Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 16

Total number of words is 3980
Total number of unique words is 1399
30.7 of words are in the 2000 most common words
42.2 of words are in the 5000 most common words
48.5 of words are in the 8000 most common words
Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
Senhor, quem na serra mora
Tambem entende a verdade
Dos enganos da cidade:
Vá-se embora, ou fique embora,
Qual for mais sua vontade.
VENADORO.
Oh lindissima donzella,
A quem a ventura ordena
Que me guie como estrella!
Quereis-me deixar a pena,
E levar-me a causa della?
E ja que vos conjurastes
Vós e Amor para matar-me,
Oh não deixeis d'escutar-me!
Pois a vida me tirastes,
Não me tireis o queixar-me!
Qu'eu, em sangue e em nobreza
O claro Ceo me extremou;
E a Fortuna me dotou
De grandes bens e riqueza,
Que sempre a muitos negou.
Andando caçando aqui,
Apos hum cervo ferido,
Permittio meu fado assi,
Que andando dos meus perdido,
Me venha perder a mi.
E porqu'inda mais passasse
Do que tinha por passar,
Buscando quem m'ensinasse,
Por que via me tornasse,
Acho quem me faz ficar.
Que vingança permittio
A fortuna n'hum perdido!
Oh que tyranno partido,
Que quem o cervo ferio,
Vá como cervo ferido!
Ambos feridos n'hum monte,
Eu a elle, outrem a mi:
Huma differença ha aqui,
Qu'elle vai sarar á fonte,
E eu nella me feri.
E pois que tão transformado
Me tẽe vossa formosura,
Hum de nós troque o estado.
Ou vós para o povoado,
Ou eu para a espessura.
FLORIMENA.
Dos arminhos he certeza,
Se lhe a cova alguem çujar,
Morar fóra, antes d'entrar:
D'estimar muito a limpeza
Pola vida a vai trocar:
Tambem quem na serra mora
Tanto estima a honestidade,
Que antes toma ser pastora,
Que perder a honestidade
A trôco de ser Senhora.
Se mais quereis, esta fonte
Vos descubra o mais de mim:
O que ella vio, ella o conte;
Porque eu vou-me para o monte,
Porque ha ja muito que vim.

SCENA III.
VENADORO.
Ó linda minha inimiga,
Gentil pastora, esperae!
Pois que tanto amor me obriga,
Consenti-me que vos siga;
Vá o corpo onde alma vae.
E pois por vós me perdi,
E neste estado Amor pôs
Os olhos com que vos vi,
Pois os deixaste sem mi,
Oh não os deixeis sem vós!
Porque a Fortuna me disse
Que nas serras, onde andais,
Em estes extremos tais,
Não era bem que vos visse
Para não ver de vós mais.
E pois Amor se quiz ver
Da livre vida vingado,
Em que eu sohia viver;
Faça em mi o que quizer,
Que aqui vou ao jugo atado.

SCENA IV.
_Dom Lusidardo, o Monteiro e Filodemo._
LUSIDARDO.
Oh Santo Deos verdadeiro,
A quem o mundo obedece!
Meu filho não apparece.
E que me dizeis, Monteiro?
MONTEIRO.
Digo-lhe que m' entristece.
Qu'eu corri por esses montes,
Bem quinze leguas, ou mais,
E busquei polos casais,
Por serras, montes e fontes,
Sem ver novas, nem sinais.
Toda a gente que levou,
Buscando-o, muito cansada
Pelo mato anda espalhada;
Mas ainda ninguem tomou,
Que soubesse delle nada.
LUSIDARDO.
Oh fortuna nunca igual!
Quem me fara sabedor
De meu filho e meu amor?
Que se he muito grande o mal,
Muito mor he o temor.
Quem tolhe que não achasse
Algum leão temeroso
N'algum monte cavernoso,
Que sua fome fartasse
Em seu corpo tão formoso?
Quem ha que saiba, ou que visse,
Que das montanhas erguidas
Algum monstro não sahisse,
E com seu sangue tingisse
As hervas nellas nascidas?
Oh filho! vai-me a lembrar
Quantas vezes os mandava
Que deixasseis o caçar!
Não cuidei de adivinhar
O que Fortuna ordenava.
Eu irei, filho, buscar-vos
Por esses montes, por hi,
Ou a perder-me, ou cobrar-vos;
Que morte que quiz matar-vos,
Quero que me mate a mi.
Onde fostes fenecido,
Seja tambem vosso pae;
Ser-me-ha acontecido,
Como a virote que vae
Buscar outro que he perdido.
Vós só haveis de ficar,
Filodemo, encarregado
Para esta casa guardar;
Que de vosso bom cuidado
Tudo se póde fiar.
Ide-vos a fazer prestes,
Mandae cavallos sellar;
Pois achá-lo não pudestes,
Ir-m'heis buscar o lugar
Onde da vista o perdestes.

SCENA V.
_O Bobo com o vestido de Venadoro, a quem dera o seu._
_Canta._
Los mochachos del Obispo
No comen cosa mimosa,
Ni zanca d'araña, ni cosa mimosa.
_Falla._
De su sayo colorado
Tan lozano me vestió,
Que yo ya no soy yo,
Ya por otro estoy trocado;
Que este sayo me trocó.
Oh qué asno Portugues,
Que loco por Florimena,
Deseó zamarra agena,
Y dame por enterés
Una zamarra tan buena!
Como yo vi la bobilla
Andar con él en questiones,
Y parársele amarilla,
Díjele: Florimenilla,
Andais en dongolondrones?
Él me dijo: Matalote,
No tengais dello desmayo.
Y en esto, como un rayo,
Tomóme mi capirote,
Y dióme su capisayo.
Capirote, en buena fé,
Si vos, cuando en mi entrastes,
Capisayo vos tornastes,
Que yo por eso cantaré,
Pues ansí me mejorastes.
_Canta._
Lyrio, lyrio, lyrio loco,
Con qué? Con capirotada.
Por hablar con la golosa
De amores, mirad la cosa!
Zamarrilla tan hermosa,
Que me ha dado tan honrada,
Con qué? Con capirotada.
_Falla._
Yo entonces respondí:
Señor, dame pan y queso,
Mas despues que lo entendí,
Dije á ella: Dale un beso,
Que él me dió zamarra á mí.
Ahora me mirarán
Cuantos á la eglesia fueren;
Y aquellos que no me quieren,
Ahora me rogarán.
Sabeis porque no querré?
Porque estoy ahidalgado;
Y cuando fuere rogado,
Cantando responderé,
Que ya estoy otro tornado.
_Canta e baila._
Soropicote, picote, mozas,
Ahora quiero amores con vosotras.

SCENA VI.
_O Pastor e o Bobo._
PASTOR.
Hijo Alonsillo.
BOBO.
Hijo Alonsillo.
PASTOR.
No me quieres escuchar?
BOBO.
Pues déjame suspirar.
PASTOR.
Escúchame ahora, asnillo,
Lo que te quiero mandar.
Véte al valle de las rosas,
Y di á Anton del Lugar
Que si puede acá llegar,
Porque tengo muchas cosas
Que importan para le hablar.
Porque es aqui llegado
Á este valle un hombre honrado,
Mancebo de casta buena,
Que amores de Florimena
Le traen loco y penado.
Dice que quiere casar
Con ella, que su tormento
No le deja reposar;
Y que venga festejar
Tan dichoso casamiento.
BOBO.
Dicid, padre, tambien vos,
No quereis casar comigo?
Casemos ambos adós.
PASTOR.
Vé, y haz lo que te digo.
BOBO.
Responde, padre, por Dios.
PASTOR.
Vé luego, y vuelve apresado.
Anda. No quieres andar?
BOBO.
Pues que me habeis empujado,
Juro á mi de desandar
Todo cuanto tengo andado.
PASTOR.
Trabajoso es este insano!
Nunca hace lo que quereis.
BOBO.
Ora no os apasioneis,
Mi padrecico lozano:
Que burlaba, no lo veis?
PASTOR.
Véte dahi.
BOBO.
Héme aqui.
PASTOR.
Vé donde te dije.
BOBO.
Ya vengo.
Oh que padrasto que tengo,
Que asi me manda por ahi,
Siendo camino tan luengo!


ACTO QUARTO.

SCENA I.
_Dionysa e Solina._
DIONYSA.
Oh Solina, minha amiga,
Que todo este coração
Tenho posto em vossa mão;
Amor me manda que diga,
Vergonha me diz que não.
Que farei?
Como me descobrirei?
Porque a tamanho tormento
Mais remedio lhe não sei,
Que entregá-lo ao soffrimento.
Meu pae muito entristecido
Se vai pela serra erguida,
Ja da vida aborrecido,
Buscando o filho perdido,
Tendo a filha cá perdida!
Sem cuidar,
Foi a casa encommendar
A quem destruir lha quer:
Olhae que gentil saber,
Que vai comigo deixar
Quem me não deixa viver.
SOLINA.
Senhora, em tanto desgôsto.
Não posso meter a mão;
Mas como diz o rifão,
Mais val vergonha no rosto,
Que mágoa no coração.
E bofé, se eu tanto amasse,
E visse tempo e sazão,
Sem seu pae, sem seu irmão,
Que a nuvem triste tirasse
De cima do coração.
DIONYSA.
Ah mana! que tenho medo,
Que s'eu em tal consentisse
Que logo o mundo o sentisse,
Porque nunca houve segredo,
Que, emfim, se não descobrisse.
SOLINA.
Se eu tantas dobras tivesse
Como quantas houve erradas,
Sem que o mundo o soubesse,
Á fé qu'eu enriquecesse,
E fosse das mais honradas.
DIONYSA.
Sabeis que tenho em vontade?
SOLINA.
Que podeis, Senhora, ter?
DIONYSA.
Fallar-lhe, só para ver
Se he por ventura verdade
O que dizeis que me quer.
SOLINA.
Bofé, mana, dizeis bem,
E eu o mandarei chamar,
Como para lhe rogar
Que hum annel, que lá me tem,
Que mo mande concertar.
DIONYSA.
Dizeis mui bem.
SOLINA.
Vou-me lá
Chamar o seu moço á sala;
E s'este parvo vem cá,
Com elle hum pouco rirá,
Que sempre amores me fala.
Vilardo, moço?

SCENA II.
_Vilardo e Solina._
VILARDO.
Quem chama?
SOLINA.
Vem cá, moço; eu te chamo.
Qu'he de teu amo?
VILARDO.
Ah que dama!
Perguntais-me por meu amo,
E não por hum que vos ama?
SOLINA.
E quem he esse amador,
Que quer ter comigo passo?
Será elle algum madrasso?
VILARDO.
Eu sou o mesmo, que o amor
Me quebra pelo espinhasso.
E mais vós sabei de mi,
Se eu a dizê-lo me atrevo,
Que desque esses olhos vi,
Que yo ni como, ni bebo,
Ni hago vida sin ti.
E mais para namorado
Não sou ora tão madraço.
SOLINA.
Sois muito desmazelado.
VILARDO.
Mas antes, de delicado
Caio pedaço a pedaço.
E mais eu soffrer não posso
Que me façais tanto fero,
Qu'estou ja posto no osso,
Porque sou vosso e revosso,
Por vida de quanto quero.
SOLINA.
Feros está cheia a rua.
Ora estou bem aviada!
VILARDO.
Cupido, por vida tua,
Que a não faças tão crua,
Pois que te não faço nada!
Amor, Amor, mas te pido,
Que quando se for deitar,
Que le digas al oido:
Devieis-vos de lembrar
Neste tempo de hum perdido.
SOLINA.
E tu ja fazes coprinhas?
Ainda tu trovarás?
VILARDO.
Quem eu? Por estas barbinhas,
Que se vós virdes as minhas,
Que digais que não são más.
SOLINA.
Ora, pois me quereis bem,
Dizei-me huma.
VILARDO.
Ei-la aqui;
E veja o saibo que tem;
Porque esta trovinha assi,
Saiba qu'he trova do assem.
_Trova._
Passarinhos, que voais
Nesta manhãa tão serena,
Sabei que só minha pena
Póde encher mil cabeçais.
SOLINA.
O rifão está salgado.
Essa pena te dou eu?
VILARDO.
Vós e Amor, que de malvado,
Me tẽe melhor empennado,
Que nenhum virote seu.
Pois se me ouvíreis cantar!
SOLINA.
E tu es tambem cantor?
VILARDO.
Canto melhor que hum açor.
Quereis que vos venha dar
Musiqueta de primor,
E que vos mande tanger
Muito melhor que ninguem?
SOLINA.
Ja isso quizera ver.
VILARDO.
Querer-me-heis, se o eu fizer,
Algum pedaço de bem?
SOLINA.
Querer-te-hei trinta pedaços.
VILARDO.
E esse querer dará fruito,
Que me tire destes laços?
SOLINA.
E que fruito?
VILARDO.
Dous abraços.
SOLINA.
Esse fruito custa muito.
VILARDO.
Esse he o amor qu'em vós ha?
Pezar de minha mãe torta!
SOLINA.
Ora hi, chamae logo lá
Vosso amo que venha cá,
Porque he cousa que importa.
VILARDO.
Logo?
SOLINA.
Logo nessas horas.
VILARDO.
Não estarei aqui mais?
SOLINA.
Não. Ainda ahi estais?
Vós haveis mister esporas.
VILARDO.
Irei, porque me mandais.

SCENA III.
_O pastor, e Venadoro com elle, feito pastor._
PASTOR.
Mas de un mez es ya pasado
Que en esta sierra andais;
Y es caso mal mirado
Que andeis guardando ganado
Por una que tanto amais.
Y si os determinais
En querer casar con ella,
Juro á mi que nada errais;
Y si eso es para habella,
En vano cabras guardais.
Ya me distes vuestra fé
(Sábenlo estas tierras todas):
Yo con ella me engañé,
Que luego mandar llamé
Quien festejase las bodas.
Y agora dicis con pena,
Que es dura cosa casar:
Pues volveos hora buena,
Que no habeis de engañar
Con palabras Florimena.
VENADORO.
Quem se ha de ter coração
Para tamanho temor?
Que em mim pegando estão.
De huma parte a razão.
E d'outra parte o Amor.
Tambem vejo que perdella
Será minha perdição;
Que bem me diz a affeição,
Que pouco faço por ella,
Pois não desfaço em quem são.
PASTOR.
Digoos, si por bajeza
Dicis que no os conviene,
Daros hé una certeza,
Que en sangre y en nobleza,
Tanto como vos la tiene.
VENADORO.
Pastor, digo que daqui
Farei tudo que quizerdes;
E se mais quereis de mi,
Digo que vos dou o si
Para tudo o que quizerdes.
PASTOR.
Dios os dé su bendicion;
Y pues que casais con ella,
Yo os afirmo en conclusion,
Que aun de vos y mas della
Verná gran generacion.
Yo me voy por ella, hijo,
Tomadla asi mal compuesta;
Verná quien haga la fiesta;
Que en placer y regocijo
Nos festeje esta floresta.

SCENA IV.
VENADORO _só_.
Ó ribeiras tão formosas,
Valles, campos pastoris,
Porque vos não revestis
De novas flores e rosas,
Se minha gloria sentis?
Porque não seccais, abrolhos?
E vós, ágoa, que regando,
Os olhos his alegrando,
Correi, que tambem meus olhos
D'alegres estão manando.
Ah pastora, em quem espero
Poder viver descansado!
Comtigo guardarei gado,
Que ja eu sem ti não quero
Nenhuma alteza d'estado.
Diga o que quizer a gente,
Tudo terei n'huma palha,
Porque está claro e evidente
Que não ha honra que valha
Contra a vida descontente.

SCENA V.
_Tres pastores bailando, e cantando de terreiro, diante do pastor, que
traz Florimena._
PASTOR.
Pues el amor os obliga
Á que hagais tan buena liga,
Tomando á Dios por testigo,
Daqui os la entrego, amigo,
Por muger y por amiga.
VENADORO.
Consentis nisto, Senhora?
FLORIMENA.
Senhor, em tudo consento.
VENADORO.
Oh grande contentamento!
FLORIMENA.
Saiba que nunca tégora
Lhe houve inveja ao tormento.
PASTOR.
Asi lo dices, bobilla?
Oh! mala dolor os duela!
Pero no es maravilla
Quien consiente ansi la silla,
Consienta tambien la espuela.

SCENA VI.
_Tornão a bailar e cantar, e acabado, entra D. Lusidardo, e o Monteiro,
que andão em busca de Venadoro._
LUSIDARDO.
Tres dias ha ja que ando
Por esta larga espessura
A Venadoro buscando;
E o que delle vou achando
He como quer a Ventura.
MONTEIRO.
Senhor, cuido que lá vejo
Huns lavradores cantar.
LUSIDARDO.
Hi diante perguntar.
MONTEIRO.
Cumprido he seu desejo,
Se a vista não m'enganar.
LUSIDARDO.
Como assi?
MONTEIRO.
Elle não vê
Aquelle pastor loução
Com huma moça pela mão?
Se Venadoro não he,
Nem eu o Monteiro são.
PASTOR.
Quien veo allá asomar,
Que se viene á nuestras bodas?
BOBO.
No los dejemos llegar,
Que nos vernan á roubar,
Juro á mi, las migas todas.
LUSIDARDO.
Oh Venadoro, meu filho!
Es tu este?
VENADORO.
Tal estou,
Que cuido que este não sou.
LUSIDARDO.
Certo que me maravilho
De quem tanto te mudou.
Como estais assi mudado
No rosto e mais no vestido!
VENADORO.
Ando ja n'outro trocado,
Tanto, que fiquei pasmado
De como fui conhecido.
E se Vossa Mercê vem
Para me levar daqui,
Mais ha de levar que a mi;
E ha de ser quem me tem
Todo transformado em si.
BOBO.
Eso porque lo entendeis?
Por las migas por ventura?
Voto á tal no llevareis:
Por mas y por mas que andeis
No hareis tal travesura.
VENADORO.
Esta formosa donzella
Em mi teve tal poder,
Que folguei de me perder;
Pois, emfim, vim achar nella
O que não cuidei de ser.
Tanto em mi pôde este amor,
Que a tenho recebida;
E se o êrro grave for,
Aqui quero ser pastor:
Deixe-me ter esta vida.
LUSIDARDO.
He certo tal casamento?
VENADORO.
Tenha-o por cousa segura.
LUSIDARDO.
Oh grande acontecimento!
Dest'arte sabe a ventura
Aguar hum contentamento!
PASTOR.
Óigame, Señor, á mi,
Como hombre sabio, discreto,
Porque acaeció así,
Y lo que supo hasta aqui
Lo puede tener por cierto.
Muchos años son corridos
Que en esta fuente abierta,
En estos valles floridos
Hallé dos niños nascidos,
Y á su madre casi muerta.
Los niños chicos crié,
(Y desto cierto me arreo)
Y á la madre sepulté;
Y despues un gran deseo
De saber esto tomé.
Como yo fuese enseñado
De chico á la mágica arte
Por mi padre, que es finado;
Muy conoscido y nombrado
Soy por tal en toda parte.
Yo con yervas de la sierra,
Animales y otras cosas
Haré, si el arte no se yerra,
Que desciendan á la tierra
Las estrellas luminosas.
Soy, en fin, certificado
Que la madre de los dos
Fué Princeza de alto estado.
Y por un caso nombrado
La trajo á esta tierra Dios.
El macho, como creció,
Deseoso de otro bien,
Á la Corte se partió:
La hembra es esta por quien
Vuestro hijo se perdió.
Y si mas quiere, Señor,
De mi arte, prestamente
Dello le haré sabedor;
Mas ha de ser de tenor
Que no lo sepa la gente.
LUSIDARDO.
Mas vamos-nos, se quereis,
Que não soffro dilação,
A minha casa, e então
Lá disso me informareis,
Que caso he de admiração.
E vós, filho, não cuideis
Que a gloria de vos achar
Não he tanto d'estimar,
Qu'em qualquer 'stado que esteis,
Não folgue de vos levar.


ACTO QUINTO.

SCENA I.
_Solina, Dionysa e Filodemo._
SOLINA.
Eis Filodemo lá vem:
Asinha acudio ao leme.
DIONYSA.
Isso he de quem quer bem;
Mas não sei se o vio alguem,
Porque quem espera teme.
Agora me quizera eu
Daqui cem mil leguas ver.
FILODEMO.
Folgára eu assi de ser,
Porqu'este cuidado meu
Fôra mais de agradecer.
Que quando por accidente
A Fortuna desastrada
Vos apartasse da gente
N'hum deserto, onde somente
Das feras fosseis guardada;
Lá por ferro, fogo e ágoa
Buscar minha morte iria;
A voz ronca, a lingua fria,
Tamanho mal, tanta mágoa
Ás montanhas contaria.
Lá, mui contente e ufano
De mostrar amor tão puro,
Poderia ser que o dano,
Que não move hum peito humano,
Que movesse hum monte duro.
DIONYSA.
Nesse deserto apartado
De toda a conversação
Merecieis degradado
Por justiça, com pregão
Que dissesse: _Por ousado_.
E eu tambem merecia
Metida a grave tormento,
Pois que, como não devia,
Vim a dar consentimento
A tão sobeja ousadia.
FILODEMO.
Senhora, se me atrevi,
Fiz tudo o que Amor ordena;
E se pouco mereci,
Tudo o que perco por mi,
Mereço por minha pena.
E se Amor pôde vencer,
Levando de mi a palma,
Eu não lho pude tolher;
Que os homens não tẽe poder
Sôbre os affectos da alma.
E ainda que pudera
Resistir contra o mal meu.
Saiba que o não fizera;
Que pouco valêra eu,
Se contra vós me valêra.
Não deve logo ter culpa
Quem se venceo d'armas tais:
Assi que nisto, e no mais,
Tomo por minha desculpa
Vós mesma que me culpais.
E se este atrevimento
Com tudo for de culpar,
Acabae de me matar;
Que aqui tenho hum soffrimento
Que tudo póde passar.
E se esta penitencia,
Que faço em me perder,
Algum bem vos merecer,
Fique em vossa consciencia
O que me podeis dever.
Que dizeis a isto, Senhora?
DIONYSA.
Eu que vos posso dizer?
Ja não tenho em mi poder,
Segundo me sinto agora,
Para poder responder.
Respondei-lhe, vós Solina,
Pois que a vós me entreguei.
SOLINA.
Bofé não responderei:
Veja ella o que determina.
DIONYSA.
Não o vejo, nem o sei.
SOLINA.
Pois eu tambem não sei nada.
DIONYSA.
Porque?
SOLINA.
Do que eu fizer,
Se despois se arrepender,
Dirá qu'eu fui a culpada.
DIONYSA.
Eu só quero a culpa ter.
SOLINA.
Senhora, por não errar,
Não quero que fique em mim.
Esta noite no jardim
Ambos podem praticar
Como isto venha a bom fim.
Lá poderão ajustar
Entr'ambos o parecer;
Qu'eu não m'hei nisso de achar,
Que não quero temperar
O que outrem ha de comer.
DIONYSA.
Vós vêdes a torvação,
Que lá nessa casa vae?
SOLINA.
Dá-me cá no coração
Que he vindo o Senhor seu pae
Com o Senhor seu irmão.
DIONYSA.
Filodemo, hi-vos embora,
Fallae depois com Solina.
SOLINA.
Vamos-nos tambem, Senhora.
Receber seu pae lá fóra;
Não venha sentir a mina.

SCENA II.
_Vilardo e Doloroso, que vem dar hum descante a Solina com os Musicos._
VILARDO.
Assi que te contava, Doloroso, destas em que sempre andão rugindo as sedas.
DOLOROSO.
Avante, que bem sei que o não dizeis polas sedas de Veneza.
VILARDO.
Ja sabeis que esta nossa Solina he tão Celestina, que não ha quem a
traga a nós.
DOLOROSO.
Logo parece moça brigosa, que por dá cá aquellas palhas, dará e tomará
quatro espaldeiradas; e ao outro dia quem ha de cuidar que huma mulher
de sua arte ha de querer bem a hum parvo como a ti? porque estas taes
são como homens sisudos; se de noite se achão em algum arruido, onde
possão fugir sem serem conhecidos, facilmente o fazem; e ao outro dia
quem ha de cuidar que hum tão honrado havia de fugir? Outros dizem: Bem
pode ser, porque noite escura he capa de Judeos e de envergonhados.
VILARDO.
Mui gentil comparação he esta. Mas assi que te dizia, o outro dia assi
zombando lhe prometti de lhe dar huma musica, e ja chamei outros dous
meus amigos, que logo hão de vir aqui ter comnosco.
DOLOROSO.
Que tal he a musica que determinas de lhe dar? Não seja de siso; porque
será a maior parvoice do mundo, porque não concerta com a parvoice que
tu finges.
VILARDO.
A musica não he senão das nossas; mas faço-te queixume, que nem com hum
cão de busca pude achar humas nesperas por toda esta terra.
DOLOROSO.
Nem as acharás senão alugadas; mas eu não sou de opinião que teus amores
te custem dinheiro. Ora ja lá apparecem os outros companheiros, e eu
tambem ajudarei de telhinha ou de assovio; e vem-me isto á popa, porque
daqui iremos á porta da minha padeirinha, porque ando com ella n'hum
certo requerimento.
VILARDO.
Vossas Mercês vem ao proprio: boa seja a vinda. As guitarras vem
temperadas?
DOLOROSO.
Tudo vem como cumpre: mandae vigiar a Justiça entretanto.
VILARDO.
Ora sus: fazei como se temperasseis cabeça de pescada com seu figado e
bucho, e canada e meia, que nunca meu pae fez tamanho gasto na sua Missa
nova.
_Neste passo se dá a musica com todos quatro, hum tange guitarra, outro
pentem, outro telhinha, outro canta cantigas muito velhas, e no melhor
diz Vilardo:_
Estae assi quedos, que eu sinto quem quer que he.
DOLOROSO.
Justiça, pelo corpo de tal! Ora sus: aqui não ha outro valhacouto que
nos valha, que pôr os pés ao caminho, e mostrar-lhe as ferraduras.

SCENA III.
O MONTEIRO _só_.
Como he gracioso este mundo, e como he galante! E quão gracioso sería
quem o pudesse ver de palanque com carta d'alforria ao pescoço, porque
não podessem entender nelle Meirinhos, Almotacés da limpeza, trabalhos,
esperanças, temores, com toda a outra cabedella de enfadamentos! Ora
notae bem de quantas côres teceo a Fortuna esta manta d'Alentejo:
perdeo-se Venadoro na caça, eis a casa toda envolta como rio: o pae
enfadado, a irmãa triste, a gente desgostosa; tudo, emfim, fóra do
couce; e o galante aposentado nos matos com trajos mudados como
camaleão, decepado dos pés e das mãos, por huma serranica d'Alentejo; e
veio acaso a sahir de maneira fóra da madre, que a recebeo por mulher; e
rapa oleo e chrisma de quem he, e renega todas as lembranças de seu pae;
pois tanto tomou ao pé da letra o que Deos disse: _Por esta deixarás teu
pae e mãe_. E attentae isto por me fazer mercê: cuidareis que este caso
era _solus peregrinus_: sabei que os não dá a fortuna senão aos pares,
como quédas. Dionysa mais mimosa e mais guardada de seu pae que bicho de
seda, moça sem fel como pombinha, que nos annos não tinha feito inda o
enequim; mais formosa que huma manhãa do S. João, mais mansa que o Rio
Tejo, mais branda que hum Soneto de Garcilasso, mais delicada que hum
pucarinho de Natal; emfim, que por meia hora de sua conversação se
poderá soffrer huma pipa com cobra e gallo e doninha, como a parricida,
com tanto que dissesse o pregão o porque; porque vos não fieis em
castanhas (não sei se diga, se o cale, que de magoado me trava pola
manga a falla da garganta; mas, com tudo, não ha quem se tenha) seu pae
a achou esta noite no jardim com Filodemo, mais arrependida do tempo que
perdêra, que do que alli perdia: eu, coitado de mi, que meta os dentes
nos cabeçaes se desejar ave de penna.

You have read 1 text from Portuguese literature.
Next - Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 17
  • Parts
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 01
    Total number of words is 3859
    Total number of unique words is 1439
    35.2 of words are in the 2000 most common words
    49.7 of words are in the 5000 most common words
    56.2 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 02
    Total number of words is 3880
    Total number of unique words is 1310
    35.3 of words are in the 2000 most common words
    47.9 of words are in the 5000 most common words
    53.8 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 03
    Total number of words is 3737
    Total number of unique words is 1248
    33.4 of words are in the 2000 most common words
    46.1 of words are in the 5000 most common words
    52.8 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 04
    Total number of words is 3775
    Total number of unique words is 1176
    34.5 of words are in the 2000 most common words
    46.3 of words are in the 5000 most common words
    52.2 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 05
    Total number of words is 3791
    Total number of unique words is 1216
    35.3 of words are in the 2000 most common words
    48.6 of words are in the 5000 most common words
    55.4 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 06
    Total number of words is 3981
    Total number of unique words is 1601
    31.0 of words are in the 2000 most common words
    45.7 of words are in the 5000 most common words
    53.0 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 07
    Total number of words is 4087
    Total number of unique words is 1559
    32.6 of words are in the 2000 most common words
    47.3 of words are in the 5000 most common words
    55.9 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 08
    Total number of words is 4185
    Total number of unique words is 1627
    32.6 of words are in the 2000 most common words
    46.9 of words are in the 5000 most common words
    53.2 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 09
    Total number of words is 4206
    Total number of unique words is 1556
    35.5 of words are in the 2000 most common words
    51.3 of words are in the 5000 most common words
    58.2 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 10
    Total number of words is 4150
    Total number of unique words is 1316
    36.2 of words are in the 2000 most common words
    49.9 of words are in the 5000 most common words
    55.4 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 11
    Total number of words is 3700
    Total number of unique words is 1341
    32.8 of words are in the 2000 most common words
    43.0 of words are in the 5000 most common words
    49.2 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 12
    Total number of words is 3686
    Total number of unique words is 1266
    28.0 of words are in the 2000 most common words
    37.8 of words are in the 5000 most common words
    42.4 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 13
    Total number of words is 3579
    Total number of unique words is 1136
    33.6 of words are in the 2000 most common words
    46.4 of words are in the 5000 most common words
    52.1 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 14
    Total number of words is 4072
    Total number of unique words is 1377
    34.6 of words are in the 2000 most common words
    49.4 of words are in the 5000 most common words
    55.2 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 15
    Total number of words is 3761
    Total number of unique words is 1254
    34.7 of words are in the 2000 most common words
    47.8 of words are in the 5000 most common words
    54.5 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 16
    Total number of words is 3980
    Total number of unique words is 1399
    30.7 of words are in the 2000 most common words
    42.2 of words are in the 5000 most common words
    48.5 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 17
    Total number of words is 4708
    Total number of unique words is 1557
    34.6 of words are in the 2000 most common words
    47.6 of words are in the 5000 most common words
    54.4 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.
  • Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - 18
    Total number of words is 274
    Total number of unique words is 174
    59.7 of words are in the 2000 most common words
    72.2 of words are in the 5000 most common words
    77.2 of words are in the 8000 most common words
    Each bar represents the percentage of words per 1000 most common words.