O retrato de Venus e estudos de historia litterária - 4

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Esculapio, e outros mezinheiros; antes de Homero, Hesiodo e Virgilio,
havia Orpheus e Linos; Eschylo, Sóphocles, Euripides e Aristophanes
foram precedidos por Thespis; os erros de Descartes allumiaram Newton;
Mairet, Routrou e Corneille formaram Racine e Voltaire; e entre nós
finalmente, antes de Camões, Ferreira e Bernardes houve Gil Vicente,
Bernardim e outros muitos, que lhes franquearam a carreira poetica.
Agora quasi em nossos dias, na brilhante restauração das lettras, os
Elpinos, os Filintos, os Gomes e os Bocages não appareceram de repente.
Assim gradualmente foram crescendo os pintores na Italia, e
adiantando-se a perfeição de suas obras. Nos ultimos parocismos do
imperio Grego uma infinidade de professores vinham procurar entre
os Italianos um asylo mais seguro, e uma patria menos despotica: e
quando finalmente em 1448, tomada Constantinopola por Mahometh II, se
extinguiu de todo aquelle phantasma colossal, maior numero ainda se
espalhou por todo o meio-dia da Europa, e concorreu para a perfeição da
pintura moderna; assim como a alluvião de theologos Gregos concorreu,
e muito, para a perpetuação das barbaridades scholasticas, e atrazo
das sciencias. São deste tempo--Gioto, cujas obras se acham ainda
em Florença, Piza e Roma, nascido em 1276, e morto em 1336: foi
discipulo de Cimabúe, e contribuiu muito para a perfeição da arte pelo
bem-ordenado da sua pintura, e boa disposição de figuras.
Masaccio, nasc. em 1417, e mort. em 1521, seria o verdadeiro e
completo restaurador da pintura, se vivesse mais tempo: o pouco que
d’elle resta, acha-se em Florença.
Luca Signorelli di Cortona n. em 1449, e m. em 1521; foi celebre
pela precisão de desenho, e belleza de composição, todavia fraco
no colorido. Notam-se bem estas propriedades nos seus quadros, que
ainda se encontram no Loreto e Roma. E este é o ultimo pintor de fama
anterior a Leonardo da Vinci, que depois, com Miguel Angelo, foi
julgado fundador da eschola Florentina.

NOTAS DE RODAPÉ:
[16] Pruneti o faz nascido em 1240--10 annos depois.
[17] Famosos restos da estatua de Apolonio Atheniense.
[18] Obra de tres escultores Rhodios Athenedoro, Agesandro e Polidoro.
[19] Estatua bem conhecida.
[20] Advirto, e fique advertido por todo o decurso deste ensaio, que
quando digo, que este, ou aquelle quadro, ou estatua se acham em Roma,
Florença, ou outra qualquer cidade: deve sempre entender-se antes das
ultimas revoluções da Europa.
[21] Não confundo Avicena, e Averroes com Hippocrates: bem sei a
distancia de tempos e merecimentos. Faço porém esta advertencia, porque
não leia isto algum Esculapio enthusiasta, que grite: _au scandale_!


CAPITULO III
Da Eschola Romana

Apezar de que a eschola Florentina com razão se possa chamar a mais
antiga, pois que seus alumnos se começam a contar desde Cimabúe; com
tudo a Romana foi, e sempre será como a primeira olhada, não só em
favor e respeito de seu illustre chefe Raphael Sanzio de Urbino; mas
pela bellesa de desenho, elegancia de composição, verdade de expressão,
e sobre tudo intelligencia de attitudes, que a caracterizam e
sobreelevam a todas as outras.
As descobertas dos grandes monumentos de pintura e scultura, que os
zelosos cuidados de alguns papas, e outras principaes pessoas de
Italia desenterravam todos os dias das ruinas da antiga Roma, formaram
o gôsto dos mestres desta eschola, moldando-o no antigo. E tal é a
caracteristica das suas producções. Os rasgos mestres d’aquelles
preciosos _antigos_ lhes inspiraram uma magestosa solemnidade de
expressão nas grandes ideias que concebiam; e esta mira, que levaram
sempre os pintores Romanos, lhes fez desprezar alguma coisa o colorido:
defeito, que bem se esquece por outras, e tão brilhantes qualidades.
Para tecer o elogio da eschola Romana basta nomear Raphael. Que nome
nos fastos das boas-artes! Se Virgilio e Homero não são mais celebres,
que Zeuxis e Apelles; a glória de Raphael quanto é superior á de Tasso
e Ariosto! Não me agrada aquella sentença dos antigos:
--Ut pictura poesis-- _A poesia será como a pintura_
(BOCAGE).
A poesia (attrevi-me a pensá-lo assim, e se a novidade não agradar nem
por isso me desdigo) é uma só: aos poetas pintores, seus primeiros
filhos é dado tratta-la viva: os poetas-versejadores só com o véo do
mysterio coberta a podem ver e seguir. A poesia animada da pintura
exprime a natureza toda; a dos versos porem, menos viva e exacta, falha
em muita parte na expressão de suas bellezas. Que poeta nos poderia
dar uma ideia de Romulo como David no seu quadro das Sabinas? Que
versos nos poderiam fazer imaginar a Divindade como a transfiguração de
Raphael? Que poema nos faria conceber a magestade d’um _Deus Creador_
dando fórma ao cáhos, e ser ao universo, como a pintura de Miguel
Angelo?
Estas reflexões sobre o parallelo das duas especies de poesia são
minhas; por taes as dou, e me encarrego do mal, ou bem, que d’ellas se
pensar. Por ventura não foi este o conceito dos antigos; mas a arte
mui atrazada entre elles não estava em proporção da nossa; os gregos
não tinham, como nós, Homeros em pintura. Immensas vantagens, como
já notamos, lhes levam os modernos pintores; a que de mais accresce
o nobre invento da gravura, que, (bem como a imprensa nos facilita o
trato dos mais antigos poetas do mundo) transmitte á posteridade e
nações remotas os esmeros da pintura, e ainda da scultura. Os nossos
Appelles não podem temer o ser conhecidos pelos vindouros só de nome
e fama, como o é por nós o dos antigos; a estampa lhes assegura o
conhecimento de _facto_ no mais remoto porvir, e mais longes climas.
Mui fertil foi a eschola Romana; grande é o numero dos seus pintores:
daremos de cada um d’elles uma brevissima, porem exacta noticia: desta
maneira terá a mocidade applicada, como em synopse, e sem o trabalho
enfadonho de revolver muitos e antigos cartapacios, a historia completa
desta e das outras escholas, em que seguiremos o mesmo methodo.

SECULO XVI
Rafaelo Sanzio d’Urbino, nascido em 1483, morto em 1520, facilmente
julgado o principe dos pintores: nenhum (se não for o moderno francez,
Mr. David) poderá rivaliza-lo. O brilhante colorido de Ticiano,
a belleza das tintas de Corregio, a gigantesca altivez de Miguel
Angelo não fazem a menor sombra á gloria do grande Romano. Raphael
levou a sua arte ao grau de perfeição, de que é capaz a humanidade.
Pertender dar uma ideia d’elle é tentar o impossivel: o estudo das suas
producções é o unico meio de o conhecer. Elle ainda vive repartido
por seus quadros, um dos mais bellos e ricos ornamentos das cidades
que os possuem. Digam-o os templos de Roma, as casas dos principes, o
Vaticano (onde existe a sua famosa _Biblia_), e sobre tudo a egreja de
_S. Pietro in monte_ situada no Janiculo; onde se conserva o primeiro
quadro do universo, a unica producção da arte, que excede a natureza,
a maior honra do ingenho humano, a melhor obra de Raphael, a sua
_Transfiguração_. Tal foi um dos primeiros homens do mundo, de quem
(e com mais razão por ventura, do que Horacio dizia de si) podêmos
asseverar, que não morreu todo: _Non omnis moriar_; ou como ja se disse
em portuguez; _O sabio não vai todo á sepultura_. A belleza principal
das suas obras é o desenho e attitudes.
Julio Romano (Giulio Pippi) n. 1492, m. 1546: foi discipulo de
Raphael. Em suas obras, que principalmente se acham em Roma, se ve que
o caracter d’este pintor era a fôrça e ardimento: o seu colorido é
obscuro, mas o desenho admiravel.
João Francisco Penni (il Fattore) n. em 1488, m. em 1528; trabalhou
quasi sempre debaixo das vistas, e pelos desenhos de Raphael, seu
mestre. Suas obras principaes são as galerias do Vaticano.
Polidoro de Caravaggio n. 1495, m. 1543; foi bom colorista, correcto no
desenho, nobre e fero nos ares de cabeça.
José Ribera, hespanhol, e por isso dito _il Spagnoleto_, nasc. em
Valença em 1589, e m. em 1656. O seu caracter é o vigor e expressão:
todas as figuras austeras e carregadas, prophetas, philosophos, tudo
quanto exige um pincel forte e vigoroso, sahia de suas mãos, como das
da natureza. Suas obras principaes existiam na cartuxa de Napoles; e
entre ellas, a mais conhecida é a collecção dos prophetas.
Perrino del Vague Buonacorsi n. em 1500, m. em 1547; foi tão feliz
imitador do stylo de Raphael, seu mestre, que muitos de seus quadros
passam por d’elle.
Innocenzio d’Imola n..., m...; desenhou segundo a maneira de Raphael,
mas coloriu muito bem. Seus quadros são preciosos e raros.
Giulio Clovio n. 1498, m. 1578. Trabalhou sempre em miniatura, e
apprendeu o desenho com seu mestre, Julio Romano.
Federico Barrocci n. 1528, m. 1612. Suas excellentes obras, que se
acham em Milão, Bolonha, Pesaro, Loreto e Roma, se distinguem pela
belleza do colorido (pouco vulgar na sua eschola) e que assemelha ao
de Corregio, grande exactidão de desenho, muita sciencia de luz, e
graciosos ares de cabeça.
Thadeo, e Federico Zucaro, irmãos: morto o primeiro em 1566; o segundo
em 1609. Thadeo tinha grande ingenho e bom colorido; Federico, menos
habil, acabou quasi todas as obras, que seu irmão começara. Acham-se em
Veneza, Tivoli e Roma.
Antonio Tempesta n. 1555, m. 1630. Foi eminente em batalhas, caçadas,
mercados, animaes etc.--Roma.--
José Cesar d’Arpin (Il cavalier Giuseppino) n. 1560, m. 1640. Seus
quadros grandes, que se vem no Capitolio, são historicos e bons; e
notaveis, sobre tudo, pela belleza dos cavallos.
Michel Angelo Ameriggi de Caravaggio, n. 1569, m. 1609. Suas obras são
mui faceis de conhecer pelo ar de relêvo, que dava a todas as figuras
por via do assombrado. Esta originalidade imita bem a natureza. O seu
desenho é preciso e fero.--Roma e Napoles.--
Domenico Feti n. 1589, m. 1624. Imitou o _antigo_, e Julio Romano;
donde houve um caracter de desenho fero e vigoroso, com quanto
incorrecto. Seus quadros, mui procurados, se distinguem por uma graça
particular, e picante.--Roma.--
Giovani Lanfranco n. 1581, m. 1647. Foi eminente nas grandes obras,
como platafundos, cupulas, etc.--Napoles.--

SECULO XVII
Pietro Beritini di Cortona n. 1596, m. 1669. Todas as suas ingenhosas
producções tem um ar de nobreza, que encanta. Mas a obra prima d’este
grande mestre é o _roubo das Sabinas_, que Lebrun servilmente
copiou.--Roma e Florença.--
Mario Nuzzi di Fiore n. 1599, m. 1673; alcançou um grande nome pela
maneira excellente de pintar flores.
Miguel Angelo Cerquozzi dito o _das batalhas e bambochatas_: nasc.
1602, m. 1666; teve um colorido vigoroso e um pincel ligeiro. Era tam
habil no seu genero, que pela simples narração d’uma peleja, traçava
logo a ordem do quadro no mesmo panno, em que havia de pintar.--Roma.--
Claudio Geleo (Lorrain) n. 1600, m. 1682. Todos conhecem este nome;
todos sabem que foi o principe dos paizagistas. Ninguem conheceu como
Lorrain a perspectiva aeria, e o effeito dos pontos de vista.--França.--
Andrea Sacchi n. 1599, m. 1661. Suas pinturas ternas e graciosos são
admiraveis pelo desenho, colorido e verdade de expressão.
Domenico Passignani pelos annos de 1630, pintou com gosto e nobreza,
muita expressão, porem mau colorido.--Florença.--
Pietro Testa n. 1611, m. 1648; moldou o seu stylo nos antigos de Roma,
donde houve um bom e correcto desenho, com quanto rude.--Roma.--
Salvator Rosa n. 1614, m. 1673. Trabalhou muito; e suas obras se acham
por toda a Italia: todas ellas tem um ar de originalidade, que as
distingue, muita verdade e bom colorido; porem o desenho não é perfeito.
Carlin Dolce n. 1616, m...; célebre pela graça da composição e frescura
do colorido.--Roma.--
Hiancito Brandi n. 1623, m. 1719 (outros querem que em 1691). Seus
quadros são muito vulgares: apezar das incorrecções do desenho, e
fraqueza de côres, teve com tudo uma belleza d’ornato, e fecundidade de
imaginação, que admira.
Carlo Maratti n. 1624, m. 1713; foi eminente nos ares de cabeça: seu
desenho é mui assisado, e seu colorido brilhante. Todas as composições
d’este mestre encantam, e são bem acabadas.
Luca Giordano n. 1632, m. 1705. Seu merecimento principal é a
facilidade e presteza, com que trabalhava: muitas obras delle são d’uma
bella expressão.
João Baptista Bacici n. 1639, m. 1709; retratava bem; e os seus quadros
mostram muito talento, e bello colorido.
Mattia Preti (Il Calabrese) teve o ingenho mais feliz na invenção;
bella e rica ordem, e muita originalidade. Nasc. 1643, m. 1699.
José Passari n. 1654, m. 1714; discipulo e imitador absoluto de Carlo
Maratti.

SECULO XVIII
Francesco Solimeni n. 1655, m. 1747. Bella imaginação, muito talento,
um desenho fero e correcto o constituem n’um dos primeiros lugares da
pintura; com quanto o seu colorido seja sombrio e pouco doce. A grande
qualidade porem d’este mestre, e em que elle sobre-excedeu a todos, é o
ar de vida, animação e movimento das suas figuras.--Napoles.--
Sebastião Concha morto pelos annos de 1740. Imitou Solemeni; mas o seu
genio frio o não ajudava. Comtudo no hospital de Sienna ha delle uma
boa pintura a fresco.
Paolo Panini, vivo em Roma ainda no anno de 1767. Tem bom colorido, e
muito espirito.
Paolo Monaldi do mesmo tempo foi pintor de _bambochatas_ muito
estimadas.
Pompeio Battoni, retratista e pintor historico: o seu colorido é bem
imitado de Corregio.
Muitos outros pintores, posto que não de grande fama, tem produzido
mais modernamente a eschola Romana; mas não temos delles sufficiente
conhecimento para poder formar um exacto conceito.


CAPITULO IV
Da Eschola Florentina

A eschola Florentina é, por sua antiguidade, a mais respeitavel:
seu primeiro mestre foi Cimabúe; com quanto, fallando em rigor, só
Leonardo da Vinci e Miguel Angelo mereçam (como ja notamos) o nome de
fundadores. As obras dos seus alumnos occupam um logar mui distincto
nas collecções mais ricas; e a Italia, e toda a Europa se julga
com elles ennobrecida. Seu gosto de desenho é fero e decidido; sua
expressão sublime, algumas vezes attrevida, e gigantesca, e mesmo
contra-natural, mas sempre magnifica: o colorido nos seus principios
era rude; apperfeiçoou-se depois, sem perder nada da sua viveza,
magnificencia e outras brilhantes qualidades. Esta eschola é a menos
numerosa, mas não a menos célebre.
SECULO XVI
Leonardi da Vinci n. 1445, m. 1520, um dos grandes ingenhos do seu
seculo, foi sculptor, architecto e pintor. Seu desenho é correcto e
puro, e suas obras todas d’uma composição ingenhosissima; das quaes
a melhor é sem questão o grande quadro da ceia em Milão. Foi muito
estimado de Francisco I de França, em cujos braços morreu. O canal de
Milão foi dirigido por elle.
Pietro Perugino n. em 1446, m. em 1524. Coloriu graciosamente; mas,
apezar de ser discipulo de Cimabúe, todos sabem quanto é rude o seu
ingenho.
Fra Bartholomeo della Porta n. 1465, m. 1517, formou seu delicado
gosto no de Vinci, donde houve muita correção e pureza. Seu colorido
é bello e natural. Rafaelo não se dedignou de apprender delle a
arte de colorir, ensinando-lhe em troco as necessarias regras da
_prespectiva_.--Roma e Florença.--
Miguel Angelo Buonarroti n. 1475, m. 1504; esculptor incomparavel,
magnifico architecto, pintor sublime; não póde decidir-se a qual das
boas-artes pertenceu mais: suas estatuas, seus edificios, seus quadros,
tudo mostra o maior homem do seu seculo. Teve uma maneira de pincel
altiva e fera, e em geral similhante á da sua eschola; vastissima
concepção, ideias sublimes e arrojadas, e muita expressão e vigor.
Seus quadros principaes se acham na capella Sixtina do Vaticano. A
antiguidade toda e talvez os seculos posteriores não tem nada que oppor
a tão grande ingenho: seus quadros são inferiores aos de Raphael, e por
ventura aos de alguns outros ainda; porém Miguel Angelo é mui superior
a todos elles.
Andrea del Sarto n. 1478, m. 1580; foi o maior colorista da eschola
de Florença; suas obras, em que se distingue uma maneira larga, e um
pincel fresco e brando, conservam ainda hoje um brilho singular.
Baltazar Peruzzi n. 1481, m. 1536, alem dos grandes mestres, estudou
sobre tudo a natureza, foi grande na prespectiva, porem fraco no
colorido. Ninguem antes de Peruzzi executou com gosto uma decoração de
theatro.
Giacomo Pontorma n. 1494, m. 1559; desenhou como Leonardo da Vinci, e
coloriu como Sarto. Seu pincel vigoroso, seu colorido brilhante, sua
imaginação bella e fecunda o fizeram olhar por Mig. Ang., e Raphael
como seu mais temido rival; e se a louca mania de imitar as maneiras
alemans o não fizesse mudar de estylo, por ventura os dois grandes
mestres não gosariam sós da gloria do primado.
Macherino de Sienna (chamado Domenico Beccafumi) n. 1484, m. 1549;
desenhou com gosto e correcção, mas coloriu mal.
Mestre Rosso, ou Roux (como lhe chamam os francezes) n. 1496, m. 1541;
pintou com muita expressão e viveza, porem ás vezes um pouco rude.
Trabalhou quasi sempre em França, onde teve muitos discipulos, e de
cuja eschola é julgado fundador.--Fontainebleau.--
Alexandre Allori n. 1535, m. 1607; foi gracioso e macio, e desenhou com
toda a pureza do _antigo_.
Francisco Rossi (il Salviati) n. 1510, m. 1563; é muito estimado pela
grande intelligencia de luz; desenhou e coloriu bem; seus quadros
se distinguem pelas singulares attitudes das figuras.--Florença e
Bolonha.--
Jorge Vasari n. 1511, m. 1574; muito célebre pelas vidas dos pintores,
que escreveu: seu desenho é bom, mas sem energia, e seu colorido
fraco.--Roma.--
Jacoppino del Ponte n. 1511, m. 1570; as suas maneiras são as de Andrea
del Sarto, seu mestre. Foi o melhor retratista da sua eschola.

SECULO XVII
Daniel Bacciarelli de Volterra n. 1579, m. 1625; desenhou bem, e o
que lhe deu grande nomeada sobre tudo, foi a sua _descida da cruz_ na
igreja _della Trinità del monte_ em Roma.
Ludovico Cigoli n. 1559, m. 1613, pintou d’uma maneira firme e
vigorosa; mas coloriu principalmente com o pincel de Corregio.
Francisco Vanni n. 1563, m. 1615. Coloriu muito bem, e desenhou
soffrivelmente.
João Manozzi (Giovani di S. Giovani) n. 1590, m. 1636; foi um dos
melhores pintores de sua eschola; seus quadros, que mostram muita
intelligencia de perspectiva e architectura, se acham em Roma,
principalmente no palacio Pitti.


CAPITULO V
Da Eschola de Bolonha

A eschola de Bolonha, ou Lombarda juntou em si quanto póde produzir
a perfeição da arte. Talvez (geralmente fallando) nenhuma das outras
o conseguiu tanto. O _antigo_ foi o seu modelo; mas sem uma servil e
exclusiva imitação; não tratou de formar systema ou, se o formou, foi
extrahindo de todos o que achou melhor. As bellezas vivas e sensiveis
da natureza, a verdade de expressão, a riqueza da ordem, a pureza dos
contornos, a facilidade admiravel de pincel, e sobre tudo o colorido da
mesma natureza, verdadeiro e encantador; tudo emfim, quanto offerece a
pintura, bello e terno, tudo reuniram os com-alumnos de Corregio.
Auctores ha hi (como Pruneti) que dividem estas duas escholas de
Bolonha e Lombardia; porém a geral opinião é a que sigo. Sobre o chefe,
ou fundador desta eschola, diversos são tambem os conceitos, querendo
uns que seja Francia, outros Mantegna; a questão é de pouca utilidade.

SECULO XVI
Francisco Francia n. 1450, m. 1518. Suas obras são d’um desenho muito
assisado, e mui boa côr para o seu tempo. Raphael lhe enviou o seu
quadro de _Santa Cecilia_ para que o corrigisse. Diz-se que a inveja
e dor de ver tam perfeita obra em um mancebo de tão pouca idade, lhe
causara a morte.
Andrea Mantegna n. 1451, m. 1517; seus quadros rarissimos conservam
ainda muito brilho, e são de melhor desenho que os de Francia.
Francesco Primaticcio Bolognesse n. 1490, m. 1570: coloriu
graciosamente, e desenhou no estylo de Julio Romano. Alguns, como
Pruneti, o querem fazer chefe da eschola de França, onde quasi sempre
viveu e pintou.
Antonio Allegri (Corregio) n. 1494, m. 1554. Tinha chegado á perfeição
da arte, e ignorava o seu merecimento. O _antigo_, Raphael, Vinci,
etc., tudo lhe era desconhecido; não sabia senão a natureza. Ouviu
gabar muito um quadro de Raphael, observou-o, e conheceu o seu proprio
merecimento; soube o que valia, e nem porisso foi mais vaidoso; antes
continuou a dar por mui rasteiro preço seus inestimaveis quadros, cujo
colorido e frescura de pincel ainda não pôde ser imitado.
Francesco Massuoli (o Parmezão, ou Parmegianino) n. 1504, m. 1540.
Maneiras graciosas, colorido fresco e natural, muita facilidade e
correcção no desenho o constituiram um dos primeiros pintores da sua
rica e fecunda eschola. Os quadros deste mestre são raros e carissimos.
Lucas Cangiagio, ou Cambiagi n. 1527, m. 1583 ou 85. Pintou com muita
facilidade, e o que é de admirar, com ambas as mãos ao mesmo tempo.
Teve muita verdade e viveza, e tal expressão nas figuras, que parece
que fallam:
_Manca il parlar: di vivo altro non chiedi;
Ne manca questo ancor, se agli occhi credi._
(TASSO Gerus.)
Os Caraches, Carachas, ou Caraccis, (segundo a nacional e verdadeira
orthographia) mais celebres e conhecidos são tres. Luiz Caracci
n. 1555, m. 1618; estudou muito os grandes mestres e adquiriu uma
maneira nobre e verdadeira, expressão e belleza de colorido. Instituiu
uma academia ajudado de Agustinho e Annibal Caracci, seus primos,
na qual se formaram Albano, Gruido, Guercino e outros illustres
artistas.--Agustinho Caracci desenhou perfeitamente e coloriu bem: dos
tres é o menos celebre; n. 1558, m. 1603.--Annibal Caracci n. 1560, m.
1609; foi superior a seu irmão e primo; teve um estylo nobre e sublime,
desenho preciso e fero, e colorido muitas vezes admiravel. A galeria
_Farnesi_ é de todas as suas obras a mais famosa.
Bernardo Castelli n. 1559, m. 1629; grande amigo de Tasso, a quem
retratou, bem como a quasi todos os bons poetas do seu tempo. Foi
insigne neste genero: desenhou bem e coloriu melhor.
Guido Renni (o Guido) n. 1575, m. 1624. Costumam distinguir-se tres
maneiras differentes neste pintor famoso: a 1.ª forte e assombrada; a
2.ª natural e bella; a 3.ª terna e doce, porem mais fraca. Pintava
com a maior facilidade.

SECULO XVII
Francesco Albani (o Albano) n. 1578, m. 1660; deu-se absolutamente aos
assumptos galantes e graciosos: seu genio doce e terno o determinou na
escolha. O nosso Vieira Portuense o estudou muito e imitou bem.
Domenico Zampierri (Domenichino) n. 1581, m. 1641; observou sempre uma
ordem magnifica nos seus quadros, muita nobreza, correcto desenho e
verdade de expressão.
Francesco Barbieri da Cento (o Guerchino) n. 1590, m. 1666. Trabalhou
com uma facilidade incrivel; e os seus quadros se encontram por
toda a parte: teve um desenho fero e expressão nobre; mas o colorido
não é igual. Sua 1.ª maneira é escura e fraca; a 2.ª é mais dura e
fortemente assombrada; a 3.ª é bella e encantadora, e participa do
gôsto de Ticiano e Corregio. Nos fins de sua vida, porem, obrigado da
miseria, trabalhou mal e sem gôsto.
Luciano Borzoni n. 1590, m. 1645. Verdade e intelligencia de expressão,
e delicioso colorido o fizeram um excellente pintor. Teve dois filhos,
que o imitaram, e se distinguiram; sobre tudo Francisco Borzoni nas
paizagens e marinhas.
João Francisco Frimaldi n. 1606, m. 1688. Coloriu suavemente e com
harmonia; suas paizagens são excellentes.
Benvenuto da Ferrara (o Garofalo) n. 1615, m. 1695; foi muito bom
colorista e desenhou bem. As suas cópias de Raphael são muito estimadas.
Beneditto Castiglioni. Sua pureza de desenho frescura de colorido,
delicadeza de toque e grande intelligencia de _claro-escuro_ fizeram os
seus admiraveis quadros preciosissimos e caros. Nasceu 1616 m. 1670.
Cario Cignani n. 1629, m. 1673. Teve muito boa composição e
desenho; mas pouca expressão por causa do _muito-acabado_ dos seus
quadros.--Bolonha.--

SECULO XVIII
Thiarini, chamado o _expressivo_, morto pelos annos de 1750: teve muita
expressão e um colorido vigoroso: exprimiu bem as paixões.
Izabel Cirani, do mesmo tempo. Estudou com proveito os grandes mestres:
adquiriu um gracioso colorido; e, com quanto preferia os assumptos
terriveis, executou muito melhor os doces e ternos.
Marcantonio Franceschini (o Francesquino) morto em 1729. Seu colorido
é muito engraçado, seu desenho preciso, e sua maneira tem uma bella
simplicidade. Os quadros de Francesquino tem muita estimação e
valor.--Bolonha.--
Marcos Benefiale n. 1684, m. 1764; foi um dos bons mestres de sua
eschola por seu correctissimo desenho, grande energia e expressão, e
fecundidade de pincel.--Roma.--


CAPITULO VI
Da Eschola Veneziana

A eschola Veneziana, que reconhece por fundadores os Bellinis,
Giorgione e Ticiano, produziu excellentes pintores, que imitaram a
natureza com uma fidelidade, que seduz os olhos. Seu colorido é sabio
e encantador, seu _claro-escuro_ de muita intelligencia, a imaginação
bella, a ordem rica, e os mais galantes e spirituosos toques; em fim,
sua maneira é originalmente encantadora, sobre tudo nas formosas e
sabias composições de Ticiano e Paulo Veronese. Os grandes mestres
desta eschola desprezaram todavia alguma cousa o desenho; tam essencial
á boa pintura. Ticiano, e Giorgione elevaram o modo Veneziano a um
ponto, que será difficil iguala-los. Nota-se em geral a esta eschola
pouco conhecimento do _antigo_, e attitudes.

SECULO XV
Gentil e João Bellini mortos, o primeiro em 1501, o segundo em 1512,
e mui velhos. Seus quadros rarissimos mostram ainda um desenho
verdadeiro, mas sem ordem: seu maior merecimento é terem sido mestres
de Giorgione e Ticiano.
Giorgione de Castel-franco n. 1477, m. 1511. Sciencia de claro-escuro,
ordem, colorido e desenho o elevaram em brevissimo tempo (pois viveu só
34 annos) á perfeição.

SECULO XVI
Ticiano Vecelli da Cadore n. 1477, m. 1576. Suas obras espalhadas por
toda a Europa fizeram conhecer este mestre, que discorreu uma longa e
feliz carreira, vivendo 99 annos; um quasi inteiro e glorioso seculo
empregado na mais nobre das artes. Ignorou o _antigo_, e falhou no
desenho; mas o colorido de Ticiano, e sua expressão, assim como não
tiveram modelo, não terão imitadores.
Gio Antonio Regillo (il Podernone) n. 1484, m. 1540. A belleza de seu
colorido, facilidade de desenho e apurado gôsto de invenção o fizeram
temer muito de Ticiano. Nada mais é necessario para seu elogio.
Sebastião Piombo n. 1485, m. 1547. O quadro da _resurreição_ de Lasaro,
feito para oppor ao da _transfiguração_ de Raphael lhe adquiriu muita
fama; e Miguel Angelo, cujo é o desenho do dito quadro, quiz por via
d’elle disputar a Raphael o primeiro logar; mas a expressão, e colorido
de Piombo não poderam triumphar do incontrastavel merecimento de seu
illustre rival.
Giacomo Ponte Bassano n. 1510, m. 1592. Amou os assumptos communs, em
que foi grande: seu stylo é verdadeiro, e as suas côres excellentes.
André Sciavone n. 1522, m. 1582: desenhou incorrectamente; porem
coloriu tam bem, teve um modo tam facil e engraçado, tam bom gôsto nas
roupagens, e tam bellas attitudes, que se lhe não pode negar o titulo
de grande pintor.
Giacomo Robusti (il Tintoreto) n. 1524, m. 1594. Uma imaginação
vivissima, uma rapidez incomprehensivel e um finissimo gôsto o elevaram
á primeira ordem dos mestres. É prodigioso o numero de suas obras.
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