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Opúsculos por Alexandre Herculano - Tomo 09 - 11

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  Lida a carta, D. Maria chama o filho para irem visitar o solitario,
  porque só nelle poderá achar consolações. Pois que tem o solitario (de
  quem ella ha um instante tremia de medo) com o desamor de D. João? O
  poeta, que fôra o movedor d'esta ida está prestes, e lá vão ambos por
  montes e valles em cata do mysterioso anachoreta.
  Não tardam muito a encontrá-lo. É apenas o tempo necessario para a
  mutação da scena, cair e levantar-se o panno; não para mudança de acto,
  mas de quadro. O solitario está na caverna falando a sós comsigo. De seu
  dizer consta que havendo amado D. Maria Telles, e não podendo obtê-la
  por ser já casada com Alvaro Dias de Sousa, casara com sua irmã D.
  Leonor, que o deixou para subir ao throno. É, portanto, o eremita--João
  Lourenço da Cunha, que lida com suas maguas, e que depois de invocar a
  morte e sonhar vinganças, o que não é a mais approvada disposição moral
  para esse transe tremendo, cai desfallecido sobre um rochedo. É neste
  ponto que chegam Lopo Dias e sua mãi. lista apenas entra, diz-lhe que
  vem trazer-lhe consolações. Impertinencia de mulher! Quem lhe disse a
  ella que o anachoreta de cuja caverna ninguem ousa approximar-se, entrou
  na vida eremitica por desventuras e não pelo arrependimento de seus
  peccados? Quem lhe dá a certeza de que poderá consolá-lo, ella que não o
  conhece, e que não sabe provavelmente o que lhe ha de dizer? Dar-lhe
  consolações?! De que genero e de que modo? Que affirmou ella ao sair de
  casa? Que vinha pedir e não offerecer consolo. Disse uma coisa sem
  sentido, sem verdade, e agora diz outra. O solitario offende-se da
  offerta e com razão. Affirmando-se porém na recem chegada, reconhece-a,
  e ella reconhece-o a elle.--Explicações mutuas. João Lourenço refere
  então como foi elle o cavalleiro d'armas negras que lhe appareceu na
  capella, e explica-lhe o proceder do Infante. Este occultou na côrte o
  seu casamento, e a mão da Infante D. Beatriz acaba de lhe ser
  offerecida. Cheia d'angustia, neste logar, justa e bem fundada, D. Maria
  Telles pergunta: e _acceitou-a_?--Uma voz que sôa na bocca da caverna
  responde--_Acceitou_!--É o Commendador d'Elvas que assoma involto numa
  capa, já se sabe, negra. D. Maria desmaia e cai o panno.
  Este desfeixo do acto é natural e dramatico, e a melhor coisa de todo
  elle. O Commendador vendo-a sair seguia-lhe os passos; escutou a
  conversação, e em seus pensamentos de vingança não consentiu que outrem
  desse a punhalada mortal nessa mulher de quem queria vingar-se. Aqui o
  efleito dramatico vem naturalmente da situação e caracter dos
  personagens. Quanto ás scenas anteriores parece-nos que estão abaixo de
  toda a critica.
  Acto terceiro.--D. Leonor está só debatendo-se com os remordimentos de
  sua consciencia; entra o Commendador d'Elvas. Vem trazer-lhe a noticia
  de que fez ao Infante a proposta do casamento com D. Beatriz, e que
  achando-o mau de resolver lhe dera suspeitas de que sua mulher o
  trahira. D. Leonor relucta contra esta nova calumnia: martyrizam-na os
  remorsos porque viu em sonhos os castigos que lhes estavam reservados no
  outro mundo a elle Commendador e a ella Rainha; nesses tormentos,
  conforme o direito, e em vista da nossa moderna jurisprudencia
  dramatica, ha pontas de rochedos em braza para arrastar o miseravel
  Commendador. O triplicado da punição; as pontas, os rochedos e as
  brazas, aterram-no, mas finge-se resoluto. Não assim a rainha a quem os
  sonhos pavorosos não podem esquecer. Segue-se uma lucta moral em que os
  insultos refervem entre os dois. O Commendador sai ameaçando a rainha.
  Apenas esta se acha só, entra João Lourenço da Cunha: scena violenta
  entre os dois em que a rainha successivamente treme, humilha-se,
  amaldiçoa e ameaça, e em que elle fala constantemente a linguagem do
  odio profundo. No meio da altercação sobrevem o Infante que tendo João
  Lourenço por morto, crê que é a sua alma em pena. Este o ameaça tambem
  por querer dissolver o matrimonio contrahido com D. Maria Telles. A
  rainha nega o casamento: João Lourenço injuria-a de novo, e o Infante
  arranca da espada. A ponto já de brigarem acode el-rei aos brados de D.
  Leonor. João Lourenço que enfiou a ladainha dos doestos affronta tambem
  D. Fernando que chega a levar a mão á espada, mas que lembrando-se de
  quem é, manda-o como era de razão, metter na cadêa. Partindo, o antigo
  marido da rainha, pergunta a si mesmo, quem, preso elle, defenderá D.
  Maria Telles. D. Lopo Dias apparecendo no fundo responde-lhe;--_Seu
  filho_!--E cai o panno.
  Este acto, tem entre todos como é evidente, a primazia no desalinhavado
  e absurdo do desenho, posto que não lhe falta merito ás vezes na
  execução das scenas. Primeiramente como é crivel que tendo Garcia
  Affonso sido encarregado pela Rainha de propôr ao Infante o novo
  casamento, e estando este na côrte, o Commendador antes de dar parte a
  D. Leonor do desempenho da commissão, fosse a Coimbra levar a celebre
  carta do acto 2.^o, o que podia fazer qualquer pagem ou correio? Em
  segundo logar, não estaria doido João Lourenço, tendo tomado a peito
  defender D. Maria Telles, em vir metter-se nas garras da rainha, só para
  a injuriar e aos outros seus inimigos, porque não consta do drama que
  viesse fazer outra coisa? Que esperava elle lhe succedesse, entrando no
  paço, onde todos o conheciam, para practicar aquellas gentilezas, senão
  ir jazer na cadêa? Depois como entrou elle sem licença até o quarto de
  D. Leonor? É a mesma inverosimilhança do primeiro acto. O paço real no
  seculo XIV era menos vedado que hoje: permittia-o a differença dos
  tempos; mas nem por isso era uma taberna, onde qualquer entrasse quando
  e como lhe approuvesse; e todavia é sobre estes argumentos que assentam
  os dois ultimos actos. Quanto a este abster-nos-hemos de dizer mais nada
  contentando-nos com observar que termina por um effeito dramatico
  perfeitamente analogo ao desfeixo do segundo, isto é pelo apparecimento
  de um personagem inesperado.
  Acto quarto.--João Lourenço está na masmorra em que a propria
  imprudencia o lançou. Ahi se dóe e queixa de Deus, em vez de se queixar
  de si. No meio de suas lástimas passa uma barca pelo Téjo, e ouve-se
  nella uma voz que se approxima da prisão. A unica prisão em que podia
  estar João Lourenço era a dos paços do Castello e como de lá se ouvia
  uma voz no rio e esta se approximava da masmorra não será facil dizer:
  todavia deixemos bagatellas. Provavelmente quem cantava era D. Lopo que
  d'ahi a pouco entra no calaboiço, aliás, não intendemos que pudesse
  trazer-se a proposito tal cantiga que nada tem com o drama. D. Lopo vem
  livrá-lo, acompanhado do carcereiro que provavelmente para isso peitou.
  Isto de carcereiros comprados como meio dramatico, é coisa quasi tão
  velha e gasta quanto o estão os confidentes classicos. O prêso recusa a
  liberdade porque quer morrer. Aqui fica evidente a doidice de João
  Lourenço. Não podem ter passado cinco minutos desde que elle dizia: _Oh
  Senhor Deus deixar-me-heis morrer sem ter salvado a innocente Maria?...
  Oh, nem uma esperança me dais_?--e agora que o querem soltar responde
  com vehemencia; _deixai-me morrer; deixai-me morrer_!?--Pois se quer
  morrer para que estava apoquentando os céus com seus queixumes? Isto era
  capaz d'impacientar até o sancto dos sanctos. Em fim depois de varias
  ponderações do poeta phtysico o homem resolve-se a sair. D. Lopo diz-lhe
  que espere que vai arranjar os meios da fuga, e parte com o carcereiro.
  Fica só o prêso, porém não tarda companhia. Uma porta secreta se abre e
  D. Leonor entra, tira a chave e encaminha-se para seu primeiro marido.
  Vem dizer-lhe que elle ha de morrer alli mesmo: vem saciar o seu odio:
  João Lourenço depois de ameaças mutuas tira-lhe repentinamente a chave
  da porta secreta, e diz-lhe que vai salvar D. Maria Telles; a isto acode
  a Rainha que não lhe achará senão o cadaver. Desesperação de João
  Lourenço da Cunha, que supplica de joelhos, e que achando D. Leonor
  inabalavel, ergue-se furioso e quer matá-la com um punhal que traz
  escondido: é então que ella supplica; é então que elle se torna
  inexoravel. Aponto de a apunhalar chega D. Lopo; a esperança amortece a
  cholera no coração do marido da Rainha; o punhal cai-lhe das mãos. D.
  Leonor continua todavia a ficar de joelhos, a pedir não que lhe deixem a
  vida, porque esta já ella sabe que está salva; mas que a soltem: que lhe
  permitiam sair d'aquelle logar d'horror. Sublime hypocrisia que encubriu
  o animo damnado com a mascara do susto. Recusam-lho: então a cholera
  trasborda do peito d'essa mulher que é um abysmo de maldade. Nem a
  demora d'uma hora a que elles a condemnam saindo, soffre a rainha.
  Apenas se acha só a régia hyena corre, e lança raivosa as garras ás
  grades da masmorra; depois ajoelha e quer orar, mas alevanta-se logo, e
  sorri. Pensa um momento, e com gesto ameaçador exclama: _D'aqui a uma
  hora serei outra vez rainha_. Um pensamento atroz e medonho reluziu por
  certo á luz sanguinea que bruxulea nessa alma? Qual foi elle?
  Sabe-lo-hemos no sexto e derradeiro quadro.
  Nas tres ultimas scenas d'este curtissimo acto, tão curto que talvez a
  representação d'elle não occupe quinze minutos a scena, revela-se um
  poeta. Não mencionaremos defeitos porque o que tem excellente no-los
  varreu da memoria: o auctor comprehendeu perfeitamente o caracter de D.
  Leonor: ha aqui o talento profundo de um verdadeiro escriptor dramatico.
  Oxalá poderamos dar de tudo e de todo o drama os mesmos testemunhos de
  louvor e admiração! Com magua temos feito o contrario, porque é o nosso
  penoso dever distribuir recta e severa justiça, e corresponder á
  confiança que em nós depositou esta assemblêa.
  Quinto acto.--Estamos em Coimbra nos paços do Infante. Ao correr do
  panno D. Leonor e Garcia Affonso falam a sós. A rainha, segundo parece,
  saíu da prisão e chegou a Coimbra antes que João Lourenço e D. Lopo. Não
  6 isto provavel mas é possivel; porque o odio entranhavel costuma ser ás
  vezes mais diligente que todas as affeições. A scena da prisão, uma
  vingança falha, uma humilhação necessaria mas cruel, espertaram toda a
  violencia do caracter da rainha: os remorsos desappareceram, e ella
  precisa de sangue. Incita por isso o Commendador para que positivamente
  accuse sua irmã~ de adultera: conhecera pelo terror de João Lourenço que
  este a amava, e é de bom-grado fratricida para começar pela vingança que
  mais deve doer a seu antigo marido. É este o verdadeiro retrato de D.
  Leonor, mas o que é falso, o que não condiz com o caracter profundamente
  dissimulado que lhe attribue a historia, e o auctor tão bem pintou no
  fim do 4.^o acto, é o injuriar gratuitamente o mesmo homem que está
  incitando para que seja instrumento da sua vingança. Embora ambos se
  conhecessem bem mutuamente: embora estas duas almas negrissimas
  estivessem sem máscara; mas ainda os maiores malvados não ouzam recordar
  uns aos outros os seus crimes, e injuriarem-se com elles senão nos
  extremos de cholera. Vemos que do aspecto que toma esta scena e do seu
  desfeixo, depende a existencia de duas ou tres scenas seguintes: a
  inverosimilhança porém da origem diminue-lhes grande parte do merito que
  possam ter. As affrontas da rainha são correspondidas por Garcia
  Affonso, que acceitando a infame commissão, e um bracellete que deve
  servir de prova á calumnia, sai praguejando e ameaçando D. Leonor, e
  ameaçado e praguejado por ella. Esta scena é evidentemente desarrazoada,
  ou antes impossivel. D. Leonor fica só, e num monologo resolve a morte
  do Commendador: foi para isto que se delineou a scena antecedente. Por
  assim dizer, o auctor fez num drama o que se diz fazia Boileau nos seus
  alexandrinos, sugeitou a rima do primeiro verso á do segundo. Resolvido
  o assassinio do seu antigo cumplice, a rainha dá um signal e apparece
  Vasco seu pagem. D. Leonor diz-lhe que um homem a ultrajava: responde o
  pagem que lhe diga seu nome e elle morrerá: esta scena está felizmente
  imaginada e o caracter de um official d'assassino dado ao pagem é rapida
  e profundamente traçado. Vasco sai e a rainha esconde-se em uma camara
  para d'alli ver morrer Garcia Affonso. Apenas ella se retira o Infante
  entra com o Commendador d'Elvas que pretende persuadi-lo da infidelidade
  de D. Maria Telles e que por fim o convence com a prova do bracellete, o
  qual, diz elle, João Lourenço perdera. Fraquissima é a prova, mas
  acceitemo-la, visto que o Infante a acceita. Este arranca a adaga,
  arromba a porta da camara de Maria Telles e arroja-se para lá furioso.
  Garcia Affonso fica só e tirando um frasco de veneno, declara em um
  monologo que envenenará o Infante logo que tenha assassinado sua mulher.
  Vasco entra então, e gracejando com Garcia Affonso, diz-lhe que precisa
  de lhe communicar um segredo, mas que antes d'isso beberá com elle um
  trago de vinho. O aspecto de Vasco assustou o Commendador lembrado do
  que passou com a rainha, e de que este pagem é o executor das suas
  vinganças secretas. Emquanto Vasco vai buscar o vinho, elle lança á
  cautella veneno em uma das taças que alli estão, e quando o pagem volta
  enche-a e offerece-lh'a, tomando para si outra. Ambos levam as taças á
  bocca, mas nenhum bebe. Garcia Affonso põe a sua sobre a mesa e pergunta
  ao pagem qual é o segredo; rindo atrozmente este lhe pergunta se quer
  sabê-lo; Garcia Affonso responde que sim, e que o diga depressa porque
  lhe resta pouco tempo para o revelar por estar envenenado: o pagem
  continua a rir e replica que é elle que o está, e que esse era o
  segredo. Garcia Affonso despejando a taça mostra que lhe não tocara: o
  pagem faz o mesmo. O Commendador então lhe diz: _Pois bem! nem um nem
  outro morreremos_.--_Enganaes-vos_!--torna Vasco soltando uma risada
  terrivel e dando-lhe uma punhalada. Garcia Affonso, amaldiçoa-se a si e
  ao pagem, procurando tambem feri-lo. Neste momento ouve-se dentro a voz
  de D. Maria Telles que implora piedade. O horror appossa-se do
  Commendador agonizante, os gritos de D. Maria redobram, e o Infante sai
  da camara com a adaga na mão tinta em sangue. Os remorsos fazem que o
  Commendador moribundo confesse a innocencia de D. Maria Telles. O
  infante furioso quer cravar-lhe a adaga, mas antes d'isso cai morto.
  Garcia Affonso João Lourenço chega já tarde seguido de cavalleiros e
  povo: o Infante desesperado pede que o matem, e João Lourenço quer
  cumprir-lhe os desejos, quando D. Maria Telles saindo da camara o retem
  e vai cair nos braços do Infante a quem perdoa morrendo. Apparece então
  D. Leonor, e apontando para os cadaveres da irmã e de Commendador diz
  para o marido--que veja como se vingou uma rainha. D. Lopo apparecendo
  subitamente com a espada na mão, abre uma janella e mostrando a praça
  atulhada de povo armado, diz-lhe:--_Senhora rainha, o filho vingará
  tambem a morte de sua mãi, e o povo as injurias recebidas_. Assim se
  conclue o drama.
  Este acto é incontestavelmente o melhor, e o seu effeito scenico deve
  ser grande. Apesar das imperfeições que n'elle se pódem e com razão
  reprehender, o auctor procurou resgatar aqui os defeitos que pullulam
  nos antecedentes, como successivamente notamos em cada um d'elles.
  Restam algumas observações sobre estylo e linguagem: assim completaremos
  o exame d'este drama visto a todas as luzes a que se deve considerar.
  O estylo para dizer tudo em poucas palavras é o da moda: isto é, a maior
  parte das vezes falso: comparações frequentes, que a situação moral dos
  personagens que as fazem não comporta: certa poesia na dicção impropria
  do dialogo: fartura d'essas exaggerações com que embasbacam os parvos da
  platéa, e que os homens de juizo não podem soffrer. Ás mãos cheias estão
  por ahi derramadas as maldições, os anjos de azas brancas, os rochedos
  em braza, os infernos, os demonios, e toda a mais ferramenta dramatica,
  usada hoje no theatro, e que não sabemos d'onde veio, porque sendo
  evidente que os nossos escriptores principiantes buscam imitar os
  grandes dramaturgos franceses, é certo que raramente acharão lá essa
  linguagem ôca e falsa, que só póde servir para disfarçar a falta de
  affectos e pensamentos: Victor Hugo e Dumas não precisam nem usam de
  taes meios, e para citarmos de casa, já que temos cá o exemplo, que
  esses noveis vejam se nos dramas do nosso primeiro escriptor dramatico,
  se no _Aucto de Gil Vicente_ ou no _Alfageme_ ha essa linguagem de
  cortiça e ouropel, ha essas expressões turgidas e descommunaes que fazem
  arripiar o senso commum, e que offendem a verdade e a natureza. O estylo
  é tudo, dizia Voltaire. Não somos da sua opinião absolutamente, mas é
  incontestavel que uma obra litteraria excellente em todas as demais
  partes, se lhe falecer a propriedade do estylo nunca poderá obter para
  seu auctor uma reputação duradoira. Não faltam na historia litteraria de
  todas as nações exemplos d'esta exactissima observação.
  Quanto aos erros de lingua e construcção, faceis são elles de emendar:
  assim o fossem os de estylo, e ainda mais os de contextura!
  Intoleraveis, mais que nenhuns, nos parecem o vicio constante do
  introduzir um _i_ nas segundas pessoas do plural dos preteritos como
  _fizesteis_, _tivesteis_, etc.--por fizestes, tivestes; _soffrer_ por
  _padecer_, sendo a significação portuguesa de _soffrer_ a de _padecer
  com paciencia ou constancia_: o uso demasiado dos possessivos que tanto
  afrancezam o nosso mui illiptico idioma: a substituição escusada de
  preteritos simples pelos compostos do participio e dos auxiliares:
  tautologias indisculpaveis, como--_abysmo immenso e sem fim_; _caverna
  que parece zombar e escarnecer, etc._;--gradações ás avessas, como:
  _cheio de desesperação e pesar_. A estes e outros defeitos poderia o
  auctor dar remedio revendo attentamente o manuscripto, que talvez o
  limite de tempo para o concurso lhe não deixou aperfeiçoar e pulir, e
  por isso intendemos dever nessa parte ser indulgente a censura do
  Conservatorio.
  Temos feito longa e severamente a critica do drama--_D. Maria
  Telles_.--Fizemo-lo assim por muitas e mui urgentes razões. Tem soado
  queixas contra a fórma demasiado simples com que se costumam exarar os
  pareceres sobre os dramas que annualmente concorrem a premios: conselhos
  sinceramente dados tem-se tomado pela expressão do orgulho; imaginou-se
  uma aristocracia litteraria, contraria a todos os ingenhos que surgem de
  novo. É preciso confessar que pelo que toca ao não motivado, e á
  brevidade dos pareceres, sobre tudo d'aquelles que condemnam, é justa a
  queixa. Todas as mais são infundadas. Os factos de quatro annos ahi
  estão provando o contrario. Se alguma culpa se pode lançar ao
  Conservatorio é a nimia indulgencia; já algumas das suas sentenças
  favoraveis tem sido reformadas pelo supremo tribunal do publico, ao
  passo que ainda nenhum drama condemnado por elle toi levado por
  appellação ao grande jury da opinião da platea: todavia se os auctores
  d'esses dramas tinham a consciencia da injustiça no julgamento, para lá
  deviam aggravar-se. Esta é a nossa defensão completa contra as vãs
  accusações de parcialidade; contra os sonhos de uma imaginaria
  aristocracia litteraria com que a mediocridade pretende passar aos olhos
  de parvos e ignorantes, pelo ingenho perseguido ou menoscabado.
  A Secção da Litteratura pensa por tanto, que importa ao bom nome do
  Conservatorio o fazer sempre miuda e inexoravelmente o exame dos dramas
  que concorrem aos premios, e motivar largamente as suas sentenças. Tanto
  os concorrentes como a nação teem direito de assim o exigirem. O tempo
  da censura inquisitorial, que muitas vezes só serve de capa á
  incapacidade, passou. É nossa obrigação restricta fundamentar as
  opiniões que assentamos: julgadores aqui, seremos lá fóra réos, e o
  commum juiz que é o publico não está adstricto a julgar por nossas
  palavras. Por outra parte esta miudeza e severidade de critica servirá
  de correcção aos auctores, para cuja emenda é inutil um parecer
  superficial e vazio de doutrina, ao passo que lhes habilita o amor
  proprio para crer que não foram elles, mas fomos nós os que errámos.
  Além d'isso, a Secção da Litteratura intende que é necessario ser
  finalmente severa a censura do Conservatorio, para o verdadeiro
  progresso dramatico. Durante quatro annos este progresso tem sido
  unicamente em extensão: falta a profundidade. O numero dos dramas
  augmenta, mas o merito d'elles é o mesmo, senão é menor. A principio
  convinha affagar todas as tentativas: hoje é preciso afastar as não
  vocações dramaticas que a facilidade das recompensas tem tornado em
  demasia ousadas, e é preciso constranger aquelles que podem e sabem
  produzir fructos de verdadeiro ingenho a darem ao theatro obras que os
  honrem e honrem a patria.
  Pelo que respeita em especial ao drama--_D. Maria Telles_--a Secção de
  Litteratura ainda pede para elle a indulgencia do Conservatorio. A
  leitura d'esta composição revéla a verdura d'annos e inexperiencia do
  seu auctor. O desconnexo e inverosimil da contextura, a ignorancia quasi
  absoluta dos costumes e instituições da epoca escolhida, e ainda mais a
  falta de conhecimento da logica das paixões e affectos, e por isso da
  consistencia dos caracteres estão dizendo que o mundo e a sociedade é em
  grande parte um mysterio para elle, mysterio que ainda mal as
  tempestades politicas e a vida demasiado energica do nosso seculo lhe
  revelarão em breve. Se o auctor quiser acceitar os conselhos prudentes
  que para melhorar o seu escripto lhe não recusarão, por certo, os
  membros d'este Conservatorio, o drama--_D. Maria Telles_--poderá subir á
  scena, não com a certeza de obter a approvação de summo juiz
  o--publico--mas de apparecer ante elle sem deshonra sua, e sem que nós
  sejamos accusados de desleixo no cumprimento dos nossos deveres. O
  parecer da Secção da Litteratura é portanto, que a Mesa convide o auctor
  do drama a dirigir-se a ella para o fim apontado. O Conservatorio
  resolverá o que fôr mais justo e conveniente.--_Alexandre Herculano_.
  
  
  *D. Leonor d'Almeida, Marqueza d'Alorna*
  
  
  *D. Leonor d'Almeida, Marqueza d'Alorna*[24]
  
  Por grande que deva ser a gratidão que se associa ás recordações
  d'aquelles que nos geraram, por funda que vá a saudade inseparavel da
  memoria paterna, no coração do bom filho ha um affecto não menos puro, e
  não menos indestructivel para o homem cujo espirito allumiado pela
  cultura intellectual tem a consciencia de que o seu logar e os seus
  destinos no mundo são mais elevados e nobres que os d'esses tantos que
  nasceram para viverem uma vida toda material e externa, e depois
  morrerem sem deixar vestigio. Este affecto é uma especie de amor filial
  para com aquelles que nos revelaram os thesouros da sciencia; que nos
  regeneraram pelo baptismo das letras; que nos disseram: «caminha!» e nos
  apontaram para a senda do estudo e da illustração, caminho tão povoado
  de espinhos como de flores, e em cujo primeiro marco milliario muitos se
  teem assentado, não para repousarem e seguirem ávante, mas para
  retrocederem desalentados, quando sózinhos não sentem mão amiga apertar
  a sua e conduzi-los após si. Tirai á paternidade os exemplos de um
  proceder honesto, as inspirações da dignidade humana, a severidade para
  com os erros dos filhos, os cuidados da sua educação, e dizei-nos o que
  fica? Fica um certo instincto, ficam os laços do habito, e para impedir
  que tão frageis prisões se partam, fica o preceito de cima que nos
  ordena acatemos e amemos os que nos geraram, ainda que a elles não nos
  prenda senão a dadiva da existencia, esse tão contestavel beneficio.
  Pelo contrario aquelles que foram nossos mestres; que nos attrahiram com
  a persuação e com o proprio exemplo para o bom e para o bello; que nos
  abriram as portas da vida interior; que nos iniciaram nos contentamentos
  supremos que ella encerra; para esses não é preciso que a lei de
  agradecimentos e de amor esteja escripta por Deus: a razão e a
  consciencia estamparam-na no coração: cada gozo intellectual do poeta,
  do erudito, do sabio, lh'a recorda, e quando elles se comparam com o
  vulgo das intelligencias, reconhecem plenamente a justiça do sentimento
  de gratidão que os domina.
  Estas reflexões occorreram-me ao abrir o primeiro volume das obras da
  senhora marqueza de Alorna, condessa de Oeinhausen e Assumar, D. Leonor
  d'Almeida, que actualmente se publicam e de que já dois volumes se acham
  nitidamente impressos. E foi para mim um prazer verdadeiro escrever
  estas cogitações d'um momento. Aquella mulher extraordinária, a quem só
  faltou outra patria, que não fosse esta pobre e esquecida terra de
  Portugal, para ser uma das mais brilhantes provas contra as vãs
  pretensões de superioridade excessiva do nosso sexo, é que eu devi
  incitamento e protecção litteraria, quando ainda no verdor dos annos
  dava os primeiros passos na estrada das letras. Apraz-me confessá-lo
  aqui, como outros muitos o fariam se a occasião se lhes offerecesse;
  porque o menor vislumbre d'engenho, a menor tentativa d'arte ou de
  sciencia achavam nella tal favor, que ainda os mais apoucados e timidos
  se alentavam; e d'isso eu proprio sou bem claro argumento. A critica da
  senhora marqueza de Alorna não affectava jamais o tom pedagogico e quasi
  insolente de certos litteratos que ás vezes nem sequer entendem o que
  condemnam, e que tomam a brancura das proprias cãs por titulo de
  sciencia, de gosto, e de tudo. A sua critica era modesta e tinha não sei
  o que de natural e affectuoso que se recebia com tão bom animo como os
  louvores, de que não se mostrava escaça quando merecidos. Uma virtude
  rara nos homens de letras, mais rara talvez entre as mulheres que se
  teem distinguido pelo seu talento e saber, é a de não alardearem
  escusadamente erudição, e essa virtude tinha-a a senhora marqueza em
  grau eminente. A sua conversação variada e instructiva era ao mesmo
  tempo facil e amena. E todavia dos seus contemporaneos quem conheceu tão
  bem, não dizemos a litteratura grega e romana, em que egualava os
  melhores, mas a moderna de quasi todas as nações da Europa, no que
  nenhum dos nossos portugueses por ventura a egualou? Como madame de
  Stael ella fazia voltar a attenção da mocidade para a arte de Alemanha,
  a qual veio dar nova seiva á arte meridional que vegetava na imitação
  servil das chamadas letras classicas, e ainda estas estudadas no
  transumpto infiel da litteratura francesa da epocha de Luís XIV. Foi por
  isso, e pelo seu profundo engenho, que, com sobeja razão, se lhe
  attribuiu o nome de Stael portuguesa.
  A vida d'esta nossa celebre compatricia acha-se á frente da edição das
  suas obras: para lá remetto o leitor. Ahi verá como em todas as phases
  da sua larga e não pouco tempestuosa carreira, ella soube dar perenne
  testemunho do seu nobre caracter de independencia e generosidade: verá
  que emquanto na terra natal primeiro a tyrannia e depois a ignorancia e
  a inveja a perseguiam, ella ia encontrar entre estranhos a justa
  estimação de principes e de illustres personagens da republica das
  letras. Ahi verá como nascida no seculo do materialismo, vivendo largos
  annos no foco das idéas anti-religiosas, acostumada a ouvir todos os
  dias repetir essas idéas por homens de incontestavel talento, ella soube
  conservar pura a crença da sua infancia, e expirar no seio do
  christianismo. Ahi finalmente verá como as ausencias, por vezes
  involuntarias, da sua terra natal, não puderam fazer-lhe esquecer o amor
  que devemos a esta, ainda no meio das injustiças e violencias de todo o
  genero.
  O primeiro volume das obras poeticas da senhora marqueza de Alorna
  contém, afóra a vida da auctora, e uma noticia biographica do conde de
  Oeynhausen seu marido, as poesias compostas na mocidade. Boa parte
  d'estas foram escriptas no mosteiro de Chellas, para onde entrou de oito
  annos de idade com sua mãi, occorrendo a prisão do marquez de Alorna D.
  João. Encerrada naquelle mosteiro passou D. Leonor d'Almeida os annos
  mais viçosos da juventude, tendo para alegrar as tristezas de tão longo
  captiveiro que excedeu desoito annos, unicamente o linitivo do estudo, e
  os conselhos e affagos maternos. Quisera alguem que tivesse havido mais
  severidade na escolha das composições d'aquella epocha, algumas das
  quaes desdizem do primor que noutras posteriores se encontra. Eu lamento
  só que senão pudesse ajunctar a cada uma a sua data. Assim, bem longe de
  ter sido um inconveniente essa desigualdade innegavel, houvera ella sido
  um meio para se avaliarem bem os rapidos progressos da joven auctora,
  que nas obras de tão verdes annos annunciava já o seu brilhante futuro
  
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