O retrato de Venus e estudos de historia litterária - 3

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HORAT. _Od_. 2, Lib. I.
«_Á voz da deusa fende os ares liquidos._»
......... Per liquidum aethera:
VIRG. _AEn._ Lib. I.
«_Quaes ao paiz do mysterioso Etrusco._»
Florença na Toscana, ou antiga Etruria, dita _mysteriosa_ em razão dos
seus áugures.
«_Á formosa Bolonha..._»
De Bolonha conta Ganganeli (ou antes Carracioli) nas suas cartas,
que um Portuguez, encantado de sua belleza, exclamara: «Não se devia
mostrar senão ao domingo.»
«_E fitando no ceo audazes vistas._»
Coelum ipsum petimus stultitia
HORAT. Lib. II, Od.
«_Aos golpes crebros, incessantes, duros._»
O imperio Grego acabou em 1448 pela morte do ultimo Constantino, e
entrada de Mahomet II em Constantinopola, a cujos muros se limitava, ha
muito, o vasto imperio Grego e Romano. Os horrores desta tomada de Cp.,
a immensidade de familias que fugiram para a Italia, e principalmente
para Veneza, Genova e Florença, o adiantamento, que este successo
causou ás sciencias e artes do occidente; são cousas sabidas de todo
o mundo. (Vid. Anquétil: Précis de l’hist. univers. tom. 4, pag. 249,
etc. e Chateaubriand: Génie du Christ. part. 3, liv. I).


Notas ao canto segundo

«_Vão-lhe na frente os affamados chefes._»
Aquelles sam sós homens que se affamam.
FERREIR. _Cart._ 6, Liv. I.
«_No bello antigo modelando as graças._»
O verbo _modelar_ está geralmente adoptado mas que não seja antigo.
Assim como de _molde_ se fez, e deduziu _moldar_; de _modelo_ se póde
derivar _modelar_.
«_Vem tribu excelsa de Romãos pintores._»
Gregos, _Romãos_, e toda a outra gente.
FERREIR. _Cart. 3_, Liv. I.
«_E quanto inspira Apollo:......_»
O fito que neste poema levei, foi simplesmente celebrar os louvores
da pintura, e de seus principaes mestres. Sou apaixonado amador desta
sublime poesia; contento-me de admirar; mas nunca dei a menor lapizada.
A leitura, a observação curiosa, e exacta do pouco, que tenho visto, me
deram os limitados conhecimentos, que em tam comprida materia possuo.
Ideias vastas, ainda mesmo na historia só da pintura, apenas poderão
ser o fructo de longos estudos, que a minha pouca idade, e mais sérias,
mas que ennojosas occupações prohibem. Declaro pois que, se êrro
encontrarem os professores, mui grata e grande mercê me farão de me
avisar; e conhecerão pela minha docilidade na emenda a pouca presumpção
do auctor.
«_E aos d’arte amantes desejar com Pedro
Junto ao prodigio...._»
Faciamus hic tria tabernacula.
MATTH. _Evang._
«_Em cêrca aos muros da gentil Parthénope._»
Napoles, assim ditta antigamente de Parthénope, uma das sereias, que se
enchêram de desesperação por não poder vencer Ulysses com o seu canto.
Junto ao tumulo desta simideusa ou nympha se edificou uma cidade,
que della tomou nome. Destruida ésta, se tornou em seu mesmo logar a
edificar outra nova, dita Napoles (_Neapolis_--Νεαπὸλις--cidade nova)
nome que inda hoje conserva.
«_Umas sobre outras as cidades jazem._»
Pelos fins do seculo passado se descubriram nas visinhanças do Vesuvio
as antigas cidades de Herculano e Pompeia. A cidade de Portici está
quasi situada sobre a antiga Pompeia, que, assim como o Herculano, fôra
submergida em uma explosão do Vesuvio.
«_E a rôdo os d’atro fogo horridos rios._»
Nas grandes irrupções do Vesuvio corre do alto da montanha um, como
rio, de fogo, que dá uma imagem das fingidas torrentes do sonhado
Averno.--Virgilio, que de certo dos volcões de Napoles houve a idea
do seu _Phlegetonte_, situou por aquelles logares os seus--_Plutonia
regna_.--(Vid. Stael na _Corin_.)
«_Inda no mesto panno afflictos súam._»
....... Sudant in marmore mœsto.
SILI. _Ial._ Lib. I.
«_Saliente Caravaggio, que exprimiste._»
_Saliente_; porque as figuras de seus quadros tem um ar de relêvo,
que engana. É necessaria metonymia, de que uso muitas vezes para
caracterizar os pintores, segundo suas mais distinctas qualidades.
«_Ja de accurvados reis não brilha o fasto._»
O simples nome de Roma basta para fazer nascer uma infinidade de ideias
grandes e de magestade. Todos os pensamentos sublimes, que a imaginação
póde crear, todas as sérias reflexões, que póde suscitar a razão,
todas as memorias augustas, que a virtude e a humanidade podem fazer
nascer, occorrem e borbulham associadamente na alma do homem pensador
com a simples ideia de Roma. O exfôrço dos Horacios, a castidade das
Lucrecias, a integridade dos Brutos e Catões, o patriotismo dos Fabios
e Scevolas, a magnanimidade e valor dos Scipiões, a eloquencia dos
Ciceros, o saber dos Plinios, a liberalidade dos Augustos, a grandeza
dos Trajannos, a humanidade dos Titos, tudo se recorda com a memoria
illustre da cidade por excellencia.
Imagine-se um homem cheio de toda a magnificencia destas ideias,
possuido de respeito e veneração, ao entrar em Roma.--Ruinas,
sepulcros, templos derrocados, estradas solitarias, ruas desertas...
são os miseraveis objectos, que lhe ferem os olhos, mui de longe
preparados para admirar a senhora do universo. De espaço a espaço
descobre (é verdade) um templo magnifico, um grande palacio; mas breve
se desvanece este vislumbre de grandeza, e subito se esvai a nascente
esperança de encontrar a Roma de Augusto. Estes palacios, estes
templos, que se elevam do meio das choupanas (habitação da indigencia
e da fome) carregados d’ornatos, de sobejo embellezados, serão acaso
aquelles esmeros de architetura grande e magestosa, suberba e varonil
dos edificios Latinos? Poderá algum d’elles similhar-se ao _Fóro_, ao
_Palacio_, ao _Amphitheatro_? Descubrir-se-ha n’alguma d’estas modernas
praças o menor vestigio dos _Rostros_? O Capitolio, o terrivel, o
venerando Capitolio, onde se julgava dos destinos das nações, onde os
reis curvavam os sceptros, e depunham os diademas; d’onde sahiam os
irrevogaveis e tremendos decretos, que dispunham da sorte dos povos, e
legislavam ao universo, que é feito d’elle?--O solicito viajante ainda
o descobre; o seu _cicerone_ (guia) ainda lhe mostra o logar d’elle.--E
será este?--Differente estrada conduz ao cimo do monte; o palacio do
_senador_, alguns restos de quebradas estatuas, de desfigurados relevos
são todas as riquezas, todos os tropheos, todos os despojos, que ornam
o antigo alcaçar do mundo.
Confuso, humilhado, o viajante não se atreve ja a encarar nenhum
edificio.--«Os habitantes ao menos (diz elle) talvez conservem
alguma cousa ainda de Romanos. Tantas virtudes, tanta grandeza não
podiam extinguir-se de todo.»--Um bando de miseraveis, uma plebe
indigente, vil e sem costumes, são os successores do povo rei; uma
côrte effeminada, e entregue aos deleites do ocio occupa o logar dos
Brutos e Catões; declamadores sem gôsto, com affectadas e guindadas
phrases (que ou não entendem ou não crem) fazem retenir aquelle
mesmo ar, que ouviu os eloquentes e numerosos sons de Cicero e Marco
Antonio; assucarados trovadores infectam com os seus--_concetti_--a
degradada lyra de Virgilio e Horacio; os Scipiões, os Emilios, os
grandes generaes, as invenciveis tropas da triumphante republica são
substituidas por um bando de assoldados Suissos, cujas grandes proesas
e valor, cujos guerreiros exforços são o fazer a guarda do papa. Em
vez do augusto e venerando senado, um ajuntamento d’homens ambiciosos,
insaciaveis d’ouro, regem despoticamente; não os direitos das nações,
e deveres dos reis e povos pelas invariaveis leis da justiça, como
os antigos _conscriptos_; mas o corpo invalido da igreja por elles
arruinada e depravada, levando simplesmente o fito em pescar para a
barca do humilde S. Pedro as riquezas das nações com o sagrado anzol
das indulgencias, reliquias e breves.--«Roma! oh Roma! (exclamará o
contristado viajante) tu ja não existes; a tua liberdade expirou em
Catão, e tu com ella! A liberdade te conservava as virtudes, que, mais
que tuas façanhas, te constituiram no imperio do orbe. Perdeste-a;
e desde então caminhaste sempre com gigantescos passos ao abysmo
de miseria e vileza, em que jazes sepultada para eterno exemplo do
universo.
E com effeito, tal é a sorte de quasi todas as nações! Florecem, reinam
em quanto a liberdade, ou a larva della subsiste; apenas se eleva a
tyrannia, cai de rôjo com a liberdade o amor das virtudes; a servidão
embrutece o homem; a sociedade se muda em um rebanho de escravos; e
a miseria succede á opulencia. Assim cahiu Roma, assim Sparta, assim
Hollanda, assim tantas outras. Que exemplos para os tyrannos, e que
terrivel escarmento para os povos! Miseraveis despotas, embreve
estendereis o sceptro de ferro sobre montões de ruinas. Os Vandalos,
os Godos, os Arabes não se acabaram ainda; e vós os chamais com tanta
ancia![15]

NOTAS DE RODAPÉ:
[15] É facil de vêr que esta nota foi escripta antes do dia 24
d’Agosto. Felizmente ja se podem tratar estes assumptos com menos
atrabilis.


Notas ao canto terceiro

«_Enfrea as iras de Neptuno indomito._»
Imperio premit, et vinclis, et carcere frœnat.
VIRG. _AEn._ Lib. I, v. 54.
«_Ve d’Adria o golpho tempestuoso e fero._»
É o golpho de Veneza, antigamente chamado de Adria, ou Adriatico, d’uma
cidade d’este nome.
«_Alli, fugindo aos clamorosos brados._»
No meio do seculo V, foram destruidas por Attila, rei dos Hunos, as
cidades de Aquilea, Altino, Concordia, Opitergo e Padua, todas visinhas
ao golpho, então chamado Adriatico. Os habitantes destas cidades,
fugindo ao furor irresistivel, e cruel ferocidade dos barbaros, se
foram refugiar nas pequenas e desertas ilhotas do mar Adriatico, e
fundaram assim o começo de Veneza. (Vid. _Anquétil, Millot, e la
Istoria de Vinegia per ***_)

«_Emporio foi depois do rico oriente._»
_Antes que ha India fosse descuberta pelos Portuguezes, ha mayor parte
da especiaria, droga, e pedraria se vazava pelo mar roxo, donde ya
ter á cidade Dalexandria, e dalli ha compravão hos Venezianos, que a
espalhaavão pela Europa._
CASTANHEDA Lib. I, cap. 1.

«_E do alado Leão tremeu gran tempo._»
Um leão com azas era o timbre, ou armas da republica, ou senhoria de
Veneza.
«_E segue a esteira das cortadas ondas._»
_Esteira_, ou _esteiro_, que assim, e indifferentemente escrevem e
usam os nossos classicos, é aquelle sulco, que os navios vão fazendo e
deixando depoz si nas aguas, e que bom espaço se conserva depois. Maior
é talvez o numero das pessoas que sabem a simplicissima razão physica
deste natural phenomeno, do que o das que o nome portuguez lhe conhecem.
«_Foi a patria d’heroes, foi mãe de sabios._»

.......... All’ Adria in seno Un popolo d’eroi s’aduna......
MATEST. _Ezio_: atto I.
«_Adriades gentis, oh! vinde as frentes._»
Assim como de _Tagus_ Latino fez Camões _Tagides_; e outros do
Douro--_Durius_--_Duriades_ etc.; quem me impede a mim, que de _Adria_,
faça _Adriades_?
«_Qual Verona folgou com seu Catullo._»
.......... Gaudet Verona Catullo, Pelignae dicar gloria gentis ego.
OVID. _Trist._
«......... _Mil graças, mil encantos
Sem mysterio, sem véo te deu, lhe dera._»
Assim como Catullo, Paulo Veronese é notado de pouco honesto. Todos
sabem a lascivia e voluptuosidade dos versos do primeiro: os quadros do
segundo tem uma poesia d’este genero bem mais expressiva.

«_Em que lhe peze á inveja, e seus furores._»
Eu, que apezar da inveja, e seus furores
Aos astros levo o nome Lusitano.
ELPIN. _Nonaer._ Od. a Vasc. da Gam.
_Em que lhe peze_, e _em que lhe pez_ são phrases dos melhores
classicos: mil exemplos, por um, pudera appresentar; mas citarei o que
tenho aqui mais á mão, que é o P. Vieira (_Vozes saudosas: voz histor._)
«_Scena outr’ora infeliz da gloria Franca._»
As provincias Flamengas foram um dos principaes theatros das ambiciosas
guerras de Luiz XIV com a Hollanda. (Vid. VOLTAIRE _Siécl. de Louis
XIV_).
«_Lhe bafejastes divinal espirito._»
Quasi divino quodam spiritu inflari.
CICER. _pro Arch._ §. 8.
«_E o veneno lethal lhe infunde n’alma._»
Sic effata, facem juveni conjecit, et atro
Lumine fumantis fixit sub pectore tædas.
VIRG. _AEn._ Liv. VIII, v. 56, e seg.
«_Quam bello é na expressão Vaén correcto._»
Porventura não serão os verdadeiros accentos da pronúncia nacional, os
que ponho aqui neste e nos outros nomes dos pintores flamengos: puz-lhe
os necessarios para o rythmo, que é a minha obrigação; dos outros não
sei, pois que ignoro a tal lingua; no que, segundo creio, não perderei
nada.
«_Difficeis nomes d’estremados mestres._»
E bem difficeis, com effeito, para accomodar ao verso com os
seus--_kk_--_rr_--etc.: não são daquelles, de que Horacio diz:
Verba loquor socianda chordis.
HORAT. Lib. II, Od.
«_Do mestre a obra maior, Wandik insigne._»
Voltaire diz algures, fallando de Tasso, que, se é verdade o que
vulgarmente se diz, que os Lusiadas, e seu auctor formaram a
Gerusalem do primeiro, fôra esta a melhor obra de Camões. Não estou
_absolutamente_ por este _espirituoso_ dito de Voltaire; mas com
justiça o appliquei a Rubens, e Wandick.
«_E em vez d’um Fabio tardador_......»
Assim traduziu Filinto Elys. o _Fabius cuntactor_ dos Latinos. (Vid.
FILINT. _Ode á Liberdade_).
«......... _Ja no Sena ovante_.»
Sobre a margem feliz do rio _ovante_,
Donde arrancando omnipotencia aos fados
Impoz tropel d’heroes silencio ao globo.
BOCAG. _Od. a Filint._
«_Que do Meschacebeu vingando as margens._»
Este é o verdadeiro nome do célebre rio da Luisiana, na America
Septentrional, chamado vulgarmente _Mississipi._ (Vid. CHATEAUBRIAND:
_Génie du Christ._ Part. III, Liv. 5).
«_C’o Euripides Francez disputa ainda._»
Racine bem se póde assim chamar, não somente por suas absolutas e
eminentes qualidades; mas pela relativa, e mui particular da similhança
dos ingenhos, e feliz imitação de Racine. (Vid. LAHARPE: _Cours de
Littér._; LEMERCIER: _ibid._; e o P. BRUMOY no _Theatr. dos Gregos_).
«_Ao ver nas murchas, esmyrradas faces._»
J’ai langui, j’ai séché dans les feux, dans les larmes.
RACIN. _Phoedr._ Act. II.
Desfalleci, murchei no ardor, no pranto.
_Trad. ms. do Sr. H. E._
«_D’um criminoso amor violencia e fogo._»
Quand je suis toute en feu, vous n’êtes que de glace.
PHOEDR. Act. II.
«_Os manes folgam de Rollin, Voltaire._»
Le-Gros é pintor historico; e Rollin e Voltaire foram historiógraphos
francezes.


Notas ao canto quarto

«_Onde a voz de Bocage, a voz de Gomes._»
Outros quaesquer poetas, e de mais nomeada porventura, pudéra eu
citar; mas quiz, quanto em mim era, e o permittia o assumpto e a obra,
prestar homenagem a dous ingenhos, que honraram a patria e a lingua;
e dos quaes o primeiro depois d’uma fama gigantesca, e maior que seu
merecimento, passou a ser enxovalhado por quanto Mevio e Bavio sabe
dizer--_Traduziu, traduziu, traduziu tudo_--como se um traductor como
Bocage não fosse um poeta de muito merecimento, e de muito maior, que
tantos originalistas de nome (de nome sim; que realmente deus sabe o
que é); como se Pope, Dryden, Annibal Caro, João Franco Barreto, e
tantos outros illustres traductores não figurassem mais na republica
litteraria que tantos _epicos modernos_... Eu não sou dos apaixonados
do privilegio exclusivo, que ha certo tempo obtiveram entre nós as
traducções. Uma nação que assim obra por espirito de priguiça, ou
menos-preço de si propria, em vez de enriquecer sua litteratura,
empobrece-a e perde-a. De J. B. Gomes e da sua Castro tanto mal como
bem se tem dito. Não a dou por uma tragedia perfeitamente regular, não
a comparo ás grandes peças de Racine e Alfieri; mas sei que tem muitas
bellezas, e que n’um theatro tam pobre, como o nosso, é digna de muita
e muita estimação. Para criticar a Castro de Gomes é preciso enchugar
muitas vezes as lagrimas, que ella excita continuamente.
«_Calcando a juba dos Leões gryphanhos,
Parando ás Aguias etc._»
Revoluções de 1640 e 1808.
«........_Ah! se aura amiga
Continúa a soprar_......»
Em Roma, assim como na Grecia, se formariam Zeuxis e Apelles, se os
Romanos dessem a Fabio as honras, que seus talentos mereciam. Diz
Cicero algures nas Questões Tusculanas.
«_Inviolavel lei um teu desejo._»
Nação nenhuma (diz Florian no _avant propos de Sancho_) possue a arte
d’amar, como a portugueza.

«_Os feitos dignos de perenne historia._»
........as cousas...........
Que merecerem ter eterna historia.
CAMÕES. _Lus._ Cant. 7.

«_Sensiveis corações, vinde espelhar-vos_» etc.
Vidi sæpius inscriptionis imaginem, et sine lacrymis transire non
potui.
S. GREGOR. II. _Concil. Nicen._ act. 40.

«_Prazeres do christão, doçuras d’Alma._»
Le nouveau testament change le génie de la peinture. Sans lui rien
ôter de sa sublimité, il lui a donné plus de tendresse.
CHATEAUBRIAND. _Gen. du Chr._ part. III, Liv. I, cap. 4.

«_Portento d’expressão, viva faisca
Do lume eterno..._»
Les peintres... famille sublime que le souffle de l’esprit ravit au
dessus de l’homme.
CHATEAUBRIAND, ibid.

«_Fastoso monumento d’alta Iberia._»
Resta ainda resolver o grande problema: _Se a descuberta da America
foi util ou prejudicial á Europa_; o qual, emquanto a mim, depende
d’outro mais generico: _Se as conquistas, principalmente longinquas,
podem ser uteis a uma nação_. Não me atrevo a resolver nem um nem
outro. As theorias falham quasi sempre em politica, bem como em moral.
So noto imparcialmente, que a Hespanha foi poderosissima nação antes
do XVI seculo; que Portugal, se nos tempos de D. Manoel e João III
floreceu, e deu brado na Europa e no mundo; depois não fez mais que
luctar contra innumeraveis desgraças: que não tivemos mais um João
II; e que as conquistas d’Asia e Egypto deram por terra com o imperio
Romano.--Provêm isto das descubertas em si?--Provêm do uso que d’ellas
se fez?--Continúa a minha ignorancia.--Os monarchas hespanhoes fundiram
no Escurial, e n’outras cousas d’esta ordem, as immensas riquezas das
Indias occidentaes, ganhas á custa de tantos crimes, barbaridades,
irreligião, fanatismo e sacrilegios de Cortêz e de mil outros. Diminuiu
no continente hespanhol a população; não se fez o menor caso da
agricultura; o commercio não foi senão passivo; e, depois d’um breve
esplendor, a suberba Hespanha cahiu na miseria d’uma nação pobre e
falta de tudo, a pezar de toda a sua prata.--E que diremos de nós?--O
mesmo, com alguma differença para peior. Todo o homem, que pensa,
sabe o que eu poderia dizer neste artigo; como para estes só escrevo,
elles me entendem; e eu, com o meu silencio, me poupo ás criticas da
ignorancia e da sordida adulação. (_É bem facil de ver que ésta nota
foi igualmente escripta antes do dia 24 d’Agosto_).
«_Terra fertil d’heroes, solo fecundo,
Salve!........_»
Salve magna parens frugum... tellus, Magna virum.
VIRG. _Georg._

«_O mimoso sendal, ja pouco avaro._»
O véo dos roxos lirios pouco _avaro_.
CAMÕES _Lus._ Cant. 9.
Diripui tunicam, nec multum rara nocebat.
OVID. _Eleg._ Lib. I, Eleg. 5.

«_Que divinos encantos não descobrem_» etc.
E tuto ciò, che piú la vista alletti.
TASSO _Gerusal._ Canto XV, st. 59.

«_Sonhada, pythagorica harmonia._»
A harmonia das spheras é um dos sonhos de Pythagoras. Póde-se ver a
satyra galantissima destas e outras philosophicas extravagancias no
celebre poema allemão--_Musarion_--de Wielland: Canto II.

«_Arrulharam d’amor meigas pombinhas._»
Presentem ja no estremecido _arrulho_
Os propinquos prazeres.
FILINT. _Elys._ Ode a Venus. (Tom. 5).
«_Roseos descurvam, se aredondam braços._»
Ν’μος δ’ ὴῥιγυἑια φάυη ροδ οδ άϰλυλος ὴὠτ.
HOMER, _Odyssea_ B. (Lib. II.)

«_Ondeiam n’alva frente as tranças d’evano._»
Os cabellos e olhos pretos eram os mais estimados dos Romanos--_Nigra
oculis, nigraque capillis_: Horat.--Se é mau gôsto, confesso que o
tenho. Quem amar mais os louros, não tem senão dizer:
«Ondeiam n’alva frente as tranças d’ouro.»
Assim, eu, e o leitor ficamos ambos satisfeitos. De mais, até lhe
posso ensinar um texto, com que provar o seu gôsto. É a auctoridade de
Petrarca, que não é pêca neste ponto:
L’auro, e i topazj al sol sopra la neve
Vincon le bionde chiome presso agli occhi.
PETRARCA, _rim._ Part. I. cans. 9.

«_Déste; que bem o sei........_»
Assim é de crer piamente; e, comquanto o não digam os DD., eu o penso.
O leitor póde ficar pelo que quizer--_salva fide_--pois estas materias
são de mythologia, e não de theologia.
«_Ja por milagre de Cyprina é prompta._»
Manca il parlar; di vivo altro non chiedi.
Ne manca questo ancor, se agli occhi credi.
TASS. _Gerus._ Cant. XVI.

«_E novos Pygmaliões por elle anceiam._»
Pigmalion, quanto lo dar ti dei
Dell’ imagine tua, se mille volte
N’avesti quel, ch’io sol’ una vorrei.
PETRARCA, _rim._ Part I, sonett. 58.

_«Admira o joven a belleza_........»
Faria, pouco mais ou menos, as mesmas extravagancias com o retrato, que
o amante de Julia com o da sua bella.
(Vid. _Nouvell. Héloï._ Part. II, Lett, 22).

«_Os lacteos pomos........._»
Le _pome_ accerbe, e crude...
TASS. _Gerus._ Cant. XVI.

«_Serão meus versos, como tu, divinos._»
Me juvat in grœmio doctæ legisse puellæ,
Auribus et puris dicta probasse mea:
Hæc si contingant.........
.......... Domina judice, tutus ero.
PROPERT. _Eleg._


ENSAIO
SOBRE
A HISTORIA DA PINTURA

O objecto principal deste ensaio é a historia da pintura. A maior
parte do meu poema será inintelligivel sem elle a todo o leitor, que
não tiver feito um comprido estudo nesta materia. Menos porem bastaria
talvez para a intelligencia do opusculo: fui mais longo e extenso,
principalmente na historia da pintura portugueza, porque julguei util
dar á minha nação uma coisa que ella não tinha, a biographia critica
dos seus pintores. Sobejo e enfadonho trabalho me deu: oxalá que
aproveite! Bem pago fico, se, entre todos os leitores, deparar com
dous, em quem faça impressão o amor de boas-artes, e da patria, que
toda a obra respira.


CAPITULO I
Dos Pintores Gregos e Romanos

O numero dos pintores Gregos e ainda Romanos, cujos nomes chegaram até
nós, é grande, mas o d’aquelles, cujas obras ou maneiras conhecemos,
é bem diminuto. O respeito da antiguidade com tudo no-los faz
admirar, por ventura mais, do que o seu merecimento exige. Os quadros
modernamente descobertos nas cinzas do Herculano e Pompeia, alguns
_frescos_ conservados nas ruinas de Roma e outras cidades de Italia tem
subejamente mostrado aos entendedores imparciaes, que a pintura dos
antigos, ainda mesmo no seu maior auge, não póde soffrer comparação
com o menor quadro dos _Rafaelos_, dos _Corregios_, dos _Caraccis_,
nem mesmo d’outros pintores de segunda ordem das modernas escholas.
Duas coisas principalmente faltavam aos antigos pintores. Uma, as
tintas, cujas bellas composições, descobertas em mui posteriores
seculos, absolutamente ignoravam; não conhecendo, senão as terras
de côr, e os metaes calcinados; faltando-lhes aquellas côres, que
dão o tom medio, entre a luz e a sombra, que formam o matizado e
assombrado, e exprimem a natureza tal qual ella é, e com toda a sua
formosura: outra, o conhecimento das leis da perspectiva, como bem
mostram todas as suas obras, que nos restam: defeito este, que salta
aos olhos, e de impossivel disfarce. Só aquelle cego fanatismo, que faz
cançar os pedantes no estudo do Hebraico e Syriaco e d’outras inuteis
antigualhas, póde achar nos quadros Gregos e Romanos bellezas, não digo
superiores, mas iguaes ás das magnificas pinturas do bom tempo das
modernas escholas, e ainda mesmo das de hoje; com quanto a pintura, á
excepção da franceza, bastante se approxima da decadencia pelo espirito
servil, mania das copias e mal entendida imitação.


CAPITULO II
Restauração da pintura na Italia

Cimabúe, nascido em 1230,[16] e morto em 1300, é conhecido em toda
a Europa pelo honroso titulo de restaurador da pintura. Ouviu os
principios de sua arte d’alguns pintores Gregos vindos a Florença,
que ainda conservavam restos do bom stylo da nação: aperfeiçoou-se
depois com o estudo, e imitação dos poucos modelos antigos, que então
appareciam na Italia. Preciosas descobertas, que se foram pelo andar
dos tempos fazendo, pouco a pouco desterraram a barbaridade, que,
entre as outras boas-artes, tinha tambem sepultado a pintura. As
estatuas, os quadros, os relevos arrancados das cinzas e ruinas dos
famosos monumentos romanos, quantos mestres, quantos primores d’arte,
d’architectura, scultura e pintura não deram á Europa! Miguel Angelo
confessava dever toda a sua sciencia ao assiduo estudo, que por toda a
vida fizera no _tronco_[17] de Hercules, no _grupo_[18] de Laocoon, no
Apollo[19] do Belveder, e n’outros modelos da bella antiguidade.
Com quanto porem a pintura e mais boas-artes não possam propriamente
dizer-se restauradas antes do seculo de Leão X, que foi o de Raphael,
de Miguel Angelo, de Leonardo da Vinci, etc.; Cimabúe comtudo foi o
pae da pintura moderna; suas obras espalhadas pela Italia renovaram o
bom gôsto, e abriram os alicerces, sobre que se havia depois formar o
grande edificio das escholas Florentina, Romana, etc.
Todavia, em abono da verdade devemos confessar, que, posto que
Cimabúe possua com razão o titulo de restaurador da pintura; outros
antes d’elle houve, que se o não excedêram, lhe não foram ao menos
inferiores. De Guido de Senna, pintor do XIII seculo existe em uma
igreja de sua patria um quadro da Virgem, tão bom como os melhores de
Cimabúe: o seu desenho é de bom stylo, e ainda fresco de côres, apezar
de ser feito no principio do mesmo seculo, como indica a inscripção,
que se le por baixo.
Me Guido de Sennis
Diebus depinxit amenis;
Quem Christus lenis
Nullis nolit agere penis.
A. D. MCCXXI.
Ora, a data deste quadro é anterior ao nascimento de Cimabúe, affirmado
por uns em 1230, e por outros (como Pruneti) em 1240; e por isso os
Sennenses querem disputar a Cimabúe o titulo, que a elle e sua patria,
Florença, tanto ennobrece. Mas debalde; porque de Guido não se conhece
outra obra; e de Cimabúe existem ainda muitas, cuja nomeada o faz hoje
mesmo celebre e conhecido, e que n’aquelle tempo serviam de modelo aos
seus discipulos.
Do principio tambem deste seculo XIII se conservava em Luca um
antiquissimo quadro de certo pintor d’aquella cidade: representava S.
Francisco d’Assis. Seu desenho é correcto, posto que um pouco rude; o
ar-de-cabeça tem muita expressão, e as mãos são bem tratadas.[20]
Deste, e d’outros alguns monumentos desta épocha, devemos concluir: que
Cimabúe não foi o primeiro que na Itália começou a pintar com menos
defeitos: mas nunca se poderá asseverar, que elle, e sua eschola (a
Florentina) não foram os restauradores e pães da moderna pintura.
O que Pruneti diz a este respeito não destroi os meus principios.
Jamais as sciencias, e artes foram de repente á perfeição. Antes de
Socrates e Platão existiu Pythagoras e outros philosophos, que lhe
abriram o caminho; antes de Hippocrates, Avicena e Averroes[21] houve
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