomarei o caminho de ferro
  do norte.
  ITELVINA
  Ás mil maravilhas.
  LIBORIO
  Ora olhe... (_consulta o Guia_) Segue para Lisboa?
  ITELVINA
  Sigo no expresso.
  LIBORIO
  Ás 7 da tarde.
  ITELVINA
  Tão tarde!
  LIBORIO
  Vejamos a linha do norte. Quatro e quarenta e cinco... que zanga!
  ITELVINA
  D'aqui até lá, que se hade fazer?
  LIBORIO
  Uma ideia que o estomago me inspira. Estou em jejum. Jantarei antes de
  partir.
  ITELVINA
  Na estação de Campanhã? Pois vá!... Eu faço o mesmo.
  LIBORIO
  (_a sahir com a mala_) Adeusinho, e estimo que coma com bom appetite.
  ITELVINA
  Da mesma sorte. (_Vão ambos a sahir pela porta do fundo, e param,
  cedendo a passagem um ao outro cortezmente_). Faz favor.
  LIBORIO
  Queira passar, minha senhora...
  
  SCENA IX
  Os mesmos e Sebastiana
  SEBASTIANA
  Aqui está a sopa. (_Passa por deante de Liborio e colloca a terrina
  sobre o gueridon_).
  LIBORIO
  A sopa!... Como cheira bem!
  SEBASTIANA
  Está uma delicia, meu senhor! (_sahe pelo fundo_).
  ITELVINA
  (_á parte_) Uma senhora sosinha n'um restaurante...
  LIBORIO
  (_aproximando-se da meza_) Que aromatica!...
  ITELVINA
  (_á parte_) O que eu devo fazer é deixar-me estar (_Depõe a malêta, o
  chaile e o chapeo_).
  LIBORIO
  (_largando a mala_) Se eu tomasse um caldo...
  ITELVINA
  (_indo á jardineira, e achando Liborio a destapar a terrina_) Então
  sempre se resolve?...
  LIBORIO
  Ah!... é que eu... como o outro que diz...
  ITELVINA
  Sim... eu tambem reflecti que jantar sosinha n'um restaurante...
  Repara-se, não é verdade?
  LIBORIO
  (_pegando da mala e passando para a direita_) Tem razão e eu cedo-lhe a
  sopa.
  ITELVINA
  Então o senhor... não come!
  LIBORIO
  Boa viagem. (_sahe pelo fundo_).
  
  SCENA X
  ITELVINA
  (_só, parece muito agitada, e observa se Liborio não volta_) O tempo
  deve estar entroviscado... Cá o sinto nos nervos! (_Senta-se á esquerda
  da jardineira, e serve-se da sopa atabalhoadamente; come em silencio_)
  Esta sopa é detestavel! e depois não tenho appetite nenhum! (_Arremessa
  a colher_) Que é o que eu vou fazer a Lisboa? É uma tolice. Viajar, para
  quê? Lisboa já eu conheço... Se eu fôsse para o norte... (_Erguendo-se
  raivosa contra si_) Oh! Itelvina! tu és incrivel!... fazes coisas!... Eu
  fui muito injusta... porque elle amava-me... Meu pae foi o causador de
  tudo... Para que lhe disse elle... «Fez bem em matar Macario»? Oh! com
  certeza, teria elle feito uma boa acção, e a minha maior injustiça foi
  eu querer castigal-o por isso... Papel sellado!... que patife!...
  LIBORIO
  (_fóra_) Vae ahi á Batalha chamar o trem, depressa.
  ITELVINA
  É a voz d'elle!... tornou!...
  
  SCENA XI
  Itelvina e Liborio
  LIBORIO
  (_entrando pelo fundo_) Queira perdoar, minha senhora! Chove a cantaros;
  hade consentir que eu espere o trem que mandei buscar.
  ITELVINA
  Póde esperar, e como está em jejum, e a sopa está excellente... se
  quer...
  LIBORIO
  A sopa cheira bem... muito bem... Isso é verdade.
  ITELVINA
  Se não receia que o envenene...
  LIBORIO
  Oh!... (_reconsiderando_) Em fim... (_jovialmente_) visto que a senhora
  tambem come...
  ITELVINA
  Então sente-se.
  LIBORIO
  Pois sim... Nada, não quero... Tenho visto muitas comedias em que
  esposos zangados commettiam a imprudencia de comer juntos, e á sobremeza
  tinham a desgraça de fazer as pazes... Eu não quero que a senhora se
  persuada...
  ITELVINA
  Sem cerimonia... Não quer?
  LIBORIO
  Não duvido... mas peço licença para comer a minha sopa, longe, acolá,
  sobre aquella meza (_Leva para a meza da direita o seu talher e prato; á
  parte_) Antes quero isto.
  ITELVINA
  Á sua vontade... talvez estivesse mais seguro no páteo.
  LIBORIO
  Isso não, porque o vento me sacudiria a chuva sobre o prato. (_come_).
  ITELVINA
  (_comendo tambem_) Que triste tempo para viajar!...
  LIBORIO
  Não tanto assim... Em primeira classe vae-se agasalhado... Mas pergunto
  eu: a senhora por que vae?
  ITELVINA
  Porque não quero estar no Porto.
  LIBORIO
  Mas, visto que eu me retiro, a senhora fique.
  ITELVINA
  Sosinha?
  LIBORIO
  Não: com seu pae e com o defunto Macario.
  ITELVINA
  Acha que é de bom gosto fazer-me troça?
  LIBORIO
  Pois não me disse ainda ha pouco que o amava?
  ITELVINA
  O senhor não me acreditou. Conhece-me bastante para saber que eu não sou
  mulher que ame quem a ultraja... Quer beber? (_deita-lhe vinho no copo_)
  Beba, ande. Ora vá!...
  LIBORIO
  (_erguendo-se_) Muito obrigado (_Vae pegar do seu copo de sobre a
  jardineira e bebe_).
  
  SCENA XII
  Os mesmos e Sebastiana
  SEBASTIANA
  (_entrando pelo fundo com um prato_) Fil-a esperar, minha senhora: mas a
  causa foi o senhor que me mandou buscar um trem (_a Liborio:_) Já lá
  está.
  LIBORIO
  (_pousando o copo_) Ah! bem! (_saudando_) Minha senhora!
  ITELVINA
  (_a meia voz_) Deante da creada, não. (_alto_) Sáe, Sebastiana.
  SEBASTIANA
  (_pondo o prato sobre a jardineira_) Sim, minha senhora. (_Sahe pelo
  fundo levantando a terrina e os pratos servidos_).
  LIBORIO
  Agora, se me dá licença... (_faz mensão de sahir_).
  ITELVINA
  Peço-lhe que se demore um momento... O meu fim não é fazer a tal scena
  das pazes, descance. Mas, como não nos veremos mais é necessaria a
  ultima explicação.
  LIBORIO
  De que serve isso?
  ITELVINA
  De mais a mais, sobra-lhe tempo para jantar aqui ou na estação.
  (_Servindo-o_) Quer uma aza de perdigoto?
  LIBORIO
  O certo é que as emoçoens tem-me extenuado... Tomarei um pãosito; mas
  deixemo-nos de explicações, se faz favor... (_Pega d'um prato e pão e
  vae sentar-se á sua meza, a comer_).
  ITELVINA
  (_passados instantes_) Confesso que fui violenta, arrebatada; mas o
  senhor julga-se innocente?
  LIBORIO
  De modo nenhum. Eu pratiquei o enorme e condemnavel crime de me
  apresentar á senhora em fórma de carta a participar um enterro.
  Confesso, contrito, a culpa. Se me levassem a uma policia correccional e
  o juiz me perguntasse: «O snr. Liborio é réo?» Eu respondia: «Sou réo,
  snr. juiz!»
  ITELVINA
  O senhor prestou-se a uma ridicula mistificação, uma fraude ultrajante,
  odiosa, só com o fim de dilacerar uma mulher.
  LIBORIO
  Não foi isso.
  ITELVINA
  Então que foi?
  LIBORIO
  O caso é este. Macario tinha-me dito o diabo a quatro da senhora. Ora eu
  tenho cá para mim que quanto mais mal se diz de uma mulher, mais se
  deseja ser amado d'ella. A alma do homem é assim formada de estupidez e
  capricho...
  ITELVINA
  Huum! (_Depois de um curto silencio_) Quer beber? (_Enche o copo_).
  LIBORIO
  (_erguendo-se_) Agradeço (_vae á jardineira_) Muito obrigado, querida
  senhora! (_Bebe e torna a ir sentar-se, levando o copo_).
  ITELVINA
  (_tendo bebido_) Sempre o senhor me collocou n'uma situação bem
  exquisita! Eu julgava-o o assassino de Macario; e, n'esta persuasão, o
  meu dever qual era? que me cumpria fazer?
  LIBORIO
  Mandar chamar o chefe da policia.
  ITELVINA
  Eu conheco lá policias...
  LIBORIO
  Em vez d'isso, pensou lá comsigo: «Como é um scelerado, cazo com elle.
  Se o mettesse na Relação, elle poderia fugir vestido de mulher; mas,
  cazando com elle, é o mesmo que pôl-o na Penitenciaria, d'onde não se
  foge facilmente.
  ITELVINA
  (_erguendo-se e vindo ao meio_) E isso é tão verdade que o senhor gosa a
  liberdade de retirar-se quando quizer.
  LIBORIO
  Mas pergunto eu: tenho liberdade para offerecer a outra o nome que lhe
  dei? Posso mentir, enganar... e mais nada. Com toda a certeza, heide
  esquecêl-a; mas hade levar tempo... Não me fingo mais forte do que
  sou... Esta manhan ainda eu a amava... Como os homens são, senhora!...
  As mulheres, ás vezes, agradam pelos seus defeitos... e a senhora estava
  na conta. A senhora chorava de raiva; e eu ao deixal-a, chorava
  imbecilmente de saudade... d'amor! (_Ergue se_) Estupida confissão, mas
  verdadeira!... (_Passa á esquerda_) Ah! Como os homens são bêstas!
  Graças vos sejam dadas, Senhor! Isto acabou-se! (_Itelvina, sem lhe
  responder, corre á janella que abre_).
  ITELVINA
  (_atirando dinheiro á rua_) Cocheiro, ahi tem 10 tostoens; vá-se embora.
  LIBORIO
  
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