Os Lusíadas - 12

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Varrendo triumphantes eſtandartes
Pellas ondas, que corta a aguda quilha,
E acharão eſtas Nimphas & eſtas meſas,
Que glorias & hõras ſam de arduas empreſas
Aſsi cantaua a Nimpha & as outras todas
Com ſonoroſo aplauſo vozes dauão,
Com que feſtejão as alegres vodas,
Que com tanto prazer ſe celebrauão:
Por mais que da Fortuna andem as rodas
Nũa conſona voz todas ſoauão,
Não vos hão de faltar gente famoſa,
Honra, valor, & fama glorioſa.
Deſpois que a corporal neceſsidade
Se ſatisfez do mantimento nobre,
E na armonia & doce ſuauidade,
Virão os altos feitos, que deſcobre,
Thetis de graça ornada, & grauidade,
Pera que com mais alta gloria dobre,
As festas deſte alegre & claro dia,
Pera o felice Gama aſsi dizia.
Faz te merce barão a Sapiencia
Suprema, de cos olhos corporais
Veres, o que não pode a vã ciencia
Dos errados & miſeros mortais:
Sigueme firme, & forte, com prudencia
Por este monte eſpeſſo, tu cos mais.
Aſsi lhe diz, & o guia por hum mato
Arduo, difficil, duro a humano trato.
Não andão muito que no erguido cume
Se acharão, onde hum campo ſe eſmaltaua,
De Eſmeraldas, Rubis, tais que preſume
A vista, que diuino chão piſaua:
Aqui hum globo vem no ar, que o lume
Clariſsimo por elle penetraua,
De modo que o ſeu centro eſta euidente,
Como a ſua ſuperficia, claramente.
Qual a materia ſeja não ſe enxerga,
Mas enxergaſſe bem que estâ composto
De varios orbes, que a diuina verga
Compos, & hum centro a todos ſo tem poſto:
Voluendo, ora ſe abaxe, agora ſe erga,
Nũca ſergue, ou ſe abaxa, & hũ meſmo roſto
Por toda a parte tem, & em toda a parte
Começa & acaba, em fim por diuina arte.
Vniforme, perſeito, em ſi ſoſtido,
Qual em fim o Archetipo, que o criou:
Vendo o Gama este globo, comouido
De eſpanto & de deſejo ali ficou,
Dizlhe a Deoſa, O traſunto reduzido
Em pequeno volume aqui te dou,
Do mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vas, & yrâs, & o que deſejas.
Ves aqui a grande machina do mundo,
Eterea, & elemental, que fabricada
Aſsi foy do ſaber alto, & profundo,
Que he ſem principio, & meta limitada,
Quem cerca em derredor eſte rotundo
Globo, & ſua ſuperficia tão limada,
He Deos, mas o q̃ he Deos ninguẽ o entende,
Que a tanto o engenho humano não ſe eſtẽde.
Eſte orbe que primeiro vay cercando
Os outros mais pequenos, que em ſi tem,
Que eſtâ com luz tão clara radiando,
Que a vista cega, & a mente vil tambem,
Empireo ſe nomea, onde logrando
Puras ahnas estão de aquelle bem,
Tamanho, que elle ſo ſe entende & alcança,
De quem não ha no mundo ſemelhança.
Aqui ſo verdadeiros glorioſos
Diuos eſtão, porque eu, Saturno & Iano,
Iupiter, Iuno, fomos fabuloſos
Fingidos de mortal & cego engano:
So pera fazer verſos dedeitoſos
Seruimos, & ſe mais o trato humano
Nos pode dar, he ſo que o nome noſſo
Neſtas eſtrellas pos o engenho voſſo.
E tambem porque a ſanta prouidencia,
Que em Iupiter aqui ſe repreſenta,
Por eſpiritos mil, que tem prudencia,
Gouerna o mundo todo, que ſuſtenta:
Inſinalo a prephetica ſciencia,
Em muitos das exemplos, que apreſenta,
Os que ſam bõs, guiando fauorecem,
Os maos, em quanto podem, nos ompecem.
Quer logo aqui a pintura que varîa,
Agora deleitando, ora inſinando,
Darlhe nomes, que a antiga Poeſia
A ſeus Deoſes ja dera, fabulando:
Que os Anjos de celeſte companhia
Deoſes o ſacro verſo eſtâ chamando,
Nem nega que eſſe nome preminente,
Tambem aos maos ſe dà, mas falſamente.
Em fim que o ſumo Deos, que por ſegundas
Cauſas obra no mundo, tudo manda:
E tornando a contarte das profundas
Obras da mão diuina veneranda,
Debaxo deſte circulo onde as mundas
Almas diuinas gozão, que não anda,
Outro corre tam leue & tam ligeiro,
Que não ſe enxerga, he o Mobile primeiro.
Com eſte rapto, & grande mouimento,
Vão todos os que dentro tem no ſeyo,
Por obra deſte, o Sol andando atento
O dia & noite faz, com curſo alheyo:
Debaxo deſte leue anda outro lento,
Tam lento, & ſojugado a duro freyo,
Que em quanto Phebo, de luz nunca eſcaſſo,
Dozentos curſos faz, dâ elle hum paſſo.
Olha estoutro debaxo, que eſmaltado
De corpos liſos anda, & radiantes,
Que tambem nelle tem curſo ordenado,
E nos ſeus axes correm ſcintilantes:
Bem ves como ſe veſte, & faz ornado
Co largo cinto douro, que estellantes
Animais doze traz afigurados,
Apoſentos de Phebo limitados.
Olha por outras partes a pintura,
Que as eſtrellas fulgentes vão fazendo.
Olha a carreta, atenta a Cinoſura,
Andromeda, & ſeu pay, & o drago horrẽdo:
Vê de Caſsiopea a fermoſura,
E do Orionte o geſto turbulento,
Olha o Ciſne morrendo que ſoſpira,
A Lebre, & os Cães, a Nao, & a doce Lira.
Debaxo deſte grande firmamento,
Ves o ceo de Saturno Deos antigo,
Iupiter logo faz o mouimento,
E Marte abaxo bellico inimigo,
O claro olho do ceo no quarto aſſento,
E Venus, que os amores traz conſigo,
Mercurio de eloquencia ſoberana,
Com tres roſtos debaxo vay Diana.
Em todos eſtes orbes, differente
Curſo veras, nũs graue, & noutros leue:
Ora fogem do centro longamente,
Ora da terra eſtão caminho breue,
Bem como quis o padre omnipotente
Que o fogo fez, & o ar, o vento, & neue,
Os quaes veras que jazem mais a dentro,
E tem co mar a terra por ſeu centro.
Neſte centro pouſada dos humanos,
Que não ſomente ouſados ſe contentão
De ſoffrerem da terra firme os danos
Mas inda o mar inſtabil eſprimentão,
Virâs as varias partes, que os inſanos
Mares diuidem, onde ſe apouſentão
Varias nações, que mandão varios Reis,
Varios costumes ſeus, & varias leis.
Ves Europa Chriſtaã mais alta & clara
Que as outras em policia, & fortaleza:
Ves Africa dos bens do mundo auara,
Inculta, & toda chea de bruteza,
Co Cabo que ate qui ſe vos negâra,
Que aſſentou para o Auſtro a natureza:
Olha eſſa terra toda, que ſe habita
Deſſa gente ſem ley, quaſi infinita.
Vé do Benomotapa o grande imperio,
De ſeluatica gente, negra & nua:
Onde Gonçalo morte & vituperio
Padecerâ, polla ſe ſancta ſua:
Nace por aste incognito Hemiſperio
O metâl, por que mais a gente ſua,
Ve que do lago, donde ſe derrama
O Nilo, tambem vindo eſtâ Cuama.
Olha as caſas dos negros, como estão
Sem portas, confiados em ſeus ninhos
Na justiça real, & defenſam,
E na fidelidade dos vizinhos:
Olha delles a bruta multidão
Qual bando eſpeſſo & negro de Estorninhos,
Combaterà em Sofala a fortaleza,
Que defenderâ Nhaya com destreza.
Olha la as alagoas, donde o Nilo
Nace, que não ſouberão os antigos,
velo rega, gerando o Crocodilo,
Os pouos Abaſsis de Chriſto amigos,
Olha como ſem muros (nouo eſtilo)
Se defendem milhor dos inimigos,
Ve Meroe, que ilha foy de antiga fama
Que ora dos naturais Nobâ ſe chama.
Neſta remota terra, hum filho teu
Nas armas coutra os Turcos ſerâ claro,
Ha de ſer dom Chriſtouão o nome ſeu,
Mas contra o fim fatal não ha reparo:
Ve ca a Coſta do mar, onde te deu
Melinde hoſpicio gaſalhoſo & caro
O Rapto rio nota, que o romance
Da terra chama Obî, entra em Quilmance.
O Cabo ve ja Aromâta chamado,
E agora Goardofû dos moradores,
Onde começa a toca do afamado
Mar roxo, que do fundo toma as cores
Este como limite eſta lançado
Que diuide Aſia de Africa, & as milhores
Pouoaçoẽs, que a parte Africa tem
Maçuâ ſam, Arquico, & Suamquem.
Ves o extremo Suez, que antigamente
Dizem que foy dos Heroas a cidade,
Outros dizem qne Arſinoe, & ao preſente
Tem das frotas do Egipto a poteſtade:
Olha as agoas, nas quaes abrio patente
Eſtrada o gram Mouſes na antiga ydade
Aſia começa aqui, que ſe apreſenta
Em terrás grande, em reinos opulenta.
Olha o monte Sinay, que ſe ennobrece
Co ſepulchro de ſancta Caterina,
Olha Toro, & Gidâ, que lhe falece
Agoa das fontes doce, & criſtalina:
Olha as portas do estreito, que fenece
No reyno da ſeca Adem, que confina
Com a ſerra Darzira, pedra viua,
Onde chuua dos Ceos ſe não deriua.
Olha as Arabias tres, que tanta terra
Tomão, todas da gente vaga, & baça,
Donde vem os caualos pera a guerra
Ligeiros, & feroces, de alta raça:
Olha a coſta que corre ate que cerra
Outro eſtreito de Perſia, & faz a traça
O Cabo, que co nome ſe apellida,
Da cidade Fartaque ali ſabida,
Olha Dofar inſigne, porque manda
O mais cheiroſo encenço pera as aras:
Mas atenta ja ca deſtroutra banda
De Roçalgate, & prayas ſempre auaras,
Começa o reyno Ormuz, que todo ſe anda
Pellas ribeiras, que inda ſerão claras
Quando as gales do Turco, & fera armada
Virem de Castel branco nua a eſpada.
Olha o Cabo Aſaboro, que chamado
Agora he Moçandão dos nauegantes.
Por aqui entra o lago, que he fechado
De Arabia, & Perſias terras abundantes.
Atenta a ilha Barem, que o fundo ornado
Tem das ſuas perlas ricas, & imitantes
Aa cor da Aurora: & ve na agoa ſalgada
Ter o Tigris & Eufrates hũa entrada.
Olha da grande Perſia o imperio nobre
Sempre posto no campo, & nos caualos,
Que ſe injuria de vſar fundido cobre,
E de não ter das armas ſempre os calos:
Mas ve a ilha Gerum, como deſcobre
O que fazem do tempo os interualos,
Que da cidade Armuza, que ali eſteue
Ella o nome deſpois, & a gloria teue.
Aqui de dom Felipe de Meneſes
Se mostrarâ a virtude em armas clara,
Quando com muito poucos Portugueſes
Os muitos Parſeos vencerâ de Lara:
Virão prouar os golpes & reueſes
De dom Pedro de Souſa, que prouâra
Ia ſeu braço em Ampaza, que deixada
Terâ por terra a força ſo de eſpada.
Mas deixemos o eſtreito, & o conhecido
Cabo de Iaſque dito ja Carpella,
Com todo o ſeu terreno mal querido
Da natura, & dos dões vſados della,
Carmania teue ja por apelido:
Mas ves o fermoſo Indo, que daquella
Altura nace junto aa qual tambem
Doutra altura correndo o Gange vem.
Olha a terra de Vlcinde fertiliſsima,
E de Iaquete a intima enſeada,
Do mar a enchente ſubita grandiſsima,
E a vazante que foge apreſſurada:
A terra de cambaya ve ríquiſsima,
Onde do mar o ſeo fazmentrada,
Cidades outras mil, que vou paſſando,
A voſoutros aqui ſe estão guardando.
Ves corre a coſta cèlebre Indiana
Pera o Sul, ate o Cabo Comori
Ia chamado Cori, que Taprobana
(Que ora he Ceilão) de fronte tem de ſi:
Por este mar a gente Luſitana
Qua com armas virâ deſpois de ti,
Terâ vitorias terras, & cidades
Nas quaes ham de viuer muitas ydades,
As prouincias, que entre hum & o outro rio
Ves com varias nações, ſam infinitas:
Hum reyno Mahometa, outro Gentio,
A quem tem o Demonio leis eſcriptas:
Olha que de Narſinga o ſenhorio
Tem as reliquias ſanctas & benditas,
Do corpo de Thome, barão ſagrado,
Qut a Ieſu Chriſto teue a mão no lado.
Aqui a cidade foy, que ſe chamaua
Meliapor, fermoſa, grande, & rica:
Os Idolos antigos adoraua:
Como inda agora faz a gente inica:
Longe do mar naquelle tempo eſtaua:
Quando a fe, que no mundo ſe pubrica,
Thome vinha prègando, & ja paſſàra
Prouincias mil do mundo, que inſinàra.
Chegado aqui prègando, & junto dando
A doentes ſaude, a mortos vida
A caſo traz hum dia o mar vagando,
Hum lenho de grandeza deſmedida:
Deſeja o Rey, que andaua edificando,
Fazer delle madeira, & não duuida
Poder tiralo a terra compoſſantes
Forças dhomẽs, de engenhos de Aliphantes.
Era tão grande o peſo do madeiro
Que ſo pera abalarſe, nada abaſta,
Mas o nuncio de Christo verdadeiro,
Menos trabalho em tal negocio gaſta:
Ata o cordão que traz por derradeiro
No tronco, & facilmente o leua & arraſta
Pera onde faça hum ſumptuoſo templo,
Que ficaſſe aos futuros por exemplo.
Sabia bem que ſe com fe formada
Mandar a hum monte ſurdo, que ſe moua,
Que obedecerà logo aa voz ſagrada,
Que aſsi lho inſinou Chriſto, & elle o proua:
A gente ficon diſto aluoroçada,
Os Bramenes o tem por couſa noua,
Vendo os milagres, vendo a ſantidade,
Hão medo de perder autoridade.
Sam estes ſacerdotes dos Gentios,
Em quem mais penetrado tinha enueja,
Buſcão maneiras mil, buſcão deſuios
Com que Thome não ſe ouça, ou morto ſeja:
O principal, que ao peito traz os fios,
Hum caſo horrendo faz, que o mundo veja
Que inimiga não ha tão dura, & fera,
Como a virtude falſa da ſincera.
Hum filho proprio mata, & logo acuſa
De homecidio Thome, que era innocente
Dâ falſas teſtemunhas, como ſe vſa
Condenarã no a morte breuemente:
O Santo que não vè milhor eſcuſo,
Que apellar pera o Padre omnipotente,
Quer diante do Rey, & dos ſenhores,
Que ſe faça hum milagre dos mayores.
O corpo morto manda ſer trazido
Que reſucite, & ſeja perguntado,
Quem foy ſeu matador, & ſerâ crido
Por teſtemunho o ſeu mais aprouado:
Viram todos o moço viuo erguido
Em nome de Ieſu crucificado,
Dâ graças a Thome, que lhe deu vida
E deſcobre ſeu pay ſer homicida.
Este milagre fez tamanho eſpanto,
Que o Rey ſe banha logo na ago ſanta,
E muitos apos elle, hum beija o manto
Outro lauuor do Deos de Thome canta:
Os Bramenes ſe encherão de odio tanto,
Com ſeu veneno os morde enueja tanta,
Que perſuadindo a iſſo o pouo rudo,
Determinão matalo em fim de tudo.
Hum dia que prègando ao pouo estaua,
Fingirão entre a gente hum arroido,
Ia Christo neſte tempo lhe ordenaua,
Que padecendo foſſe ao Ceo ſubido:
A multidão das pedras, que voaua,
No Santo dâ ja a tudo offerecido,
Hum dos maos por fartarſe mais de preſſa,
Com crua lança o peito lhe atraueſſa.
Chorarão te Thome, o Gange & o Indo,
Choroute toda a terra que piſaſte,
Mais te chorão as almas, que veſtindo
Se yão da ſancta Fe, que lhe inſinaſte:
Mas os Anjos do ceo cantando, & rindo,
Te recebem na gloria que ganhaſte,
Pedimos te, que a Deos ajuda peças,
Com que os teus Luſitanos fauoreças.
E voſoutros que os nomes vſurpais
De mandados de Deos, como Thome,
Dizey ſe ſois mandados, como estais
Sem yrdes a pregar a ſancta fe?
Olhay que ſe ſois Sal, & vos danais
na patria, onde Propheta ninguem he,
Com que ſe ſalgarão em noſſos dias
(Infieis deixo) tantas Hereſias?
Mas paſſo esta materia perigoſa,
E tornemos aa coſta debuxada,
Ia com eſta cidade tão famoſa,
Se faz curua a Gangetica enſeada,
Corre Narſinga rica, & poderoſa,
Corre Orixa de roupas abaſtada,
No fundo da enſeada o illustre rio
Ganges vem ao ſalgado ſenhorio.
Ganges, no qual os ſeus habitadores
Morrem banhados, tendo por certeza,
Que inda que ſejão grandes peccadores,
Eſta agoa ſancta os laua, & da pureza:
Ve Chatigão cidade das milhores
De Bengala prouincia, que ſe preza
De abundante, mas olha que eſtâ poſta
Pera o Auſtro daqui virada a coſta.
Olha o reyno Arracão, olha o aſſento
De Pegu, que ja mõſtros pouoarão,
Mõſtros filhos do feo ajuntamento
Dhũa molher & hum cão, que ſos ſe acharão:
Aqui ſoante Arame no inſtromento
Da geração cuſtumão, o que vſarão
Por manha da Raynha, que inuentando
Tal vſo, deitou fora o error nefando.
Olha Tauay cidade, onde começa
De Sião largo o imperio tão comprido,
Tenaſſarâ, Quedâ, que he ſo cabeça
Das que Pimenta ali tem produzido:
Mais auante fareis que ſe conheça
Malaca, por Emperio ennobrecido,
Onde toda a prouincia do mar grande,
Suas mercadorias ricas mande.
Dizem que deſta terra coas poſſantes
Ondas o mar entrando diuidio,
A nobre Ilha Samatra, que ja dantes
Iuntas ambas a gente antiga vio:
Cherſoneſo foy dita, & das prestantes
Veas douro, que a terra produzio,
Aurea por epitheto lhe ajuntarão,
Alguns que foſſe Ophir ymaginarão.
Mas na ponta da terra Cingapura
Veras, onde o caminho aas naos ſe eſtreita,
Daqui tornando a Costa aa Cynoſura
Se encurua, & pera a Aurora ſe endereita:
Ves Pam, Patane, reinos, & a longura
De Syão que eſtes & outros mais ſugeita
Olha o rio Menão, que ſe derrama
Do grande lago que Chiamay ſe chama.
Ves neſte grão terreno os differentes
Nomes de mil nações nunca ſabidas,
Os Laos em terra & numero potentes,
Auâs, Bramàs, por ſerras tão compridas:
Ve nos remotos montes outras gentes
Que Gueos ſe chamão de ſeluages vidas,
Humana carne comem, mas a ſua
Pintão com ferro ardente, vſança crua:
Ves paſſa por Camboja Mecom Rio,
Que capitão das agoas ſe interpreta,
Tantas recebe doutro ſo no eſtio,
Que alaga os campos largos, & inquieta,
Tem as enchentes quaes o Nilo frio,
A gente delle crè como indiſcreta,
Que pena & gloria tem deſpois de morte
Os brutos animais de toda ſorte.
Eſte receberâ placido & brando,
No ſeu regaço os Cantos, que molhados
Vem do naufragio triſte, & miſerando,
Dos proceloſos baxos eſcapados:
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Serâ o injuſto mando executado
Naquelle, cuja Lira ſonoroſa,
Será mais affamada que ditoſa.
Ves corre a coſta que Champà ſe chama,
Cuja mata he do pao cheiroſo ornada,
Ves Cauchichina eſtâ de eſcura fama,
E de Ainão ve a incognita enſeada,
Aqui o ſoberbo imperio, que ſe afama
Com terras, & riqueza não cuidada,
Da China corre, & ocupa o ſenhorio
Deſdo Tropico ardente ao Cinto frio.
Olha o muro, & edificio nunca crido,
Que entre hum imperio & o outro ſe edifica,
Certiſsimo ſinal, & conhecido,
Da potencia real, ſoberba, & rica:
Eſtes o Rey que tem não foy nacido
Princepe, nem dos pais aos filhos fica
Mas elegem aquelle que he famoſo
Por caualeiro ſabio & virtuoſo.
Inda outra muita terra ſe te eſconde,
Ate que venha o tempo de moſtrar ſe,
Mas não deixes no mar as Ilhas, onde
A natureza quis mais affamarſe:
Eſta mea eſcondida que reſponde
De longe aa China donde vem buſcarſe,
He Iapão, onde nace a prata fina,
Que illustrada ſerà coa Ley diuina.
Olha ca pellos mares do Oriente
As infinitas Ilhas eſpalhadas
Ve Tidore, & Tarnate, co feruente
Cume, que lança as flamas ondeadas
As aruores verâs do Crauo ardente,
Co ſangue Portugues inda compradas,
Aqui ha as aureas aues, que não decem
Nunca a terra, & ſo mortas aparecem.
Olha de Banda as Ilhas, que ſe eſinaltão
Da varia cor, que pinta o roxo fruto,
As aues variadas, que ali faltão,
Da verde Noz tomando ſeu tributo:
Olha tambem Bornèo, onde não faltão
Lagrimas, no licor qualhado, & enxuto,
Das aruores, que Cânfora he chamado,
Com que da Ilha o nome he celebrado.
Ali tambem Timor, que o lenho manda
Sàndalo ſalutifero, & cheiroſo,
Olha a Sunda tão larga, que hũa banda
Eſconde pera o Sul difficultoſo:
A gente do Sertão, que as terras anda,
Hum rio diz que tem miraculoſo,
Que por onde elle ſo ſem outro vae,
Conuerte em pedra o pao que nelle cae:
Ve naquella que o tempo tornou Ilha,
Que tambem flamas tremulas vapôra,
A fonte que oleo mana, & a marauilha
Do cheiroſo licor, que o tronco chora,
Cheiroſo mais que quanto eſtila a filha
De Cyniras, na Arabia onde ella mora,
E ve que tendo quanto as outras tem,
Branda ſeda & fino ouro dà tambem.
Olha em Ceilão, que o monte ſe aleuanta
Tanto, que as nuuẽs paſſa, ou a viſta engana,
Os naturaes o tem por couſa ſancta,
Polla pedra onde eſtâ a pègada humana:
Nas ilhas de Maldiua nace a prama
No profundo das agoas ſoberana,
Cujo pomo contra o veneno vrgente
He tido por Antidoto excelente.
Verâs de fronte eſtar do roxo eſtreito
Socotorâ co amaro Aloe famoſa,
Outras ilhas no mar tambem ſogeito
A vos, na coſta de Affrica arenoſa,
Onde ſae do cheiro mais perfeito
A maſſa ao mundo occulta, & precioſa,
De ſam Lourenço ve a Ilha afamada,
Que Madagaſcar he dalguũs chamada.
Eis aqui as nouas partes do Oriente,
Que voſoutros agora ao mundo dais,
Abrindo a porta ao vaſto mar patente,
Que com tão forte peito nauegais:
Mas he tambem razão, que no Ponente
Dhum Luſitano hum feito inda vejais,
Que de ſeu Rey moſtrando ſe agrauado
Caminho ha de fazer nunca cuidado.
Vedes a grande terra que contina
Vay de Caliſto ao ſeu contrario polo,
Que ſoberba a farâ a luzente mina
Do metal, que a cor tem do louro Apolo,
Caſtella voſſa amiga ſerà dina
De lançarlhe o colar ao rudo colo,
Varias prouincias tem de varias gentes
Em ritos & cuſtumes differentes.
Mas ca onde mais ſe alarga, ali tereis
Parte tambem co pao vermelho nota,
De Sancta Cruz o nome lhe poreis,
Deſcobrila ha a primeira voſſa frota:
Ao longo deſta coſta que tereis
Yrâ buſcando a parte mais remota
O Magalhães, no feito com verdade
Portugues, porem não na lealdade.
Deſque paſſar a via mais que mea,
Que ao Antartico polo vay da linha,
Dhũa eſtatura quaſi Gigantea
Homẽs verâ, da terra ali vizinha:
E mais auante o eſtreito, que ſe arrea
Co nome delle agora, o qual caminha
Pera outro mar, & terra que fica onde
Com ſuas frias aſas o Auſtro a eſconde.
Ate qui, Portugueſes, concedido
Vos he ſaberdes os futuros feitos,
Que pello mar, que ja deixais ſabido,
Virão fazer barões de fortes peitos:
Agora, pois que tendes aprendido
Trabalhos, que vos fação ſer aceitos
Aas eternas eſpoſas, & fermoſas,
Que coroas vos tecem glorioſas.
Podeis vos embarcar, que tendes vento
E mar tranquilo pera a patria amada:
Aſsi lhe diſſe, & logo mouimento
Fazem da Ilha alegre, & namorada:
Leuão refreſco, & nobre mantimento,
Leuão a companhia deſejada,
Das Nimphas que ham de ter eternamente,
Por mais tempo que o Sol o mundo aquente.
Aſsi forão cortando o mar ſereno,
Com vento ſempre manſo, & nunca yrado,
Ate que ouuerão viſta do terreno
Em que nacerão, ſempre deſejado:
Entrarão pella foz do Tejo ameno,
E a ſua patria, & Rey temido & amado,
O premio & gloria dão, porque mandou
E com titolos nouos ſe illuſtrou.
No mais Muſa, no mais, que a Lira tenho
Deſtemparada, & a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente ſurda, & endurecida:
O fauor com que mais ſe acende o engenho,
Não no dâ a patria não, que esta metida,
No goſto da cubiça, & na rudeza
Dhũa auſtera, apagada, & vil triſteza.
E não ſey porque influxo de deſtino
Não tem hum ledo orgulho, & geral gosto,
Que os animos leuanta de contino,
A ter pera trabalhos ledo o roſto:
Por iſſo vos ò Rey, que por diuino
Conſelho eſtais no regio ſolio poſto,
Olhay que ſois (& vede as outras gentes)
Senhor ſo de vaſſallos excellentes.
Olhay que ledos vão, por carias vias,
Quaes rompentes liões, & brauos touros,
Dando os corpos a fomes, & vigias,
A ferro, a fogo, a ſetas, & pilouros:
A quentes regiões, a plagas frias,
A golpes da Idolatras, & de Mouros,
A perigos incognitos domundo,
A naufragios, a pexes, ao profnndo:
Por vos ſeruir a tudo aparelhados,
De vos tam longe ſempre obedientes,
A quaeſquer voſſos aſperos mandados,
Sem dar reposta promptos & contentes,
So com ſaber que ſam de vos olhados,
Demonios infernais, negros & ardentes,
Cometerão conuoſco, & não duuido
Que vencedor vos fação, não vencido.
Fauoreceyos logo, & alegrayos
Com a preſença, & leda humanidade,
De riguroſas leis deſaliuayos,
Que aſsi ſe abre o caminho aa ſanctidade:
Os mais eſprimentados leuantayos,
Se com a eſperiencia tem bondade,
Pera voſſo concelho, pois que ſabem
O como, o quando, & onde as couſas cabem.
Todos fauorecei em ſeus officios,
Segundo tem das vidas o talento,
Tenhão Religioſos exercicios
De rogarem por voſſo regimento,
Com jejuns, deſciplina, pellos vicios
Comuns, toda ambição terão por vento,
Que o bom Religioſo verdadeiro,
Gloria vaã não pretende nem dinheiro.
Os Caualeiros tende em muita eſtima,
Pois com ſeu ſangue intrepido & feruente,
Eſtendem não ſomente a ley de cima,
Mas inda voſſo imperio preeminente:
Pois aquelles que a tão remoto clima
Vos vão ſeruir com paſſo diligente,
Dous inimigos vencem, hũs os viuos,
(E o que he mais) os trabalhos exceſsiuos.
Fazey ſenhor que nunca os admirados
Alemães, Galos, Italos, & lngleſes
Poſſam dizer que ſam pera mandados,
Mais que pera mandar os Portugueſes:
Tomay conſelho ſo deſprimentados,
Que virão largos anos, largos meſes,
Que poſto que em cientes muito cabe,
Mais em particular o experto ſabe.
De Phormião Philoſopho elegante
Vereis como Anibal eſcarnecia,
Quando das artes bellicas diante
Delle com larga voz trataua & lia:
A diſciplina militar preſtante
Não ſe aprende ſenhor na fantaſia
Sonhando, imaginando, ou eſtudando,
Se não vendo, tratando, & pelejando.
Mas eu que falo humilde, baxo, & rudo
De vos não conhecido, nem ſonhado?
Da boca dos pequenos ſey com tudo,
Que o lauuor ſae as vezes acabado,
Nem me falta na vida honesto eſtudo
Com longa eſperiencia misturado,
Nem engenho, que aqui vereis preſente,
Couſas que juntas ſe achão raramente.
Pera ſeruiruos braço aas armas feito,
Pera cantaruos mente aas Muſas dada,
So me falece ſer a vos aceito,
De quem virtude deue ſer prezada:
Se me iſto o ceo concede, & o voſſo peito
Dina empreſa tomar de ſer cantada,
Como a preſaga mente vaticina,
Olhando a voſſa inclinação diuina.
Ou fazendo que mais que a de Meduſa,
A viſta voſſa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos da Ampeluſa
Os muros de Marrocos & Trudante,
A minha ja eſtimada & leda muſa,
Fico, que em todo o mundo de vos cante,
De ſorte que Alexandro em vos ſe veja,
Sem aa dita de Achiles ter enueja.
FIM.

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