O retrato de Venus e estudos de historia litterária - 5

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Paolo Calliari Veronese (Paulo Veronese) n. 1532, m. 1588. Seus
quadros farão sempre as delicias dos amadores da arte pela riqueza
d’ordem, belleza de caracteres, bom gôsto de roupagens, frescura de
colorido e nobre elegancia de figuras.
Giacomo Palma (Palma il Vechio) n. 1540, m. 1588; imitou a natureza
sempre bella, e com um _bem-acabado_ sem affectação.

SECULO XVII
Tiago Palma (Giacomo Palma il Giovane) n. 1544, m. 1628. Foi discipulo
de Tintoreto, que imitou optimamente.
Carlos Veneziano n. 1585, m. 1625. Seu colorido imita bem Corregio, e
suas physionomias engraçadas as de Guido.
Alessandro Veronese dito o _Turchi_, ou _Orberto_ n. 1600, m. 1670;
desenhou bem, e coloriu como um Veneziano.

SECULO XVIII
Giam Battista Piazzeta morto no fim do XVIII seculo. Seu colorido é
mau, mas o desenho imita muitas vezes, e com verdade, a nobre altivez
de Miguel Angelo.
Rosa Alba Carriera n..., m. 1761. Seus retratos e pasteis são
conhecidos em toda a Europa; seu principal merecimento é o novo gôsto,
e maneira singular, com que trabalhou em miniatura.


CAPITULO VII
Da Eschola Flamenga

A eschola Flamenga é a de Rubens e Wandick; tanto basta para o seu
elogio.--Van-Eick, tam conhecido pelo invento da pintura a oleo, foi
o seu chefe. Quem amar a nobreza do pincel Romano, a bella arrogancia
do Florentino, as graças do _antigo_, as gentilezas Gregas; não
será decerto muito apaixonado das producções Flamengas. Os gelos do
paiz, o temperamento frio dos habitantes são as causas necessarias e
naturaes do pouco fogo que se lhes nota. Mas, em trôco desta falta, que
bellezas lhes não achará o amador imparcial e singelo! Ninguem, senão
os pintores Flamengos, appresenta em seus quadros um _bem-acabado_,
um _completo_, que parece superior á paciencia humana; uma fidelidade
original na imitação da natureza, que encanta e admira. O seu defeito
todavia é o menos-preço d’aquella generica e fundamental regra das
boas-artes: _Imitar a bella natureza_; isto he, _saber extremar n’ella
o bello do mediocre_. Nisto falharam de certo, exprimindo-a muitas
vezes com a cega punctualidade, e o _verbo ad verbum_ d’um _fidus
interpres_; mas este mesmo defeito (permitta-se-me julga-lo assim,
com quanto vou contra o commum parecer) dá muitas vezes ás pinturas
Flamengas encantos simplices, e singelos, que em nenhumas outras se
encontram.
Nesta numerosa eschola se classificam todos os pintores das nações
do norte; e se os caracteres, mais que as patrias, devem ser neste
ponto os verdadeiros dados, não duvidarei tambem ennumerar n’ella os
poucos bons inglezes. Nunca pude gostar da pintura Britannica: um
contra-natural, um monotono, um forçado no colorido, um sempiterno gêlo
na expressão, que sempre lhe notei, me fizeram olha-la com desprezo,
e a não ser o moderno West, (de quem adiante fallarei) de certo os
inglezes avultariam bem pouco neste ramo das boas-artes.

SECULO XV
João Van-Eick n. 1370, m. 1441; fundou a sua eschola, e inventou a
pintura a oleo. Nada mais se sabe.
Alberto Durero n. 1471, m. 1528. Seu desenho é correcto, sua imaginação
viva, sua maneira firme; mas falhou muito nos costumes.

SECULO XVI
João Holbein n. 1498, m. 1554. Sua imaginação é sublime, o colorido
vigoroso, e suas figuras tem um ar de relêvo, que engana. Em geral o
pintar deste mestre parece mais Lombardo, que Flamengo.
Otam Vaen ou Vaenio n. 1556, m. 1634; formou-se no gôsto Romano, que
lhe deu muita correcção de desenho, e belleza de expressão; qualidades,
a que ajunctou grande intelligencia de claro-escuro.
Bloemart n. 1567, m. 1647. Um toque expedito e livre, bellas roupagens,
muita sciencia de claro-escuro são os caracteres d’este pintor.
Pedro Paulo Rubens n. 1567, m. 1640. Nada será bastante para fazer
descer este grande homem do grau illustre de primeiro pintor historico.
Não quero, nem devo occupar-me de seus defeitos; releva-me só dizer:
que o seu colorido é verdadeiro e brilhante, sua imaginação fertil, seu
claro-escuro sabio, todo elle é encantador.--A galleria do Luxembourg
é a sua melhor obra: mas um quadro allegorico da guerra (no palacio
ducal de Florença) no meu parecer, e no de muitos, não é inferior.
Fogo brilhante, nobreza poetica, côr excellente;[22] caracteres
interessantes, composição precisa, intelligente distribuição de luz;
tudo se juntou neste quadro; e n’um grau de formusura, a que só a
allegoria póde remontar. A simples ideia deste painel vale bem uma
Iliada, e todos os Klopstocks juntos talvez a não produzissem: «É a
_transfiguração_ de Rubens» dizia um philologo meu conhecido, alludindo
ao célebre quadro de Raphael. «A vida dos homens sabios é o cathalogo
de suas obras» diz um grande litterato[23]. Esta sentença desculpa a
minha diffusão.

SECULO XVII
Antonio Wandick n. 1599, m. 1641. Foi discipulo de Rubens, e a maior
honra do mestre; verdadeiro e simples na imitação da natureza. O seu
genero foi o retrato, em que ninguem o excedeu.
Rembran-Van-Ryn n. 1606, m. 1674; foi grande no _claro-escuro_, na
harmonia das côres: na imitação do relêvo. Seus quadros são conhecidos
pelo fundo negro.
Vander-Kabel n. 1631, m. 1695; distinguiu-se absolutamente da sua
eschola pela imitação dos Caraccis e Salvator Rosa.
Eglone-Vandernér, ou Vandernêér n. 1643, m. 1697. Um colorido vivo, um
pincel mimoso lhe fizeram naturalmente procurar os assumptos amorosos,
em que foi excellente.
Wanderwerff n. 1659, m. 1722. Seus toques são firmissimos, e seu
desenho correcto.

SECULO XVIII
Antonio Raphael Mengs n. 1728, m. 1779. Tem uma verdade de colorido,
e uma facilidade de pincel, que distingue as suas obras de quaesquer
outras.
Gerardow n..., bem conhecido pelo seu _Hydropico_ que existia no
palacio real em Turin, e que Mr. Cochin na sua viagem de Italia não
duvída chamar o melhor quadro Flamengo, e assegura ter sido um dos mais
estimados do principe Eugenio.[24]

NOTAS DE RODAPÉ:
[22] A muito me affoito, conceituando da belleza de côr d’um quadro,
que nunca vi, senão em estampa, e má estampa; mas fio-me na auctoridade
de eruditos viajantes. Haverá dous annos que me communicou esta estampa
em Lisboa o sabio philologo J. B. S. Dos apontamentos, que então fiz,
extrahi esta e outras discripções, que por ahi vão.
[23] Voltaire: _Siècle de Louis XIV_.
[24] Muito há que li estas viagens, assim como as memorias de Mr.
l’Abbé Richard; de maneira que agora não poderei asseverar em qual dos
dous encontrei Gerardow, e o seu hidropico. Á leitura d’ambos remeto os
curiosos.


CAPITULO VIII
Da Eschola Franceza

A eschola Franceza, filha da Romana (segundo Pruneti) honra muito a sua
progenitora. Desde o seculo XVII as Italianas (seu modelo) declinavam
muito; ja se não viam Rafaelos, Corregios, nem Ticianos: parece que
a natureza, esgotada por tam grandes talentos, queria descançar.
E nesta mesma epocha (principios do seculo XVIII, e fins do XVII)
brilhavam em França Le Brun, Lesueur, Subleiras etc. Veio o seculo XIX
tam memorando pelas extraordinarias mudanças, que viu a Europa; e em
quanto a revolução Franceza, e suas consequencias aniquilavam em toda a
parte[25] as boas-artes; a França apresentava ao mundo o mais brilhante
espectaculo. Por entre o ruido das armas e o estrepito dos combates,
as margens do Sena,
_D’onde, arrancando omnipotencia aos fados, Impoz tropel d’heroes
silencio ao globo_
(BOCAGE)
se ornavam com todo o esplendor das sciencias e artes. A mesma
Theologia tam sêca, e enfadonha nas mãos de Santo Thomaz, tam immoral
nas de Mollina, e Sanches, muda de fórma, toma nova essencia, e na
milagrosa penna de Chateaubriand surge com uma belleza e magestade,
que jamais puderam dar-lhe o douto Agustinho, o eloquente Origenes.
Com bem justiça, em quanto a mim, se podem a si proprios applicar os
Francezes, a respeito das outras nações, aquella sentença de Seneca:
_Multum egerunt qui ante nos fuerunt, sed non peragerunt_.[26] Nesta
epocha brilhante e memoranda nos fastos da humanidade, das sciencias
e das artes, a pintura renova em París os seculos de Augusto, de Leão
X e de Luiz XIV. Os generaes victoriosos traziam de toda a parte os
monumentos mais preciosos das boas-artes. O Vaticano, o Belveder,
o Capitolio, Roma, toda a Italia foi exhaurida, e suas riquezas de
sculptura e pintura transportadas á nova capital do mundo. Então
appareceram em França David, Girodet, e muitos outros, que vão parelhas
com os mais famosos Italianos, se em parte os não excederam. Lavater
no seu ingenhoso livro das physionomias não se attreveu a caracterisar
os Francezes. Seus genios e maneiras tam incertos e incapazes de
classificação, como sua variada phisionomia, impedem affixar-lhes
com exactidão a caracteristica; e philologos por isso houve, que não
quizeram considerar na Franceza uma eschola; porem esta assersão é sem
critica, e pouco seguida. Pruneti no seu _Ensaio Pictorico_ accusa a
eschola Franceza de mau colorido, e ignorancia do _antigo_. Eu, sem me
attrever a contrastar este parecer, julgo que tal imputação não pode
ter lugar na moderna eschola franceza; mas somente se deve referir á
antiga. Pruneti todavia não conheceu a eschola de David; mas devia
conhece-la seu traductor Taborda; devêra estuda-la para emendar o
seu original, e exceder assim a mediocridade d’um traductor servil,
accrescentando-lhe novas ideias. O grande genero francez é geralmente o
historico. O chefe desta eschola, querem uns que seja Roux, ou Rosso,
outros que Leonardo da Vinci: Pruneti assevera que fôra Primaticio
Bolognese e o faz alumno da eschola Romana. Eu o classifiquei na
Lombarda; mas confesso que me enganei; porque o seu pintar, verdadeira
norma, é mais Romano, que Lombardo.

SECULO XVI
Vovet n. 1590, m. 1649. Teve um desenho altivo, e um pincel vigoroso;
mas imitou depois todas as boas e más qualidades de Mig. Ang. de
Caravaggio.
Nicolau Poussin: Pruneti o faz nascido em 1594; mas Voltaire (_Siècle
de Louis XIV_) assevera esta data em 1599. A boa critica decide por
este, como nacional, e tam instruido nos successos d’um tempo, cuja
historia nos deu. O mesmo Voltaire diz que Poussin era chamado o pintor
das pessoas de spirito, e acresenta que tambem das de gôsto se podia
dizer. Soube bem o _antigo_ e o desenho; mas o gôsto Romano lhe deu
um colorido sombrio. Sua philosophia (diz o grande escriptor) o fez
superior ás intrigas de Le Brun, e morreu pobre mas contente em 1665.
Pedro Valentin de Colonier n. 1600, m. 1632; imitou Poussin; teve um
colorido harmonioso, boa ordem nas figuras, mas pouca correcção no
desenho.
Jacques Blanchard foi imitador feliz das bellezas de Ticiano. Nasc.
1600, m. 1638.
Lesueur n. 1617, m. 1655. Seu ingenho é sublime e elevado, seu gôsto
de roupagens magnifico. É um dos primeiros pintores da antiga eschola
Franceza.
Pedro Mignard n. 1610, m. 1638. O estudo, e imitação de Raphael e
Ticiano o fizeram algum tempo rival de Le Brun; mas a posteridade
imparcial o extremou bem.
Carlos Le Brun n. 1619, m. 1690. Sua composição, dignidade de exprimir,
e fidelidade de costumes se conhece principalmente pelas batalhas de
Alexandre, que Voltaire julga superiores ás de Paulo Veronese; mas
apezar do meu respeito a um tal historiador, e philologo, creio que
nisto se engana, bem como no elogio do seu colorido, que todos taxam de
menos correcto.

SECULO XVIII
José Vivien n. 1651, m. 1735. Retratou bem a pastel, teve muita belleza
e fecundidade de ideias, e executou bem.
Pedro Subleiras n. 1699, m. 1749. Fertilidade de ingenho, grandeza de
estylo, viveza de colorido, magnifica prespectiva, boas roupagens são
os seus caracteres, e os d’um grande pintor.
João Baptista Santerre n..., m.... Seu merecimento principal é um
colorido verdadeiro e terno. O quadro de _Santa Thereza_ na capella de
Versailles é um dos esmeros d’arte mais preciosos e bellos; com quanto
um pouco voluptuoso de mais, de que ao assumpto e logar cumpria.

SECULO XIX
David[27] é não só o primeiro pintor da moderna eschola Franceza, mas
por ventura o primeiro do mundo, depois de Raphael. Que vastidão e
sublimidade de ideias! Que força e verdade no colorido! Finalmente as
suas composições reunem todas as boas qualidades, que apenas se acham
dispersas pelos quadros mais famosos das antigas escholas, e que só
a elle foi dado juntar. Fallem os prodigiosos quadros de Belisario,
do juramento dos Horacios, da morte de Sócrates, e sobre tudo o
incomparável quadro das Sabinas, o _non plus ultra_ da concepção e
execução, e a eterna inveja de todos os pintores existentes e futuros.
Girodet igualmente se tem distinguido muito pela elegancia de suas
composições, e suavidade de seu colorido, que nos seus quadros, quer de
perto, quer de longe, presenta quasi o mesmo effeito. Não tem as graças
virís de David; mas um acabado, uma doçura, uma maneira de exprimir,
que o caracterisam, e tornam por extremo encantadoras suas bellas
producções. Vejam-se os quadros do _enterro d’Atala_, e da Virgem.
Gérard por seus excellentes retratos, chamado o Wandick de França,
é tambem pintor historico e famoso pelo bom arranjo e ordem de seus
grupos, pannejado, ou trapejado de suas figuras, e bella correcção de
desenho. Seus grandes quadros são o Belisario, a Batalha d’Austerlitz,
e ultimamente a entrada de Henrique IV em Paris, que lhe grangeou o
logar de primeiro pintor da Camera de Luiz XVIII; não porque Girodet
seja superior a David, nem mesmo igual, mas porque soube lisongear a
tempo.
Régnault é muito conhecido pela correcção do desenho; porém o seu
colorido, em demasia brilhante, é mais contrafeito, que natural:
todavia deu muitos e bons discipulos, e entre elles o mais famoso é:
Guérin tão celebre pelos seus quadros de Phedra, e Hyppolito, de
M. Sexto, e da narração de Eneas a Dido. Seus caracteres são fogo
pictoresco e muita sciencia de _claro-escuro_.
Le Gros bem conhecido pintor de historia segue a David. É mui celebre o
seu quadro de Francisco I, e Carlos V em S. Diniz.
Vernet, filho do paizagista do mesmo nome, e que no genero de batalhas
é sem par. Só elle conseguiu exprimir com todo o fogo, e energia os
brutos, que puxam o carro de Neptuno.

NOTAS DE RODAPÉ:
[25] Á excepção da Inglaterra e Russia, e tambem de Portugal, que então
colhia os fructos de todas as fadigas de Pombal e Manique.
[26] Seneca _Epist._ 65
[27] Tinha-me feito a mim proprio uma lei de não nomear nenhum pintor
vivo; mas o reconhecido merecimento destes, o serem estrangeiros, a
necessidade de fallar da moderna eschola Franceza, e não podêr faze-lo
de outra maneira, me obrigou a infracção da lei, e quebra do protesto.


CAPITULO IX
Dos Pintores Inglezes, e principalmente de West

West é o unico inglez, cujas obras mereçam collocar-se a par das
boas das outras nações. Os Inglezes não tem o genio da pintura. A
natureza do paiz não é bella, o sexo frio e desleixado; as proporções
do corpo em geral irregulares, mal feitas; o caracter da nação duro e
rispido; os costumes ferozes; tudo em fim concorre a impossibilitar a
Gran-Bretanha de produzir bons pintores. Um inglez bem conhecido, o
barão de Chesterfield o confessava, quando n’uma de suas cartas a certa
dama franceza diz: Every country has talents peculiar to it, as well as
fruits, or other natural productions. We here think deeply, and fathom
to the very bottom. Italian thoughts are sublime to a degree beyond all
comprehension. You keep the middle path, and consequently are seen
followed, and beloved (CHESTERFIELD _Letters_: Lett. 444.) Comtudo West
soube distinguir-se de seus compatriotas por um genio vasto, e desenho
correcto; mas seu caracter de pintura não é sublime; e o seu colorido
(como o geral da nação) contrafeito e improprio.


CAPITULO X
Dos Pintores Portuguezes

Tem-se escripto muito, e muito controvertido sobre a Pintura
portugueza, e sua historia; mas tanto nacionaes, como estrangeiros
(affoitamente o digo) sem critica. O exame de seus escriptos, das
obras dos nossos artistas me suscitou a ideia de entrar com o faxo
da philosophia neste cahos informe e desembaraçar, quanto em mim
fosse, com o fio da critica este inextricavel labyrinto. Não pretendo
adiantar ideias novas: pois donde as haveria? Menos ainda refutar as
poucas historicas que temos: pois que documentos poderia allegar? Mas
simplesmente examinar o que ha, e dar-lhe ordem e methodo. Eis aqui o
que é meu, o resto é dos escriptores, de quem o houve. Com estes dados
considerei em Portugal quatro epochas de pintura, umas mais, outras
menos brilhantes: por via destas divisões será por ventura mais facil o
formar um systema historico desta boa-arte entre nós.

EPOCHA I
(Seculos XI até XIV)
O erudito arcebispo Cenaculo, Barbosa e outros modernos, na
investigação das antiguidades da pintura portugueza, conjecturaram
muito e com muita fadiga, mas pouco fructo. O desleixamento daquelles
seculos meio-barbaros em se lembrar da posteridade com a historia
de seu tempo, não deixa aos animos estudiosos, e amigos da gloria
patria, senão o desejo e infructuoso trabalho de vagar sem rumo por
um pelago de conjecturas, a qual mais vaga. Que Italia e Portugal
eram, nestas epochas remotas dos seculos XI, XII e XIII, as provincias
menos barbaras da Europa; seus monumentos publicos, templos, estatuas
e ainda livros o mestram. Alcobaça e Santa Cruz de Coimbra são, alem
d’outras, incontrastaveis provas da minha asserção. Vivia entre nós a
pintura; e vivia o melhor, que do gosto do tempo se podia esperar. Quem
exigir mais diffusão, póde ver os citados Barbosa, e Cenaculo, e todos
os allegados pelo moderno Taborda. O resultado philosophico de quanto
disseram é em poucas phrases:--Que esta arte antiquissima entre nós
remonta ao principio da monarchia.--Que barbara e gothica ao principio,
se foi pouco e pouco melhorando, já pelas viagens dos nossos mestres
á Italia, já pelas obras e pintores, que de lá vinham chamados pelo
bom acolhimento, que lhes nossos monarchas faziam.--Que existem ainda
deste tempo algumas pinturas, cujo auctor se ignora.--Que nos reinados
d’Affonso V, e João II ja tinhamos pintores de nome, como Gonsalo Nuno,
João Annes, e Alvaro de Pedro. Que o estylo da nossa pintura deste
tempo, era um mesclado de gothico e grego-moderno, similhante ao de
Cimabúe, Guido de Sienna, e Pedro Perugino.--O gôsto do _antigo_, que
então começava a prevalecer na Italia, e que de lá se communicou a
Portugal pela protecção, com que o amador das boas-artes, D. Manoel
especializou a pintura, assignala a segunda epocha, que se deve contar
do XV seculo.

EPOCHA II
(Seculos XV e XVI)
«Em quanto a França se occupava em justas e torneios, em discordias e
guerras civís, Portugal descobria novos mundos, fazia o commercio da
Europa, e produzia um sem numero de Camões, antes que em París houvesse
um só Malherbe» diz Mr. Voltaire (_Siècle de Louis XIV_), e devêra
accresentar que, antes que nascessem Le Brun e Poussin, ja Portugal
contava, na longa serie de seus pintores, Gran Vasco, Francisco de
Hollanda, Claudio Coelho, e mil outros. D. Manoel chamado o feliz,
foi o pae das sciencias e artes: e se João III contou no seu tempo
mais sabios, que seu illustre antecessor, fructos foram, que em seu
tempo amaduraram; mas devidos ás fadigas do semeador e cultor o grande
Manoel. Gran Vasco, Gonsalo Gomes, Fr. Carlos todos são deste tempo.
O commercio e conquistas da India tinham elevado o reino a um gráo
de opulencia, desconhecido então das outras nações. D. Manoel quiz
eternizar-se com a fabrica do mosteiro de Belem; conhecendo:
_Que d’acções immortaes se murcha a gloria,
Se a não regam as filhas da memoria._
(DINIZ od.)
Os mancebos de mais esperanças foram mandados á Italia a aperfeiçoar-se
na pintura. Affonso Sanches, Fernão Gomes, Manoel Campello, Christovão
Lopes e outros, voltaram approveitados, e enriqueceram não só Belem e
Lisboa, mas o reino e toda a Europa com suas primorosas obras. Veio
depois Francisco de Hollanda, Diogo Pereira e Claudio Coelho, que não
deixaram ao seculo de Manoel e João III[28] que invejar ao de Luiz
XIV. O estylo pomposo de Miguel Angelo, que tanto agradava ao genio
altivo d’uma nação conquistadora, prevalecia muito entre os pintores
portuguezes, que nem por isso menos presaram o desenho de Raphael,
e o colorido de Ticiano, que ainda hoje se admira, em suas bellas
composições.

EPOCHA III
(Seculo XVII)
Espiraram com D. Sebastião nas areias de Africa o valor e espirito
portuguez; cairam as sciencias, esmoreceram as artes; e, com quanto
os intrusos Philippes favoreciam alguma cousa o talento; a abundancia
e riquezas, em cujo seio se crearam sempre os grandes ingenhos tinham
desamparado o reino, e sepultado a nação no lethargo politico, na
miseria e na ignorancia. As cinzas das sciencias fumegavam com tudo;
e os ultimos vislumbres d’um clarão moribundo, mas ainda grande,
allumiaram ainda a Amaro do Valle, Estevão Gonsalves, José d’Avellar e
Bento Coelho.--Surgiu finalmente a independencia portugueza depois de
60 annos de escravidão; mas o genio da nação estava muito abatido; era
necessario ainda o decurso de muitos seculos para o levantar. Vem-se
com tudo desta quadra muitas pinturas, supposto não mereçam comparar-se
com as do bom tempo de Campello e Claudio. Bem como nos animos, reinava
na pintura por estes desgraçados tempos a servidão e mau gosto, que se
limitava a copiar e imitar com baixeza; e por ventura pela mesma razão,
que nos fez desprezar a materna lingua, para escrevermos na hespanhola:
lisonja vil e indigna do nome portuguez, eterno opprobrio e mancha de
escriptores, aliás benemeritos, como Faria e Sousa, que enxovalhou sua
fama com tal baixeza e vituperio,[29] e a marcou indelevelmente com o
ferrête da sordida adulação; perniciosa mania, que tanto estragou o
idioma de Camões e Barros, e a tal ponto, que os esforços e fadigas de
tantos sabios e philologos tem sido pouco para a restaurar.

EPOCHA IV
(Seculos XVIII e XIX)
A longa paz do reinado de D. João V, o commercio das colonias
Americanas, as riquezas e abundancia consecutivas fizeram reviver as
artes e sobretudo a pintura e architectura. Começou-se Mafra pela
mesma razão, que se começara Belem: a Italia recebeu de novo muitos
alumnos portuguezes; e como Luiz XIV fizera em Roma, fez João V,
instituindo n’aquella cidade uma academia de pintura. Francisco Vieira
Lusitano, Ignacio d’Oliveira, e muitos outros foram o digno fructo dos
cuidados do monarcha, merecedor por seus bons desejos d’um seculo mais
philosopho, e d’uma côrte menos hypocrita. N’este estado de cousas
começou a reinar D. José, e com elle o marquez de Pombal: tudo mudou de
face; cahiu o colosso jesuitico, o reino d’Aristoteles e a barbaridade
Thomistica[30]; brilhou a pintura como a poesia, e as outras artes e
sciencias. O governo doce e moderado de Maria I acabou de aperfeiçoar
o que principiara e adiantara D. José, e o marquez de Pombal, que na
universidade de Coimbra,[31] em Mafra, no collegio dos nobres, e outras
partes tinham instituido aulas de desenho e pintura. D. Maria fundou
a academia do _nu_; em seu tempo[32] se instituiu a de desenho do
Porto. A nenhum bom portuguez devem esquecer os vigilantes cuidados do
intendente Manique, a quem a pintura, a esculptura e mais artes devem
tanto em Portugal. Esta fertil epocha produziu um Pedro Alexandrino,
Vieira Lusitano, Teixeira Barreto, Vieira Portuense, Sequeira, e
muitos outros, cujos nomes callo, mas bem conhecidos pelas suas bellas
producções. A verdade, a expressão, o bello natural são os caracteres
dominantes nestes tempos.

PINTORES PORTUGUEZES DA I EPOCHA
(Seculo XI até XIV)
Alvaro de Pedro viveu e pintou na Italia pelos annos de 1450. Nada mais
se sabe; mercês á incuria de nossos avoengos. Oxalá que este miseravel
e vergonhoso exemplo sirva de estimulo a netos, que possam melhor que
eu, transmittir á posteridade a memoria illustre de nossos coévos.
Noto de passagem que o traductor da oração de Belori assevera, com uma
intrepidez que me espanta, serem de Gonsalo Nuno, ou Nuno Gonsalves
as pinturas da capella de S. Vicente na sé de Lisboa. O mesmo dizem
Francisco de Hollanda e Bermudes.
João Annes. Deixadas conjecturas, nada mais sabemos deste pintor, senão
que vivia pelos annos de 1459 por uma carta de privilegio dada por D.
Affonso V. (_Vide_ Taborda, Cenaculo, etc.)
Vasco dito o grande (Gran Vasco). Sabemos por documentos d’aquelle
tempo, que vivia ainda nos fins do XV seculo. Seu stylo do antigo
modo Florentino faz julgar aos sabedores, que estudára com Pedro
Perugino. Desenho, ainda que rude, exacto, attitudes energicas, grande
conhecimento de architectura, bellas paizagens são os caracteres deste
insigne mestre, que fertil, e assiduo no trabalho enriqueceu todo
o reino com seus primores. Muitos templos de Lisboa, o da Ordem de
Christo em Thomar, e outros o attestam. Foi pintor de D. Affonso V,
e segundo o traductor portuguez de Belori, tambem de D. Manoel. Um
periodico de Lisboa (que infelizmente se intitula Mnemosine Lusitana)
quer que o melhor quadro de Vasco seja o da paixão de Christo no horto
(em Thomar): pintura (diz elle) porque um Inglez philologo, dava 6:000
cruzados, e uma boa copia. Desejava de todo o meu coração, que o
redactor, ou redactores tivessem, ao menos nisto, razão: em quanto a
mim o amor da patria m’o faz crer facilmente.

PINTORES PORTUGUEZES DA II EPOCHA
(Seculo XV e XVI)
Gonsalo Gomes, de quem nada mais se sabe senão que vivia nos fins do
seculo XV, foi pintor de D. Manoel: e a estimação, que este sabio rei
d’elle fez, é o unico, mas relevante testemunho do seu merecimento.
Na chronica de D. Manoel é chamado Duarte Darmas _grande pintor_, e
como tal enviado por el-rei a debuxar as entradas de Azamor, Salé, etc.
(_Vide_ Damião de Goes, _Chron. de D. Man._, part. II, cap. 27, pag.
208, ediç. de 1819).
Firmado no proprio testemunho do auctor assevera (e não sei se com
razão) Vicente Carducho, e com elle Taborda, que o nosso historiador
Resende fôra tambem grande pintor. Não sei se a singeleza d’aquelles
tempos é bastante para crermos um homem no artigo dos seus louvores.
Fr. Carlos, monge de S. Jeronymo, vivia no principio do seculo XVI.
Pintou no stylo de Bolonha, e sobre tudo no de Corregio. Ainda que
flamengo de origem, suas obras tem mais nobreza, que o commum d’aquella
nação, sem deixar de ter sua bella simplicidade.
Gaspar Dias viveu pelos principios do XVI seculo. Mandado a Italia por
D. Manoel a estudar os grandes modelos, e formar o stylo, sua alma
elevada não se contentou d’outros mestres, que não fossem Raphael e
Miguel Angelo. Estudou-os, e mereceu imitá-los com dignidade.
Christovão d’Utrecht n. 1478, m. 1557. Ainda que nascido em
Hollanda, nossos escriptores o fazem portuguez. Soube perfeitamente
a perspectiva, e juntou ao gôsto de Perugino e João Bellini a maior
delicadeza e harmonia de pincel.
Affonso Sanches Coelho n. 1515, m. 1590. Dotado pela natureza de
quanto constitue um grande pintor concebeu fortes desejos de passar á
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