Opúsculos por Alexandre Herculano - Tomo 02 - 14

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servera do christianismo são condições da vida religiosa, não ha
superstição, nem crendice que não imprima, com a quasi
indestructibilidade das primeiras impressões, em animos innocentes, que
ella, na sinceridade do seu coração, crê guiar pelo caminho do céu.
Corrompe, logo a dous passos de berço, o infante regenerado pelo
baptismo; torna moralmente rachitico o que, como christão e como homem
social, deve ser moralmente forte. Da juventude até a velhice vai
semeando na terra o mal e o erro, e morre tranquilla. Morre tranquilla
com razão; porque foi apenas o baculo na mão do cego, a lima na mão do
obreiro, o punhal na mão do assassino.
É da educação que póde dar e receber a mulher que a reacção tende a
apoderar-se introduzindo em Portugal as irmãs de caridade francesas. Nos
asylos da primeira infancia a mestra substitue a mãe; na eschola do sexo
feminino educam-se as que hão de ser mães. Entregae esse asylo e essa
eschola á influencia de congregações fortemente constituidas, e hoje
arregimentadas para combater o liberalismo, e calculae como pensarão
daqui a vinte annos as gerações novas, e o que será feito, d'ahi a
outros vinte, da liberdade politica e do verdadeiro christianismo.
A Associação Popular Promotora da Educação do Sexo Feminino deplora a
fraqueza dos poderes publicos diante dessa tentativa audaz; lamenta que
não haja nesta terra quem fale em nome do direito natural, da
constituição, das leis e da sociedade; que os Thomés Pinheiro da Veiga,
os Josés de Seabra, os Pereira Ramos não tivessem successores; que não
se alevante uma voz auctorisada pelo seu cargo para revocar os governos
e os funccionarios ao sentimento do proprio dever. Pessoa moral
particular, composta de simples cidadãos, esta Associação não póde nem
quer substitui-los; limita-se a repellir o empenho ultramontano na
esphera de acção que as instituições lhe concedem. Busca oppor o asylo
liberal, a eschola liberal, ao asylo ultramontano, á eschola
ultramontana. A lucta não é nem facil, nem ingloria. Independente das
suas allianças, publicas e secretas, e do pensamento politico que
servem, os humildes missionarios de S. Vicente de Paulo não são
adversarios de desprezar. Se não brilham, como nunca brilharam, pela
sciencia, tem outra força que a vale. Rotschilds das congregações
religiosas, dispõem de milhões, prudentemente empregados nos fundos
publicos de diversas nações da Europa, e adquiridos nas pias
especulações do commercio e da industria[20]. Não é inglória a lucta
para manter o _escandalo_ de não ser representada nas assembléas geraes
da congregação lazarista a _provincia_ de Portugal[21].
Dizem-nos que viemos tarde; que outras associações nos precederam no
empenho da educação. Cremos, apesar disso, que viemos a ponto. Não temos
a pretensão de havermos inventado a eschola; não temos mais enthusiasmo
pelas escholas do que por outro qualquer meio de civilisação moral ou
material. Não nos associámos até aqui para as fundar, pela mesma razão
porque não nos associámos para construir estradas, ou caminhos de ferro,
ou caixas economicas, ou bancos ruraes, ou presepes da infancia no
berço. A lei do paiz impõe a todos os cidadãos o dever de mandar seus
filhos á eschola, e obriga, portanto, o estado a subministrar-lha.
Pagamos os tributos, e nunca prohibimos aos nossos mandatarios que
votassem amplamente os recursos pedidos para quaesquer institutos de
educação publica que reputassem necessarios ou uteis. Fiámo-nos nas
leis, nos governos, nos parlamentos. Podiamos instituir escholas como
especulação: não quizemos especular no genero. Se intentamos fundá-las
hoje, é como instrumento politico; é porque a reacção caminha ha dez
annos de conquista em conquista, e aggride agora a liberdade por um lado
perigosissimo. O procedimento dos poderes publicos durante dez annos e
as suas tristes hesitações na actual conjunctura legitimam, sanctificam
a nossa resolução; porque se tracta do envenenamento moral da sociedade
pelo envenenamento moral da familia. Uma lei desta terra, uma lei de
sete seculos, uma lei cuja duração representa um profundo sentimento de
honra, diz que se póde ser homicida sem crime quando a prostituição do
adulterio vai ennodoar o seio da familia[22]. É que a familia é a
molecula social, e gangrenada ella, a sociedade esphacela-se n'um monte
de podridão. Vamos muito menos longe que a lei. E todavia o perigo é
maior; porque nos seminarios da reacção não se hostilisa só a liberdade:
ensina-se tambem a revelar á donzella e á mãe de familia delictos mais
monstruosos que o adulterio. Defendemos nossas mulheres, nossas irmãs
nossas filhas: defendemos as mulheres, as irmãs e as filhas dos que hão
de vir depois de nós. Onde estará aqui o crime, a violencia, o erro, o
motivo sequer de suspeição? Não dissimulamos, não tergiversamos; a nossa
linguagem é simples e explicita como as nossas intenções.
E diz-se-nos que eduquemos por educar, e instruamos por instruir; que
instituamos cidadãos aptos para todas as fórmas de governo; que
ensinemos a ler e escrever e a doutrina christã, e não curemos de mais
nada. Todos esses conselhos não chegam a ser absurdos: ficam aquém; na
demencia. Educar por educar! Instruir por instruir! Só ha uma cousa nas
obras humanas que tenha em si mesma a sua causa final; é a arte. Tudo o
mais tem por objecto a sociedade ou o indivíduo. A educação não é nenhum
poema, nenhum quadro, nenhuma partitura: a educação e a instrucção são o
acto pelo qual uma geração transmitte a outra os thesouros de progresso
moral e intellectual que herdou e augmentou; são uma grande questão
social, e é por isso que o estado exerce nellas intervenção tão ampla.
Se não fosse assim, a lei que, em todos os paizes cultos, fórça os
individuos a receberem na eschola esse baptismo da civilisação, fora
tyrannia; fora tyrannia a inspecção do estado na educação livre. Crear
cidadãos aptos para todas as fórmas de governo! Mas ha fórmas de governo
que vos pedem vassalos, que vos pedem servos, que vos pedem escravos,
mas que não vos acceitam cidadãos. Se quereis subministrar-lhes o que
elles pedem, fazei-o: nós não queremos. Nós forcejamos para que a
geração que vier após nós seja uma nobre raça de homens livres; que
odeie, não o reaccionario, que póde estar involutariamente no erro, mas
o despotismo e a servidão; queremos affeiçoar uma geração nova
rancorosa, mais rancorosa do que nós. Que ensinemos a ler, a escrever, a
contar, e a doutrina christã sómente. Ensinae-o, se podeis, a uma
creança sem lhe imprimir no espirito, cincoenta, cem, mil vezes mais
idéas do que as necessarias para possuir esses elementos de cultura.
Metade do que conhece do mundo material e moral a mais vasta
intelligencia adquiriu-o na infancia. É nessa épocha da vida que a
torrente das idéas, boas ou más, exactas ou inexactas, accumuladas pela
tradição humana, se precipita com mais força no nosso espirito. O ensino
voluntario e previsto é, sem comparação, menor do que o involuntario e
desapercebido, que do educador ou do mestre recebe o educando ou o
discipulo. As preoccupações e os erros de facto ou de apreciação passam,
com a mesma facilidade que as idéas sans, de um para outro espirito, e
passam, a cada hora, a cada momento, com uma auctoridade, com um
prestigio, que não tem as transmittidas pelos outros individuos que
revelam ao homem na infancia o mundo em que vai viver. Estas verdades
triviaes, elementares, só as ignora quem as quer ignorar. A reacção póde
fazer com que as affoguem em phrases oucas e em paradoxos; mas próva de
sobejo, pelos seus actos, que sabe o que ellas valem. Tambem nós o
sabemos; e nessas phrases e nesses paradoxos não vemos senão uma injuria
á recta razão do paiz.
No meio das puerilidades, das affrontas, das calumnias, das maldicções,
nós proseguiremos ávante nesta cruzada sancta da civilisação e da
liberdade. Chamamos a ella todos os homens sinceramente liberaes, que
não estão resolvidos a transigir com genero algum de absolutismo, nem no
estado, nem na igreja. Esses homens são os que querem as consequencias
da restauração de 1833, restauração que foi ao mesmo tempo uma grande
revolução, ou antes a unica revolução verdadeiramente importante deste
paiz. A guerra da reacção é dirigida ainda mais contra as conquistas
sociaes que então fizemos do que contra o governo parlamentar, embora
tambem este seja aggredido. Querem-se os dizimos, os bens da corôa, os
direitos de foral, os privilegios de casta ou de classe, os officios
hereditarios, as rendosas capitanias-móres, as mitras opulentas, as
ricas abbadias, os beneficios patriarchaes, a magestade do throno
calumniada pela rapacidade cortezã, a suppressão da imprensa, methodo
facil de moralisar, que consiste em fazer silencio ao redor da
corrupção. A liberdade tornou-se incommoda, não só para os que perderam
com os successos de 1833, mas tambem para muitos daquelles que mais
ganharam com elles. Os que esgotaram o que a nova situação tinha para
dar, vêem agora que o absolutismo dispunha de instrumentos mais
efficazes para sugar da riqueza publica, do fructo do trabalho honesto,
a quota do luxo e da devassidão dos escolhidos. Todas essas deplorações
sobre a decadencia da moral e da religião; todos esses esforços para
restaurar instituições derrocadas, são calculos de cubiça. O fanatismo é
raro: o que está sendo vulgar é a hypocrisia. As comparações que se
fazem do presente com o passado são falsas. Sem desconhecer que os
costumes estão corrompidos, protestamos, com a historia nas mãos, que a
decadencia moral dos seculos de absolutismo era muito maior do que a
nossa. O remedio do mal presente não está em approximarmo-nos delles,
está em affastarmo-nos. Os que pensam o contrario illudem-se; os que
fingem pensá-lo são os que querem lucrar com as especulações ao divino.
Deploramos que, semelhantes ás facções religiosas do Baixo-Imperio,
anathematisando-se mutuamente dentro dos muros de Constantinopola
assediada pelos mussulmanos, as parcialidades liberaes não ouçam, no
meio das suas discordias, o estrepito da reacção que marcha de victoria
em victoria. Extranha a essas parcialidades, sem compromissõs
anteriores, esta Associação a nenhuma tem de servir, nem de combater.
Não busca para si um logar no meio dos grupos que pleiteiam na urna, no
parlamento, e na imprensa um poder ephemero. Não tem ninguem a quem o
offerecer. Que o partido liberal não abdique; ficará satisfeita. Todos
os governos devem estar tranquillos ácerca da influencia maior ou menor
que ella possa exercitar, porque não ha de empregá-la senão contra os
homens que se mostrarem deliberadamente favoraveis ás tentativas
reaccionarias. Esses, se um dia se acharem no poder, contem com uma
hostilidade implacavel da parte della. Persigam-na, que é do seu
interesse fazê-lo. Hoje constitue-se para fundar escholas e asylos; póde
amanhã alargar a esphera da sua acção, ou transformar-se. As phases da
lucta determinarão o seu proceder. Se por emquanto só tracta de atalhar
o perigo presente, porque é gravissimo, não se infira d'ahi que cruzará
os braços quando qualquer outro perigo igualmente grave ameaçar a
sociedade nova, e a aggredir nas suas tendencias, na sua indole, ou nas
suas tradições. Se a aggressão é ainda mais social que politica, a
defesa hade ter os mesmos caractéres.
Como os antigos templarios, cujas preceptorias se collocavam nos confins
dos paizes remidos para o christianismo e na frontaria dos sarracenos,
nós vamos plantar as nossas tendar de guerra juncto aos marcos que
dividem os dominios da reacção dos dominios da liberdade. Vigiaremos
emquanto outros dormem: combateremos emquanto outros disputam. Quando
algum de nós cahir, os seus companheiros perguntarão quem rege os
arraiaes da liberdade; perguntá-lo-hão para pedir sete palmos de terra
livre que dê asylo ao que cahiu. Se os houver para no-los darem, não
indagaremos como se chamam os que no-los concederam. Sabemos que esses
sete palmos não podem estar encravados em terra de servos. Eis o facto
importante, e o fim supremo desta Associação. É o titulo da melhor
herança que temos de legar a nossos filhos.

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