As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1877-05/06) - 5

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fome. É para mim fóra de duvida que estas cincoenta ou sessenta escravas
representam mais de 500 individuos mortos na defeza do seu lar ou
acabando mais tarde de inanição. As mulheres a que me refiro vinham
presas umas ás outras pela cinta por meio de cordas cuidadosamente
atadas. Quando ellas affrouxavam na marcha, batiam-lhes
desapiedadamente. Os traficantes portuguezes, negros ou mestiços são
muito brutaes; os arabes pelo contrario tratam geralmente bem os
escravos. Os negros caçados como estas mulheres no interior da Africa
não são em geral levados para a costa. Vão para Sakaleton, onde por
varios motivos a população é rara e são mui procurados os escravos. São
vendidos por marfim, que os traficantes trazem para a costa.»
Estas palavras são perfeitamente explicitas e terminantes.
Persiste com todos os seus horrores no interior das nossas possessões da
Africa o trafico dos escravos. Emquanto se não provar manifestamente o
contrario esta é que é a verdade, verdade referida pelo sr. Cameron, já
anteriormente ennunciada pelo viajante francez o sr. Jocolliot,
confirmada pelo sr. Young, explorador inglez, e ultimamente, mesmo em
Lisboa em uma carta publicada no _Progresso_ pelo sr. Pinheiro Bayão,
que esteve por algum tempo em Africa empregado do Estado.
Para factos d'esta ordem os protestos de toda a imprensa[1] e de todo o
parlamento, por mais unanimes que elles sejam, não teem a natureza de
uma refutação nem o caracter de uma resposta, são uma pura evasiva
compacta.
[Nota 1: Um unico periodico, de que tenhamos noticia, o _Seculo_, de
Coimbra, tomou a defeza do capitão Cameron em um artigo poderosamente
escripto pelo sr. Correia Barata.]
A primeira noticia dada em Portugal da viagem de Cameron foi objecto de
uma sabia exposição feita á primeira classe da Academia das Sciencias
pelo fallecido naturalista o dr. Bernardino Antonio Gomes. O resultado
d'essa exposição dos serviços prestados pelo viajante inglez á
civilisação universal foi dirigir-se a Academia ao ainda então tenente
Cameron, agradecendo-lhe em nome da sciencia e em nome de Portugal a
contribuição valiosissima com que elle tinha cooperado para o progresso
da sociedade humana.
O governo, deliberando tomar officialmente conhecimento dos factos
referidos pelo capitão Cameron, não tinha senão uma resposta que
dar-lhe:--nomear uma commissão de inquerito que syndicasse
rigorosamente da cumplicidade dos funccionarios portuguezes no
menosprezo ou na contravenção das leis que aboliram a servidão.
Em quanto á camara dos srs. deputados, parece-nos que ella teria
procedido, pelo lado scientifico com mais logica, e pelo lado patriotico
com mais tacto, se em vez das protestações que iniciou houvesse seguido
o exemplo que lhe fôra dado pela Academia e agradecesse simplesmente ao
sr. Cameron as informações que este lhe prestára.
D'esse modo teria a camara dos sr. deputados evitado receber do _Times_
a mais dura e humilhante lição que por via da penna de um jornalista se
pode inflingir a uma sociedade.
O preconceito do patriotismo é o mais funesto de todos os preconceitos
sociaes sempre que elle nos leva a trahir a verdade. Manter na opinião
publica a mentira é violar o progresso da humanidade pelo modo mais
sacrilego e mais nefando. A decomposição em que se acha a governação e a
politica em Portugal deve-se principalmente á fraqueza dissolvente dos
caracteres publicos em testemunhar a verdade. Todo aquelle que por meio
da sua palavra ou por meio da sua penna não tem o preciso valor para
ennunciar a sua inteira opinião é um traidor da civilisação e um
perigoso inimigo do genero humano. Não queremos para a nossa
consciencia de escriptor o remorso d'essa voluntaria culpa, e é por isso
que dizemos aos srs. deputados:
A verdade, meus senhores, é o que vos disse o _Times_. «A questão, como
diz o referido periodico, não é se Portugal prestou serviços á causa do
progresso africano, nem se os estadistas foram estudiosamente polidos na
sua linguagem tratando com uma nação alliada e amiga; a questão é se os
factos são ou não são como recentes viajantes affirmaram que eram. Que o
commercio da escravatura na Africa central seja feito mui largamente por
negociantes portuguezes e sob a protecção da bandeira portugueza é
accusação que pode ser refutada, não pela linguagem de uma indignação
ficticia ou real, não por patrioticas reminiscencias, nem por uma
referencia a cumprimentos diplomaticos, mas sim deixando-se de permittir
que haja materia para que a accusação continue. Sabemos quanto Portugal
tem feito no papel para acabar a escravatura, e conhecemos tambem o
pouco effeito que as suas energicas declarações produziram.»
Os quatro milhões de vozes de que o paiz inteiro pode dispor, a
protestarem todas perante o universo, não poderão convencer um só homem
de que a verdade seja differente do que é. A declamação n'este ponto é
completamente inutil com outro qualquer fim que não seja um puro
exercicio de eloquencia nacional.
Por tal modo, meus senhores, não julgueis contribuir para a civilisação.
Vós contribuis apenas para o _Peculio de Oradores_, do sr. João Felix.
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