As Minas de Salomão - 13

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Na madrugada seguinte partimos de Lú acompanhados por Infandós e pelo
regimento dos _Pardos_. Apesar de tão cedo, as ruas estavam apinhadas de
gente que nos lançava a saudação _Krum_, e nos desejava boa jornada! As
mulheres atiravam-nos flôres ao passar. Todos os _tam-tams_ resoavam.
Era como uma grande ceremonia real.
Pelo caminho Infandós foi-nos explicando que havia, com effeito, uma
passagem nas montanhas mais fácil do que aquella por onde vieramos--ou
antes, que era possivel descer por aquella alta escarpa, que separa os
dois «seios de Sabá» como um muro separa duas torres. Havia um anno, um
bando de caçadores Kakuanas, indo ao deserto á procura do abestruz,
tinham achado e seguido este caminho. Ao fim d'elle encontraram o
deserto; e ao fundo, no horisonte, avistaram massiços de arvores.
Levados pela sêde caminharam para lá, e acharam um largo e fertil oasis,
cheio de fructa, de caça e d'agua. E d'ahi, diziam os caçadores,
podiam-se distinguir no horisonte outros logares ferteis, formando como
uma continuação de oasis. D'este modo era talvez possivel diminuir os
horrores d'uma nova travessia no deserto.
Ao fim de quatro dias de marcha chegámos com effeito ao alto da
escarpa--d'onde avistavamos, por leguas e leguas, outra vez, o medonho
deserto amarello em que tanto soffreramos. Foi de madrugada que
começámos a descida--e foi então que nos separámos do nosso amigo
Infandós.
O excellente homem quasi chorou de mágoa.
--Nunca os meus olhos, exclamava elle, verão homens como vós. Aquelle
golpe de machado, Incubú! Que belleza! Sois os fortes dos fortes! E o
meu coração fica cheio da vossa lembrança. Adeus!
Tivemos realmente saudade do velho Infandós; e John, como lembrança,
deu-lhe--adivinhem o quê?--_um monoculo_! Tinha um de sobresalente, e
presenteou com elle o heroico e leal selvagem! Infandós, enthusiasmado,
procurou logo entalal-o no olho, certo de que essa _pupilla
resplandecente_ augmentaria o seu prestigio entre as tropas. E foi esta
a derradeira impressão que me ficou dos nossos amigos da Kakuania--um
velho guerreiro, nú, com uma pelle de leopardo ao hombro, grandes plumas
negras na cabeça, franzindo a face, de _monoculo no olho_!
D'ahi a pouco, tendo apertado affectuosamente a mão a esse honrado
Infandós, começavamos a nossa descida pela escarpa que liga os «seios de
Sabá», entre as trovejantes acclamações do regimento dos _Pardos_.
Fizemos essa descida em doze horas. Á noite estavamos acampados á orla
do deserto, conversando em torno das fogueiras ácerca d'esses dois
estranhos mezes que passaramos entre os Kakuanas!...
--Ha sitios peores para se viver, dizia o barão.
--Quasi desejava ter lá ficado, accrescentava John, com saudade.
Eu não dizia nada. Tinhamos lá passado temerosos momentos. Mas por vezes
a vida fôra dôce. E no alforge traziamos um saco de diamantes!
Na madrugada seguinte encetámos a marcha para esse oasis que os nossos
guias conheciam. Trilhámos tres dias o deserto--mas sem desconsolo,
graças ao bando de carregadores que nos dera Ignosi, e que nos permittia
levar provisões fartas e agua farta. Pelo começo da tarde do terceiro
dia avistámos um bosque--e o nosso jantar já foi regaladamente servido
debaixo de copadas arvores, e junto de frescas aguas correntes.


CAPITULO XVII
EMFIM!

E agora resta-me contar a maior maravilha d'esta maravilhosa jornada.
Tão estranho, quasi inverosimil é, que, para não lhe augmentar o ar de
romance que ella já de per si tem, preciso narral-a com a maxima
brevidade e maxima simplicidade.
Foi isto. Na manhã seguinte, no oasis, andava eu passeando ao comprido
d'uma fresca ribeira que o banha, quando de repente, n'um frondoso
outeiro á sombra de figueiras, com a fachada voltada para a
corrente--vejo uma confortavel cabana, construida á maneira cafre, mas
com uma porta, uma porta de madeira, em vez do costumado buraco redondo.
E quando eu estava pasmando para esta casota humana perdida n'um oasis
do deserto, eis que a porta se abre, e apparece, coxeando, encostado a
um pau, todo vestido de pelles, e com uma immensa barba até á cintura,
um _homem branco_!
Ficámos a olhar esgazeadamente um para o outro. Justamente n'esse
momento o barão e John appareceram. O homem crava os olhos em nós, com
um ar quasi afflicto. De repente larga a correr, como um côxo póde
correr, aos tropeções. Esbarra, rola no chão. O barão acode. Ergue o
homem. E grita:
--Santo Deus! _é meu irmão Jorge_!
Quasi tenho vergonha de narrar este lance. Parece banalmente inventado
pelos moldes do theatro antigo. Mas foi assim.
E ainda mais! Ao alvoroço do barão, ás exclamações que seguiram, outro
homem sahiu da cabana, tambem vestido de pelles, com uma espingarda na
mão. Ao dar com os olhos em mim larga a arma, leva as mãos á carapinha:
--Oh Macumazan! Oh Macumazan!... Não me conheces? Sou Jim. Sou Jim!
Aquelle papel que tu me déste para o patrão perdi-o... Estamos aqui ha
dois annos.
E o pobre Jim rojava-se no chão diante de mim, chorando e rindo, n'uma
alegria furiosa.
Com effeito, havia dois annos que o irmão do barão e o seu servo Jim
viviam n'aquelle oasis. Foi no nosso acampamento n'essa tarde que Jorge
Curtis nos contou lentamente toda a sua historia. Dois annos antes
partira da aringa de Sitanda, como nós, para atravessar o deserto, e
procurar as minas de diamantes para além das montanhas. Por informação
porém, que lhe deram uns caçadores de abestruzes que felizmente
encontrára, tomou um caminho diverso, e bem melhor do que aquelle que
seguira outr'ora o velho D. José da Silveira, e que nós seguiramos
guiados pelo seu roteiro. Esse caminho era através do deserto, mas
entremeado de oasis. Assim tinha chegado a este, o maior de todos, e
estava junto das Montanhas de Salomão, quando lhe aconteceu uma grande
desgraça. No dia mesmo em que aqui parára, estava sentado junto do rio,
por baixo d'umas penedias, onde Jim, o servo, andava procurando o mel
d'abelhas mansas. De repente, a um esforço qualquer que Jim fez em cima,
um dos penedos rola e vem cahir sobre uma perna do pobre Jorge,
esmigalhando-lh'a horrivelmente! Desde esse dia não pôde mais andar. E
muito naturalmente preferiu ficar alli no oasis, onde tinha agua, caça e
fructa--do que tentar atravessar de novo o deserto, onde inevitavelmente
morreria.
E alli ficou dois annos, como um Robinson Crusoe. Havia justamente dias
que decidira mandar Jim para traz, á aringa de Sitanda, a buscar
soccorro. Mas quasi tinha a certeza que Jim não voltaria...
--E sois vós agora, que appareceis de repente. Justamente tu, irmão! E
tu, meu bom John!... E o snr. Quartelmar, muito bem me lembro de o ter
encontrado em Bamanguavo! É extraordinario! E foi tudo a misericordia de
Deus!
N'essa noite tambem lhe contámos as nossas aventuras. Quando eu lhe
mostrei um punhado de diamantes, o homem empallideceu de espanto:
--Santo Deus! Ao menos o que soffrestes não foi em vão! Emquanto que
eu!...
Esta triste exclamação tornou-me pensativo. E desde logo decidi
partilhar com elle um lote d'aquellas pedras, que a elle tinham trazido
uma tão longa desgraça.
* * * * *
E aqui acaba esta historia. A nossa travessia do deserto foi
extremamente trabalhosa. Não soffremos tanto da sêde, porque, segundo o
novo roteiro indicado pelos caçadores de abestruzes, encontrámos a
espaços pequenos e frescos oasis. Mas o pobre Jorge Curtis, que mal
podia ainda usar a perna, necessitava constante amparo--e, por assim
dizer, tivemos de o transportar através do deserto. Emfim attingimos a
aringa de Sitanda, onde o velho sacripante, a quem deixaramos as nossas
armas e bagagens, ficou indignado de nos vêr voltar, vivos e sãos, para
as reclamar. E seis mezes depois estavamos jantando confortavelmente
aqui, na minha casa em Durban, á sombra das laranjeiras.
* * * * *
Quando eu acabava justamente de escrever esta ultima pagina das nossas
aventuras, vejo um cafre entrar pelo meu jardim, com cartas e jornaes na
mão. É o correio da Inglaterra. E eis aqui uma carta do barão, que eu
transcrevo, porque dá exactamente a conclusão da minha historia:
«Solar de Braley--Yorkshire.
Meu caro Quartelmar.
Só algumas breves linhas para lhe dizer que meu irmão Jorge, John e
eu, chegámos a Inglaterra todos tres perfeitamente. Apenas deixámos
o paquete, em Southampton, partimos logo para Londres pelo primeiro
trem. Não imagina o Quartelmar que elegante nos appareceu logo na
manhã seguinte o nosso John! Mas parece-me que ainda pensa muito,
coitado, na pobre Fulata.
E agora emquanto a negocios. Levámos os diamantes aos melhores
joalheiros de Londres, aos Streeter. Quasi tenho vergonha de dizer
em quanto elles os avaluaram. É uma somma descommunal. Está claro
que elles não podem dizer com exactidão, porque nunca appareceram
no mercado pedras d'este tamanho em tal quantidade. Emquanto a
compral-os elles, está fóra de questão. Apesar de ser uma forte
casa, não poderia nunca reunir semelhantes sommas. Aconselharam-me
que os vendesse, em pequenos lotes, a differentes joalheiros, e
devagar para não inundar o mercado. Um d'esses lotes, o que o
Quartelmar tão generosamente reservou para meu irmão, estão elles
todavia resolvidos a comprar por cento e oitenta mil libras.
O que o Quartelmar deve fazer, agora que está tão rico, é vir para
Inglaterra, e comprar uma propriedade ao pé da minha. O melhor
seria vir immediatamente para passar commigo este natal. Tenho cá
por essa occasião o nosso John. A respeito de seu filho Henrique
posso dizer que está bom. Esteve aqui uns dias commigo a caçar.
Gosto d'elle. Pregou-me uma carga de chumbo n'uma perna, extrahiu
elle proprio os chumbos, e provou-me depois a vantagem de haver
sempre em todas as partidas de caça um estudante de medicina.
Venha pois, velho amigo, e creia-me sempre seu

_Henrique Curtis_.»
* * * * *
Hoje é sabbado. Ha um paquete para Inglaterra além de ámanhã. Creio, na
realidade, que vou partir n'elle... Já tenho saudades do meu rapaz. E
depois quero vigiar eu proprio a publicação d'estas memorias.

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